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REVISTA DA ARMADA | 540


          100 ANOS ATRÁS, UM OFICIAL DE MARINHA

          PRESIDENTE DA REPÚBLICA


          ALMIRANTE CANTO E CASTRO



          UM DEFENSOR DA ORDEM E DA LEGALIDADE NA REPÚBLICA



          Uma constante dedicação à Marinha, um grande gosto pela vida no mar, uma renitente postura de cumprimento perante as hierarquias
          e a disciplina. Poderíamos assim classificar a atitude e o comportamento do almirante Canto e Castro ao longo da sua vida. O jornalista
          e escritor Maurício de Oliveira testemunhou o seu “drama”: um monárquico investido no cargo de Presidente da República num clima
          de guerra civil, defensor das instituições republicanas, que contribuiu para o derrube da efémera Monarquia do Norte.


          INÍCIO DA CARREIRA                                                   Mariana de Santo António Moreira Freire
          MILITAR                                                              Correia  Manuel  Torres  D’Alvim  –  filha  de
                                                                               João  Baptista  de  Torres  Aboim  e  de  Joa-
           João do Canto e Castro Silva Antunes                                quina  Eça  Monteiro  e  Cunha,  família  de
          nasceu em Lisboa, a 19 de maio  de                                     fidalgos  com  morada  no  Palácio  Aboim
          1862.  Era  filho  de  José  Ricardo  da                                (Martim Moniz) – de quem vem a ter
          Costa da Silva Antunes, general de                                       duas filhas.
          brigada do Exército, e de Maria da                                          Entre  1  de  junho  de  1897  e  6
          Conceição do Canto e Castro Mas-                                          de  fevereiro  de  1899  é  nomeado
          carenhas Valdez. Na ascendência                                           comandante da canhoneira Diu, ten-
          de Canto e Castro afirma-se uma                                           do-se revelado um marinheiro cui-
          linha  aristocrática,  conservadora                                       dadoso e meticuloso, quando entra
          e defensora da Monarquia Abso-                                            sem auxílio de prático no porto de
          lutista . O seu bisavô, Manuel Cae-                                       Lourenço Marques, durante a noite.
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          tano  de  Mancelos,  fora  alcaide-                                      E  de  12  de  abril  de  1901  a  22  de
          -mor do Crato e cavaleiro da Ordem                                       setembro de 1904 assume o comando
          de Avis, e uma familiar fora mesmo                                      da canhoneira Vouga. Quando desem-
          camareira  da  rainha  D.  Carlota  Joa-                              barca, passa a chefiar a Direção-Geral da
          quina, acompanhando-a na ida da Corte                                Marinha.
          para o Brasil.
           Frequentou,  com  distinção,  o  Colégio         Foto Arquivo Histórico da Marinha  CARREIRA POLÍTICO ‑MILITAR
          Luso-Britânico  no  Palácio  dos  Guiões                             NA MONARQUIA
          (Príncipe Real), onde completou o ensino
          básico,  se  cruzou  com  Alfredo  Keil  e  se   PRINCIPAIS COMISSÕES   O almirante Ferreira do Amaral será o seu
          tornou  amigo  de  João  Chagas,  também                             mentor político, propondo-o para governa-
          aluno  da  instituição;  mais  tarde  have-  MILITARES               dor de Lourenço Marques e deputado no
          ria  de  transportar  este  último  para  o   João de Canto e Castro vai para o Oriente   último  Parlamento  da  Monarquia  Consti-
          degredo,  em  Angola, no ano de  1893,   prestar  serviço  em  Macau,  entre  1884  e   tucional, tribuna que Canto e Castro utili-
          quando comandava o navio S. Tomé.  1887, regressando a Lisboa com a patente   zará para defender uma reorganização dos
           Canto  e  Castro  ingressa  como  aspirante   de  segundo-tenente.  Recebe  o  seu  pri-  “Exércitos de Terra e do Mar” .
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          na  Real  Escola  Naval,  a  10  de  novembro   meiro louvor a 4 de junho de 1889, que   Foram dois os vultos que influenciaram
          de 1881. Desde o início é reconhecido, nas   ficou registado na Ordem Geral do Coman-  o interesse de João de Canto e Castro pela
          suas funções navais, pela Monarquia, nos   dante  da  Divisão  Militar  do  Índico,  pelos   política:  Francisco  Joaquim  Ferreira  do
          reinados  de  D.  Carlos  e  de  D.  Manuel  II.   trabalhos de levantamento do porto inte-  Amaral e Sidónio Pais. É por sugestão de
          Canto e Castro integrava-se entre os oficiais   rior da Beira, após ter ficado às ordens do   Ferreira  do  Amaral  que,  no  rescaldo  do
          da Marinha provenientes de famílias aristo-  explorador e então Major Serpa Pinto, que   Ultimato, será nomeado governador dos
          cráticas. Este tornara-se um padrão social:   acompanha na expedição ao Natal, como   distritos  de  Lourenço  Marques  (1894),
          oficiais de ascendência nobre que ingressa-  capitão-tenente.        Moçâmedes (1895) e da Ilha do Príncipe
          vam na Marinha para comandar navios ou   Desempenhou  o  cargo  de  auxiliar-téc-  (1896).  No  primeiro  daqueles  governos,
          unidades em terra. Um tal estatuto social   nico do comissário português para a deli-  substitui  o  então  capitão  Mouzinho  de
          irá  perdendo  relevo  na  transição  para  o   mitação do Congo, em 1890. Reconhecido   Albuquerque, por entre uma instabilidade
          século XX e, sobretudo, durante a Primeira   o seu trabalho pelos governos da Bélgica   política  e  social  difícil  de  esconder,  no
          República, quando esses cargos passarem a   e de Portugal, é condecorado por ambos   período que se segue a 1890. Em Moçam-
          ser exercidos por elementos vindos de uma   os países. De volta a Lisboa é promovido   bique  adoece  e  regressa  à  Metrópole.
          camada  burguesa  urbana,  sem  tradições   a  primeiro-tenente,  a  15  de  janeiro  de   Restabelecido volta a Moçambique onde
          ou ligações militares.            1891. Contrai matrimónio nesse ano com   tem  de  enfrentar  desafios  à  sua  autori-


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