Page 14 - Revista da Armada
P. 14
REVISTA DA ARMADA | 540
100 ANOS ATRÁS, UM OFICIAL DE MARINHA
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ALMIRANTE CANTO E CASTRO
UM DEFENSOR DA ORDEM E DA LEGALIDADE NA REPÚBLICA
Uma constante dedicação à Marinha, um grande gosto pela vida no mar, uma renitente postura de cumprimento perante as hierarquias
e a disciplina. Poderíamos assim classificar a atitude e o comportamento do almirante Canto e Castro ao longo da sua vida. O jornalista
e escritor Maurício de Oliveira testemunhou o seu “drama”: um monárquico investido no cargo de Presidente da República num clima
de guerra civil, defensor das instituições republicanas, que contribuiu para o derrube da efémera Monarquia do Norte.
INÍCIO DA CARREIRA Mariana de Santo António Moreira Freire
MILITAR Correia Manuel Torres D’Alvim – filha de
João Baptista de Torres Aboim e de Joa-
João do Canto e Castro Silva Antunes quina Eça Monteiro e Cunha, família de
nasceu em Lisboa, a 19 de maio de fidalgos com morada no Palácio Aboim
1862. Era filho de José Ricardo da (Martim Moniz) – de quem vem a ter
Costa da Silva Antunes, general de duas filhas.
brigada do Exército, e de Maria da Entre 1 de junho de 1897 e 6
Conceição do Canto e Castro Mas- de fevereiro de 1899 é nomeado
carenhas Valdez. Na ascendência comandante da canhoneira Diu, ten-
de Canto e Castro afirma-se uma do-se revelado um marinheiro cui-
linha aristocrática, conservadora dadoso e meticuloso, quando entra
e defensora da Monarquia Abso- sem auxílio de prático no porto de
lutista . O seu bisavô, Manuel Cae- Lourenço Marques, durante a noite.
1
tano de Mancelos, fora alcaide- E de 12 de abril de 1901 a 22 de
-mor do Crato e cavaleiro da Ordem setembro de 1904 assume o comando
de Avis, e uma familiar fora mesmo da canhoneira Vouga. Quando desem-
camareira da rainha D. Carlota Joa- barca, passa a chefiar a Direção-Geral da
quina, acompanhando-a na ida da Corte Marinha.
para o Brasil.
Frequentou, com distinção, o Colégio Foto Arquivo Histórico da Marinha CARREIRA POLÍTICO ‑MILITAR
Luso-Britânico no Palácio dos Guiões NA MONARQUIA
(Príncipe Real), onde completou o ensino
básico, se cruzou com Alfredo Keil e se PRINCIPAIS COMISSÕES O almirante Ferreira do Amaral será o seu
tornou amigo de João Chagas, também mentor político, propondo-o para governa-
aluno da instituição; mais tarde have- MILITARES dor de Lourenço Marques e deputado no
ria de transportar este último para o João de Canto e Castro vai para o Oriente último Parlamento da Monarquia Consti-
degredo, em Angola, no ano de 1893, prestar serviço em Macau, entre 1884 e tucional, tribuna que Canto e Castro utili-
quando comandava o navio S. Tomé. 1887, regressando a Lisboa com a patente zará para defender uma reorganização dos
Canto e Castro ingressa como aspirante de segundo-tenente. Recebe o seu pri- “Exércitos de Terra e do Mar” .
2
na Real Escola Naval, a 10 de novembro meiro louvor a 4 de junho de 1889, que Foram dois os vultos que influenciaram
de 1881. Desde o início é reconhecido, nas ficou registado na Ordem Geral do Coman- o interesse de João de Canto e Castro pela
suas funções navais, pela Monarquia, nos dante da Divisão Militar do Índico, pelos política: Francisco Joaquim Ferreira do
reinados de D. Carlos e de D. Manuel II. trabalhos de levantamento do porto inte- Amaral e Sidónio Pais. É por sugestão de
Canto e Castro integrava-se entre os oficiais rior da Beira, após ter ficado às ordens do Ferreira do Amaral que, no rescaldo do
da Marinha provenientes de famílias aristo- explorador e então Major Serpa Pinto, que Ultimato, será nomeado governador dos
cráticas. Este tornara-se um padrão social: acompanha na expedição ao Natal, como distritos de Lourenço Marques (1894),
oficiais de ascendência nobre que ingressa- capitão-tenente. Moçâmedes (1895) e da Ilha do Príncipe
vam na Marinha para comandar navios ou Desempenhou o cargo de auxiliar-téc- (1896). No primeiro daqueles governos,
unidades em terra. Um tal estatuto social nico do comissário português para a deli- substitui o então capitão Mouzinho de
irá perdendo relevo na transição para o mitação do Congo, em 1890. Reconhecido Albuquerque, por entre uma instabilidade
século XX e, sobretudo, durante a Primeira o seu trabalho pelos governos da Bélgica política e social difícil de esconder, no
República, quando esses cargos passarem a e de Portugal, é condecorado por ambos período que se segue a 1890. Em Moçam-
ser exercidos por elementos vindos de uma os países. De volta a Lisboa é promovido bique adoece e regressa à Metrópole.
camada burguesa urbana, sem tradições a primeiro-tenente, a 15 de janeiro de Restabelecido volta a Moçambique onde
ou ligações militares. 1891. Contrai matrimónio nesse ano com tem de enfrentar desafios à sua autori-
14 MAIO 2019