Page 28 - Revista da Armada
P. 28
REVISTA DA ARMADA | 547
ESTÓRIAS 55
DR
O MARINHEIRO QUE NUNCA VIU O MAR
onge vai o tempo em que o serviço militar era de 4 anos. Ingres- – Esteve sempre em navios que se encontravam em reparação.
Lsar na Armada era um privilégio para alguns que, no caso de – JusƟ fi cou o Imediato.
chumbarem nos exames de incorporação e nos da Junta de Saúde Assim, o tempo foi passando e num encontro entre o comandante
Naval, eram enviados para a Infantaria do Exército. Deveriam saber do navio e o Chefe do Estado-Maior Naval, numa cerimónia de ren-
ler, escrever e realizar algumas operações de aritméƟ ca. dição de comando de uma outra unidade naval, foi contada a histó-
Jonas era um rapaz cumpridor das suas obrigações, pessoa de ria do marinheiro Jonas que Ɵ nha estado na Marinha sem nunca ter
grande responsabilidade e senƟ do de Estado. Como tal, foi chamado visto o mar.
pela Junta de Recrutamento às fi leiras para cumprir as suas obriga- – Isso é muito grave, Comandante! – Afi rmou o Chefe do Estado-
ções militares, sendo direccionado para se apresentar na Marinha, -Maior Naval.
na Praça da Armada, e numa das Brigadas. Esta noơ cia causou-lhe – Sim, é verdade, Almirante.
uma grande alegria, pois era um anƟ go sonho seu vir a conhecer – Esse marinheiro Jonas tem de ser casƟ gado por ter estado na
o mar. O dia de apresentação foi de uma grande alegria; apanhou Marinha e nunca ter visto o mar.
o autocarro da carreira para se apresentar na Praça da Armada, – E o que sugere, Almirante? Ele está na situação de licenciado…
onde lhe deram os seus pertences militares enchouriçados num – Muito bem! Como tal, pode ser chamado para terminar as suas
saco de lona verde com o seu número militar gravado no fundo; obrigações militares. Vou falar com o Ministro da Marinha para
com o cabelo cortado, foi enviado para a primeira instrução. Mais ser convocado e regressar à Marinha para cumprir as suas obri-
tarde ingressaria numa Brigada. O seu sonho iria ser realizado muito gações militares. Vai apresentar-se no próximo navio que esƟ ver
em breve, agora no Alfeite, junto dos navios. Com a especialidade de SAR (Search And Rescue), onde vai cumprir uma pena de uma
Ɵ rada, foi enviado para um navio que se encontrava em grande semana por ter estado na Marinha e nunca ter visto mar.
reparação no Arsenal do Alfeite. Passou um ano e o navio fi cou Jonas foi, assim, convocado para regressar à Armada, para termi-
pronto para realizar a sua primeira prova de mar. Iria ser o momento nar o seu serviço militar obrigatório, recebendo a noơ cia com grande
por que Jonas tanto aspirava: conhecer o mar. Contudo, o navio ava- entusiasmo, mas não fazendo ideia de que iria embarcar num navio
riou assim que largaram o lançante do cabeço de terra, originando operacional durante sete dias. Logo no primeiro dia que se apresen-
que Jonas fi casse novamente por terra, sendo destacado para outro tou, o navio saiu para o mar. Jonas estava agora mais feliz do que
navio que se encontrava atracado na Base Naval do Alfeite. nunca. O navio deslizava pelas águas do Tejo rumo à barra, onde
Talvez agora conseguisse conhecer o mar, pensou ele. Jonas começou a receber as primeiras vagas, que Ɵ nham uma altura
Mas não, o navio estava à espera de peças para sofrer também de metro e meio. Sem nunca sair da proa do navio, observava os
uma reparação nas caldeiras de naŌ a. Assim, sempre em destaca- golfi nhos que cruzavam a quilha. SenƟ a o vento e o cheiro do mar,
mento de um navio para outro, o tempo foi passando e Jonas regres- tocando na água salgada que salpicava para a cara e lhe molhava o
sou à sua terra natal sem que Ɵ vesse conhecido o mar. Quando, rosto, misturada com pequenas lágrimas de felicidade que se jun-
entre amigos, lhe perguntavam como era o mar, alegava que este tavam à imensidão do oceano. Agora o oceano também Ɵ nha uma
era grande e cheio de peixes também muito grandes, tentando evi- parte de Jonas, as suas lágrimas de felicidade.
tar dizer que nunca Ɵ nha visto o mar, nem mesmo quando foi mari- Jonas regressou então à sua terra natal, no autocarro da carreira,
nheiro. cheio de aventuras para contar a todos os seus amigos, podendo
– Bom dia, Comandante! Já se apresentou o novo marinheiro que agora dizer como era realmente o mar, como era o seu infi nito, um
veio render o Jonas. – Informou o Imediato do úlƟ mo navio onde perder de vista até à linha do horizonte. Chegou a casa cansado da
Ɵ nha estado Jonas. viagem e deitou-se, revivendo todas aquelas aventuras que viu e
– Ah, o Jonas!... Estava tão triste quando se despediu de mim, para senƟ u. Quando sua mãe o foi chamar na manhã seguinte, jazia no
se ir embora. – Replicou o Comandante do navio. seu leito com um sorriso eterno de felicidade.
– Pois estava, Comandante! Foi embora da Marinha sem nunca ter
visto o mar… Santos Cardoso
– Como foi possível tal coisa? Ter estado na Marinha sem nunca ter Guarda 2CL PEM
conhecido o mar? – Interrogou-se o Comandante. N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co
28 JANEIRO 2020