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REVISTA DA ARMADA | 547


              NOVAS HISTÓRIAS DA BOTICA                                                                        82



              O Espantoso Lago dos Patos…




                eria talvez um sonho, mas estávamos em pleno dia. Seria a   Nesse dia, quase escrevi àquela jovem e pálida adolescente sueca,
              Svontade de sorrir, de ver o mundo com outros olhos, haveria   que obsessivamente defende o Planeta. Ia postular que Portugal
              múlƟ plas explicações, todas absolutamente irreais, mas não res-  está no bom caminho, no caminho da ecologia, já que aves selva-
              pondiam à questão principal: porque estavam eles lá?  gens, geralmente associadas a lagos cristalinos, aceitaram purifi car
               Durante semanas procurei inúmeras explicações nos calhamaços   um espaço líquido que é tudo menos transparente, ou cristalino…
              biológicos, que leio interruptamente numa tentaƟ va de explicar a   Voltei a ver, em dias seguintes, aqueles membros alados de uma
              vida. Mas não encontrei explicação para tal fenómeno… Lá gaivo-  “aviação naval”, que ostenta cores brilhantes, alegres, luzidias, con-
              tas sim, essas toleram tudo, todas as condições, toda a osmolari-  trastantes… O mistério da sua vinda só se tornou claro alguns dias
              dade, toda a salinidade, toda a “verdura” comum à água que não   depois, numa visita muito desejada ao cirurgião capilar (a Marinha,
              é bem oxigenada. Já aquela canção do “Capelo Gaivota” dizia que   como sabem todos, não tem barbeiros, só arƟ stas de cirurgia capi-
              elas estavam e voavam para todo o lado…             lar) que mora lá para aquelas bandas. Não eram larvas de mosquito,
               Terão sido as condições da água. Talvez esƟ vesse mais limpa,   ou peixes microscópicos que os patos consomem. O que lhes estava
              naquele dia? Talvez alguma maré milagrosa  Ɵ vesse  conseguido   a saber bem eram os pedaços de pão e bolacha com que alguns
              oxigenar a água, limitar os mosquitos e melgas, enfi m “docifi car”   marinheiros, de ambos os sexos, os presenteavam…
              aquele líquido amorfo. Mas não, refl eƟ ndo um sol ơ mido, a água   Ora, naquele dia pensei: ainda bem que há Marinha, que há mari-
              apresentava um verde opaco, de aspeto sépƟ co e muito, muito   nheiros assim, que fi zeram aparecer, miraculosamente, aves belas e
              pouco saudável…                                     alegres. Tal poder pôde transformar um lençol de água sujo e desin-
               Nada dava a entender, ou propunha uma razão cienƟ fi camente   teressante, num local interessante, vivo, e até, por momentos, belo…
              aceitável para a magnífi ca presença de um imponente bando de   A sorrir por dentro, pensei: a guerra do clima está ganha. Tal é o
              patos reais, naquele espaço de água muito, muito imprópria, que   poder da vida… tal é a famosa capacidade dos marinheiros de fazer
              preenche uma anƟ ga doca, em terrenos navais, na anƟ ga Ribeira   sorrir qu em está triste, tornar belo aquilo que não o é, na imediata
              das Naus. Não pareciam ter pressa, nadavam como se passeassem   superİ cie… Ainda que bem que os patos voam e são livres…
              no riacho mais límpido, do interior do nosso belo e ainda pouco
              conhecido país.                                                                                     Doc
















































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