Page 18 - Revista da Armada
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D. DINIS
A VISÃO DO ESTADISTA, A OBRA MARCANTE
E A ENVOLVENTE POLÍTICA EUROPEIA
reinado dionisino tem sido abordado, gal. Mas, para que a avaliação deste monarca
O estudado e comentado por historiadores possa ser enquadrada na envolvente complexa
e especialistas medievais da primeira Dinas- do fi nal do Século XIII e fase inicial do século
Ɵ a num quadro material em que assumem seguinte, um dos supramencionados aspectos
parƟ cular importância a Concordata, as que é úƟ l aprofundar é, precisamente, o do
inquirições, o Tratado de Alcañices, a enquadramento europeu da sua época, com
Ordem de Cristo, a insƟ tucionalização do especial ênfase em Inglaterra, França e Castela.
Estudo Geral (1288), o apaziguamento da É deste enquadramento políƟ co europeu que
políƟ ca eclesiásƟ ca, os aperfeiçoamen- parƟ remos para aferir, em especial, algumas
tos administraƟ vos e o controlo econó- marcas relevantes do seu reinado.
mico, a designada políƟ ca anƟ -senhorial
e a criação da Marinha de Guerra (1317), I. BREVE ENQUADRAMENTO
e bem assim a defi nição territorial de Por-
tugal (1297) no quadro da estabilidade da POLÍTICO EUROPEU
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políƟ ca peninsular. D. Dinis nasceu em 1261. Reinava em Ingla-
Poderá ser esta a matriz para desenvol- terra Henrique III (1216-1272), fi lho de João
ver um arƟ go, mas, felizmente, nas úlƟ - Sem Terra, monarca que perdeu os territórios
mas duas décadas e meia têm sido pro- feudais que a coroa inglesa Ɵ nha em França
duzidos signifi caƟ vos trabalhos de análise (derrotas de 1229 e 1249), tendo restado ape-
sobre todas estas dimensões, como os de nas a Aquitânia – quadro fi rmado pelo Tratado
José MaƩ oso, Homem de Carvalho, Maria de Paris de 1259, assinado por ele e por Luís
Helena Cruz Coelho, Bernardo Sá-Nogueira IX (conhecido como St. Louis) –, e que fi cou
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ou SoƩ o Mayor Pizarro, além do recurso marcado por frontal cisão e guerra civil com a
que sempre temos às obras estruturantes alta nobreza, pelo exercício de autoritarismo
de Joaquim Veríssimo Serrão, Magalhães régio – através dos Sheriff s – perante a pequena
Godinho, Oliveira Marques, Emília Cor- nobreza local e a burguesia mercanƟ l das cida-
deiro Ferreira e José Hermano Saraiva. des. Eduardo I, Longshanks (1272-1307), o
Parecem exisƟ r, contudo, alguns relevan- seu sucessor, foi um rei totalmente diferente,
tes aspectos a aprofundar quanto a um estratega, construƟ vo, que privilegiou o pla-
reinado que foi marcante para uma fase neamento e o importanơ ssimo equilíbrio de
em que os especialistas por vezes desig- poderes com o parlamento dos seus barões,
nam, em termos de organização de pode- promoveu a base jurídico-organizaƟ va do reino,
res, jusƟ ça, legislação e políƟ ca interna sustentando-se na escola de juristas de Oxford
e fi scal, como transição entre o período – que aproveitaram as bases do direito romano
medieval de construção e expansão – adaptando-o à realidade inglesa – tendo esten-
Séculos XI a XIII – e uma fase mais dido a common-law a todo o reino. Longshanks
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trecenƟ sta na qual o monarca, em actualizou o famoso Domesday Book (1274),
termos de perfi l e obra, decidi- estabelecendo com maior rigor os limites
damente melhor se enquadrará. senhoriais dos nobres, bem como controlou
Falamos da políƟ ca de descen- com maior efi cácia os privilégios senhoriais do
tralização do poder e da polí- clero, aspecto que seria de relevante importân-
Ɵ ca de controlo régio do poder cia, como veremos, para o reinado dionisino.
senhorial, questão directamente Eduardo I, por muitos Ɵ do como o primeiro
agregada à insƟ tucionalização do grande monarca inglês (não obstante ser já o 9º
poder legislaƟ vo e judicial. desde William), defi niu os limites jurisdicionais
É nesta dimensão de análise de Inglaterra, tendo conquistado Gales (1282-
que é comeƟ da a D. Dinis, inú- 1284) , e manƟ do um longo período de con-
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meras vezes, por exemplo desde fl ito com os escoceses, cujo momento fulcral foi
o valiosíssimo contributo de Frei a revolta comandada por William Wallace em
Francisco Brandão, a refunda- 1297, num quadro de constante revolta o que,
ção da Nação Portuguesa, sendo durante séculos, nunca permiƟ u uma situação
considerado o início de um novo de subordinação da nação escocesa. Eduardo
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tempo, tendo o monarca sido pre- II, que lhe sucedeu em 1307, seria soberano
cursor em inúmeros pilares estru- num reinado fraco, inábil, instável, ditado por
turantes da edifi cação de Portu- inúmeros escândalos pessoais e de corrupção,
Foto SMOR L Almeida de Carvalho
18 FEVEREIRO 2020