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REVISTA DA ARMADA | 556

ESTÓRIAS 64

O CORREIO

mediatamente a seguir ao Juramento de Bandeira, fui convidado amigos ou da namorada eram um bálsamo que ajudava a miƟ gar
Ia integrar o Destacamento de Fuzileiros Especiais n.º 3 (DFE 3), as difi culdades.
que a seis de outubro de 69 embarcou no NRP Nuno Tristão com Pelo contrário, quando o correio não chegava, ou quando chegava
desƟ no à Guiné. Havia urgência em render o DFE 12, que Ɵ nha ter- e não havia cartas, era um momento pesado, diİ cil de gerir. Era um
minado a sua comissão. Esta seria a úlƟ ma missão da fragata que, aspeto da guerra que funcionava bem, com grande efi cácia. Todas as
dada a sua vetustez, ia encerrar o seu longo ciclo de vida. semanas havia correio e, não poucas vezes, duas vezes por semana.
Atracámos ao cais de Bissau na madrugada de 13 de outubro. Quer fosse da família, dos amigos ou da namorada, recebia sem-
EsƟ vemos cerca de um mês em Bissau à espera que chegasse o pre correio e até encomendas que os meus pais mandavam como
equipamento militar que o destacamento Ɵ nha que ter: as G-3, as presunto, chouriços, garrafas de vinho, jornais e revistas, que depois
MG-42, as bazukas, os rádios, as munições, os camufl ados, as meias, parƟ lhava com todos, o que permiƟ a que nos manƟ véssemos mais
as botas, tudo o que era necessário, pois parơ ramos de Lisboa praƟ - ou menos atualizados em relação às novidades da Metrópole.
camente sem nada, tal fora a pressa. Os tempos livres, de ócio, eram preenchidos a jogar futebol num
ParƟ mos na LDG Montante para Ganturé, a maior base fl uvial da espaço improvisado, ou a jogar Póquer de dados, popularizado entre
Marinha na margem norte do Rio Cacheu, a escassos dois a três qui- nós pelo “Pilas”, ou a escrever para a família, namorada e amigos.
lómetros de Bigene, uma vila estratégica que, por sua vez, estava Havia uma forma fácil e gratuita de comunicarmos, que era através
perto da fronteira com o Senegal. Chegámos a 15 de novembro a dos aerogramas. Eram folhas simples, de cor amarelada, que depois
Ganturé, um espaço amplo rodeado de arame farpado, com vários de escritas eram dobradas e fechadas, seguindo por correio aéreo.
postos de vigia, uma porta de armas e um cais onde atracavam as Foram escritos milhões de aerogramas durante a guerra.
lanchas. ExisƟ a, também, um enorme barracão que Ɵ nha pertencido A hora de receber o correio era sagrada. Uma alegria para os
ao grupo Gouveia para armazenar “mancarra” e que agora servia que recebiam cartas e encomendas e uma tristeza para os que
para guardar botes, motores, armas, munições e rações de combate. não recebiam nada. Refugiávamo-nos num canto a ler as noơ cias.
Chegados a Ganturé, fomos recebidos pelos camaradas dos outros Geralmente eram boas, animadoras, mas havia também as noơ cias
destacamentos que ali se encontravam, o DFE 13 e o DFE 8, e pelo desagradáveis: o familiar que Ɵ nha falecido ou a namorada que se
Comandante Alpoim Calvão, que Ɵ nha assumido recentemente as despedia, porque Ɵ nha ido com outro!
funções de Comandante do COP 3, uma extensa e sensível zona no As noơ cias piores, sobre as namoradas, Ɵ nham por vezes conse-
norte que tentava fazer tampão às infi ltrações dos guerrilheiros do quências desastrosas. A suspeita de ter sido enganado gerava deses-
PAIGC que provinham do Senegal. pero e mágoa pela impotência de não se poder fazer nada. O refú-
EsƟ vemos em Ganturé até vinte e oito de fevereiro de 70. Um gio era o álcool para tentar apagar o desgosto, as reações bruscas e
momento muito esperado, de grande emoção e intensidade, era a mesmo perigosas, do género de, embriagados, pegarem na G-3 e
chegada do Rallie, um pequeno avião pilotado pelo Pombo, piloto começarem aos Ɵ ros dentro do quartel …
ao serviço do Comando da Defesa MaríƟ ma da Guiné (CDMG), que
aterrava na pista de Bigene e descarregava os sacos com a corres- Miguel Carmo Soares, 14.º CFORN
pondência para o pessoal. As cartas ou aerogramas da família, dos In Crónicas Intemporais da Guerra e da Fraternidade, 2019

Autor: STEN TSN-ARQ Paulo Guedes

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