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REVISTA DA ARMADA | 556
VIGIA DA HISTÓRIA 121
UMA VIAGEM À ÍNDIA
omo já nesta rubrica, por vezes, se tem referido, o conhecimento da
Cvida a bordo na chamada Carreira da Índia, resulta na sua quase tota-
lidade dos elementos que se recolhem na diversa correspondência que
alguns dos passageiros enviavam, com especial relevo para a dos mem-
bros da Companhia de Jesus.
O que hoje aqui trago é o relato de uma viagem redonda à Índia, efectuada
em 1698 por um italiano, na circunstância Plácido Francesco Ramponi.
Este italiano havia sido enviado de Itália para acompanhar e proceder
à instalação do mausoléu de S. Francisco Xavier, em Goa, mausoléu esse
que havia sido ofertado, tendo, para o efeito, embarcado na nau S. Pedro
Gonçalves que largou de Lisboa em 25 de Março de 1698.
Tal como a quase totalidade dos estreantes nas viagens por mar, o
autor anotou todos os fenómenos que para ele consƟ tuíam novidade e
espanto, assim sucedeu com os peixes voadores “que voavam mais de
1000 braças”, os tubarões que acompanhavam a marcha do navio e que,
inclusivamente, devoraram um negro que havia caído ao mar.
Um dos aspectos que maior espanto lhe causou foi o aparecimento de
diversos Ɵ pos de aves, de alguns dos quais deixou o respecƟ vo desenho,
e que refere serem procurados pelos pilotos, por forma a conhecerem
a posição do navio; também manifesta espanto com o aparecimento de
baleias, referindo que uma delas chegou a abalroar a nau em que seguia.
Também os fenómenos climatéricos são objecto de nota, desde as brus-
cas variações, quer da direcção, quer de intensidade do vento, às grandes
variações da temperatura, desde o calor excessivo ao frio intenso, inclu-
sive com queda de neve a bordo.
Manifesta temor pelo estado do mar “com ondas maiores que monta-
nhas” cuja acalmia os marinheiros procuravam aƟ rando imagens de san-
tos e relíquias ao mar.
Da vida a bordo merece-lhe reparo a realização de frequentes novenas
e procissões com os mais variados propósitos, o elevado número de que-
das e fracturas em consequência dos grandes balanços, que num caso
chegaram a provocar a queda de um marinheiro de um mastro, e o cheiro
nauseabundo que se fazia senƟ r a bordo nas cobertas.
O elevado número de doentes e mortos, sobretudo devido a doen-
ças, tanto à ida como no regresso, também lhe mereceram a atenção, à
ida, dos 516 embarcados, à entrada de Moçambique já haviam morrido
43, enquanto no regresso, dos 208 embarcados em Goa à chegada à Baía
haviam morrido 102 e 30 Ɵ veram de ser hospitalizados.
No que concerne à alimentação os únicos reparos referem-se à água,
racionada e com cheiro féƟ do e, por vezes, com sedimentos e ao facto dos
marinheiros se dedicarem à pesca por forma a completarem a respecƟ va
dieta.
Para os padrões habituais a viagem terá corrido muito bem pois, tendo
largado em 25 de Março de 1698 de Lisboa, após ter escalado a Baía,
onde embarcaram 300 escravos, e Moçambique, entraram em Goa em 13
de Setembro. No regresso, tendo largado de Goa em 20 de Dezembro do
mesmo ano, após a conclusão da instalação do mausoléu, depois de esca-
larem a Baía e a ilha Terceira entraram o Tejo em 24 de Outubro de 1699.
Cmdt. E. Gomes
Fonte: um arƟ sta italiano em Goa por Carlos Azevedo.
30 NOVEMBRO 2020
DR