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REVISTA DA ARMADA | 556

               Contudo, a passagem entre o AtlânƟ co e o Pacífi co revelou-se
              tão diİ cil de praƟ car que os viajantes posteriores iriam preferir
              a travessia terrestre do istmo do Panamá, reembarcando, poste-
              riormente, do lado oposto. Foi esse moƟ vo, aliado à perspecƟ va
              de repeƟ r a longa e penosa travessia do Pacífi co, que levou os
              sobreviventes a escolher o regresso pela rota do Oriente, mesmo
              arriscando a captura pelos portugueses (o que acabou mesmo
              por acontecer a muitos deles), tornando Elcano o herói imprová-
              vel de um feito que não estava planeado.
               Por outro lado, embora se Ɵ vesse provado ser possível aƟ ngir
              as Molucas por Ocidente, chegou-se à conclusão de que estas
              se situavam na metade portuguesa do Mundo (apesar da argu-
              mentação em contrário posteriormente defendida pela parte
              espanhola), razão pela qual alguns historiadores sugerem a hipó-
              tese – que nos suscita grandes dúvidas – de Magalhães ter deli-
              beradamente procurado a morte no imprudente combate com
              os indígenas de Mactan.
               A missão só não foi um fi asco total graças à carga de especia-
              rias que chegou a Sevilha na nau “Victoria”, cujo produto cobriu,
              com margem de lucro, o invesƟ mento fi nanceiro e os prejuízos
              materiais da expedição – longe, porém, de compensar as perdas
              humanas, da ordem dos 87%.
               É verdade que a expedição provou cienƟ fi camente que a Terra
              é redonda, mas esse era já um dado Ɵ do como certo por grande   a águas por si navegadas em viagens anteriores. O que sabemos,
              parte das pessoas cultas da época, pois já no século II a.C. o mate-  ao certo, é que os sobreviventes da “Victoria” foram, efecƟ va-
              máƟ co e geógrafo grego Eratóstenes o demonstrara de forma   mente os primeiros a circum-navegar a Terra numa só viagem.
              brilhante e engenhosa, tendo, inclusive, calculado o perímetro   Desse ponto de vista, é inquesƟ onável que Elcano mereceu o
              terrestre com um erro inferior a 1%.                brasão que o já imperador Carlos V lhe atribuiu (depois de lhe
               Podemos dizer, isso sim, é que fi cava, para a posteridade, um   negar o ơ tulo de cavaleiro), no qual fi gurava um globo terrestre e
              feito inédito, embora sem grande apreciação pelos seus contem-  a legenda em LaƟ m “Primus circumdedisƟ  me” (“O primeiro que
              porâneos.                                           me circum-navegou”).

              QUEM FOI O PRIMEIRO A CIRCUMNAVEGAR                CONCLUSÃO
              O GLOBO?
                                                                    Em jeito de balanço de tudo o que atrás foi dito, podemos con-
               Quando se fala na primeira circum-navegação do Mundo,   cluir que a Primeira Viagem de Circum-navegação foi, em ter-
              surge, inevitavelmente, o nome de Magalhães. No entanto, como   mos colecƟ vos, uma realização espanhola. No entanto, ela só foi
              se sabe, o capitão-general não completou a viagem, fi cando os   possível graças aos conhecimentos náuƟ cos dos portugueses e,
              créditos da proeza entregues a Elcano e aos 17 sobreviventes que   sobretudo, à determinação e à fi rme liderança do seu coman-
              com ele aportaram a Sanlúcar de Barrameda no dia 8 de Setem-  dante português, Fernão de Magalhães.
              bro de 1522.                                          Vimos também que a circum-navegação, não fazendo parte dos
               Mais recentemente, uma teoria poliƟ camente correcta atribui   planos da viagem, acabou por ser um “subproduto” da expedi-
              a Henrique, o escravo malaio de Magalhães, a glória de ter sido o   ção, embora com considerável eco nos séculos vindouros. Nesse
              primeiro homem a dar a volta à Terra, pois, tendo desertado nas   desfecho, o homem que a levou a bom termo, Juan SebasƟ án de
              Filipinas após a morte do seu amo, teria regressado, em seguida,   Elcano, assumiu, acidentalmente, um papel histórico que não lhe
              à sua terra natal, fechando, assim, a circunferência. Este regresso   estava desƟ nado, embora esse facto não lhe reƟ re os méritos da
              não está, porém, comprovado, tal como não estão as teorias que   proeza. Até prova em contrário, cabe-lhe, tal como aos seus 17
              atribuem a Henrique uma origem fi lipina. Estas úlƟ mas, basea-  companheiros, o crédito de ter sido o primeiro homem a circum-
              das no facto de o intérprete malaio se ter entendido com os insu-  -navegar o Globo.
              lares – que, segundo PigafeƩ a, até falariam várias línguas –, pare-  Posto isto, juntemo-nos, com regozijo mas também com justo
              cem ignorar que os idiomas naƟ vos daquele arquipélago, como   orgulho, a Espanha na celebração do V Centenário deste grande
              o Tagalo, pertencem ao grupo de línguas austronésias, onde se   feito, que, mais do que aos países ibéricos, pertence a toda a
              inclui o Malaio, não sendo, portanto, de estranhar semelhanças   Humanidade.
              entres estes.
               Semelhante argumento poderia, de resto, ser uƟ lizado  para                           Jorge M. Moreira Silva
              atribuir o feito a Magalhães, pois este viajara, durante a sua                                      CFR
              juventude, pela Insulíndia, não faltando quem defenda a hipó-  N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co
              tese de ter ido às Molucas na viagem de António Abreu àquele
              arquipélago em 1512. A confi rmar-se essa possibilidade (para
              já, não), o grande navegador teria fechado o circuito ao cruzar o   Nota
              meridiano dos 125° E, embora ligeiramente mais a Norte.  1  O monarca reinante, Carlos I, possuía, entre outros, o ơ tulo de Rei de Castela, de
               Outros candidatos à glória pioneira poderão, eventualmente,   Aragão, das Duas Sicílias, de Navarra, de Granada, da Galiza, de Maiorca, das Caná-
              ser os portugueses que sobreviveram à travessia do Pacífi co, caso   rias e das Índias [ocidentais], ao qual viria, em 1520, a somar o de Sacro Imperador
                                                                    Romano-Germânico (Carlos V).
              se venha a demonstrar que algum(ns) deles tenha(m) regressado


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