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Contudo, a passagem entre o AtlânƟ co e o Pacífi co revelou-se
tão diİ cil de praƟ car que os viajantes posteriores iriam preferir
a travessia terrestre do istmo do Panamá, reembarcando, poste-
riormente, do lado oposto. Foi esse moƟ vo, aliado à perspecƟ va
de repeƟ r a longa e penosa travessia do Pacífi co, que levou os
sobreviventes a escolher o regresso pela rota do Oriente, mesmo
arriscando a captura pelos portugueses (o que acabou mesmo
por acontecer a muitos deles), tornando Elcano o herói imprová-
vel de um feito que não estava planeado.
Por outro lado, embora se Ɵ vesse provado ser possível aƟ ngir
as Molucas por Ocidente, chegou-se à conclusão de que estas
se situavam na metade portuguesa do Mundo (apesar da argu-
mentação em contrário posteriormente defendida pela parte
espanhola), razão pela qual alguns historiadores sugerem a hipó-
tese – que nos suscita grandes dúvidas – de Magalhães ter deli-
beradamente procurado a morte no imprudente combate com
os indígenas de Mactan.
A missão só não foi um fi asco total graças à carga de especia-
rias que chegou a Sevilha na nau “Victoria”, cujo produto cobriu,
com margem de lucro, o invesƟ mento fi nanceiro e os prejuízos
materiais da expedição – longe, porém, de compensar as perdas
humanas, da ordem dos 87%.
É verdade que a expedição provou cienƟ fi camente que a Terra
é redonda, mas esse era já um dado Ɵ do como certo por grande a águas por si navegadas em viagens anteriores. O que sabemos,
parte das pessoas cultas da época, pois já no século II a.C. o mate- ao certo, é que os sobreviventes da “Victoria” foram, efecƟ va-
máƟ co e geógrafo grego Eratóstenes o demonstrara de forma mente os primeiros a circum-navegar a Terra numa só viagem.
brilhante e engenhosa, tendo, inclusive, calculado o perímetro Desse ponto de vista, é inquesƟ onável que Elcano mereceu o
terrestre com um erro inferior a 1%. brasão que o já imperador Carlos V lhe atribuiu (depois de lhe
Podemos dizer, isso sim, é que fi cava, para a posteridade, um negar o ơ tulo de cavaleiro), no qual fi gurava um globo terrestre e
feito inédito, embora sem grande apreciação pelos seus contem- a legenda em LaƟ m “Primus circumdedisƟ me” (“O primeiro que
porâneos. me circum-navegou”).
QUEM FOI O PRIMEIRO A CIRCUMNAVEGAR CONCLUSÃO
O GLOBO?
Em jeito de balanço de tudo o que atrás foi dito, podemos con-
Quando se fala na primeira circum-navegação do Mundo, cluir que a Primeira Viagem de Circum-navegação foi, em ter-
surge, inevitavelmente, o nome de Magalhães. No entanto, como mos colecƟ vos, uma realização espanhola. No entanto, ela só foi
se sabe, o capitão-general não completou a viagem, fi cando os possível graças aos conhecimentos náuƟ cos dos portugueses e,
créditos da proeza entregues a Elcano e aos 17 sobreviventes que sobretudo, à determinação e à fi rme liderança do seu coman-
com ele aportaram a Sanlúcar de Barrameda no dia 8 de Setem- dante português, Fernão de Magalhães.
bro de 1522. Vimos também que a circum-navegação, não fazendo parte dos
Mais recentemente, uma teoria poliƟ camente correcta atribui planos da viagem, acabou por ser um “subproduto” da expedi-
a Henrique, o escravo malaio de Magalhães, a glória de ter sido o ção, embora com considerável eco nos séculos vindouros. Nesse
primeiro homem a dar a volta à Terra, pois, tendo desertado nas desfecho, o homem que a levou a bom termo, Juan SebasƟ án de
Filipinas após a morte do seu amo, teria regressado, em seguida, Elcano, assumiu, acidentalmente, um papel histórico que não lhe
à sua terra natal, fechando, assim, a circunferência. Este regresso estava desƟ nado, embora esse facto não lhe reƟ re os méritos da
não está, porém, comprovado, tal como não estão as teorias que proeza. Até prova em contrário, cabe-lhe, tal como aos seus 17
atribuem a Henrique uma origem fi lipina. Estas úlƟ mas, basea- companheiros, o crédito de ter sido o primeiro homem a circum-
das no facto de o intérprete malaio se ter entendido com os insu- -navegar o Globo.
lares – que, segundo PigafeƩ a, até falariam várias línguas –, pare- Posto isto, juntemo-nos, com regozijo mas também com justo
cem ignorar que os idiomas naƟ vos daquele arquipélago, como orgulho, a Espanha na celebração do V Centenário deste grande
o Tagalo, pertencem ao grupo de línguas austronésias, onde se feito, que, mais do que aos países ibéricos, pertence a toda a
inclui o Malaio, não sendo, portanto, de estranhar semelhanças Humanidade.
entres estes.
Semelhante argumento poderia, de resto, ser uƟ lizado para Jorge M. Moreira Silva
atribuir o feito a Magalhães, pois este viajara, durante a sua CFR
juventude, pela Insulíndia, não faltando quem defenda a hipó- N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co
tese de ter ido às Molucas na viagem de António Abreu àquele
arquipélago em 1512. A confi rmar-se essa possibilidade (para
já, não), o grande navegador teria fechado o circuito ao cruzar o Nota
meridiano dos 125° E, embora ligeiramente mais a Norte. 1 O monarca reinante, Carlos I, possuía, entre outros, o ơ tulo de Rei de Castela, de
Outros candidatos à glória pioneira poderão, eventualmente, Aragão, das Duas Sicílias, de Navarra, de Granada, da Galiza, de Maiorca, das Caná-
ser os portugueses que sobreviveram à travessia do Pacífi co, caso rias e das Índias [ocidentais], ao qual viria, em 1520, a somar o de Sacro Imperador
Romano-Germânico (Carlos V).
se venha a demonstrar que algum(ns) deles tenha(m) regressado
26 NOVEMBRO 2020