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REVISTA DA ARMADA | 563
QUATRO SÉCULOS, NO MAR E EM
TERRA, NA PAZ E NA GUERRA
400 ANOS SOBRE A CRIAÇÃO
DO TERÇO DA ARMADA DA COROA DE PORTUGAL
Colecção do Museu de Lisboa / Câmara Municipal de Lisboa - EGEAC
Óleo sobre tela representando o Terreiro do Paço no séc. XVII 1
Quatrocentos anos de serviço de um corpo militar de infantaria, criado para combater a bordo dos navios, ou para desembarcar onde for
necessário, projectando a qualidade do poder naval português.
ARMADA DE GUARDA-COSTA os navios estão parados, não sendo fácil voltar a encontrá-los
quando chegava a Primavera. Não tendo nenhum compromis-
ecuemos, pois, a esses tempos remotos, em que os navios se so com as Armadas e sendo pagos apenas durante a campanha,
Rmoviam apenas pela força do vento, protegendo o comércio tinham de procurar outras formas de vida e, frequentemente,
e as riquezas que Portugal ia buscar aos lugares mais distantes deixavam de estar disponíveis no ano seguinte. Mas levantava-
do planeta. Tempos em que o litoral do Brasil era assolado pelas -se ainda uma outra questão, de natureza social: sendo homens
esquadras holandesas, ou que os navios de corsários esperavam habituados a uma vida rude e perigosa, que faziam a bordo e na
vigilantes nos mares dos Açores, para apanharem uma qualquer guerra os seus amigos, era frequente que se juntassem durante
nau desprevenida que fazia o seu caminho para o porto de Lis- o inverno, entregando-se a distúrbios, roubos e outras formas
boa. Uma ameaça que tanto podia vir do Norte da Europa, en- de bandidagem. Noutras armadas, os infantes eram recrutados
tre holandeses e britânicos, como das potências muçulmanas e mantinham-se vinculados de verão e inverno, mas isso não su-
do Norte de África que, a partir do século XVII, se tornaram em cedia em Portugal, por resistências diversas que duraram até ao
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verdadeiros predadores do Atlântico. E remonta ao tempo de D. final do reinado de Filipe III (II de Portugal ).
D. António de Ataíde, na altura 5.º conde da Castanheira e ho-
Manuel I o hábito de organizar uma armada de guarda-costa, a mem com grande experiência de todos os assuntos referentes à
deslocar-se entre o continente e as ilhas, de forma a garantir a se- Marinha, foi nomeado, a 3 de Julho de 1618, Capitão Geral da
gurança da rota terminal das carreiras ultramarinas. Usava sem- Armada da Coroa de Portugal por um período de três anos. Na
pre navios com porte apreciável, dotados de artilharia e, desde prática isso incluiria as armadas a fazer nos anos de 1618, 1619
sempre, uma força de infantes que pudesse usar o armamento e 1620, requerendo-se nova nomeação para 1621. De imediato
ligeiro no combate próximo, levando-o até ao convés inimigo de- chamou a atenção do Conselho de Guerra para que o pessoal de
pois da abordagem. infantaria das esquadras portuguesas, que deveria ser organizado
Com o desenvolvimento do armamento ligeiro, a utilidade des- de forma a poder servir de verão e de inverno, permanecendo
sa força cresceu extraordinariamente, organizando-se em função aquartelado no período de não actividade. O pedido, no entan-
das capacidades das armas que utilizava: espingardas para fazer to, não mereceu a atenção régia, apesar de ter sido repetido em
fogo à distância, a partir dos castelos, das vergas e dos cestos dos 1619, quando o soberano visitou Portugal.
papafigos; pistolas, espadas e piques para depois da abordagem.
NASCIMENTO DO TERÇO
RECRUTAMENTO SAZONAL
Filipe III, porém, morreu a 31 de Março de 1621, a poucos dias
Levantavam-se, contudo, alguns problemas na forma de recru- do final da trégua que assinara com a Holanda em 1609. Na cor-
tamento deste pessoal. O mais importante deles decorre do facto te corria unânime a opinião que essa trégua não devia ser re-
de não permanecerem disponíveis durante a invernada, quando novada, sendo urgente tomar medidas de reforço das armadas.
JUNHO 2021 15