Page 14 - Revista da Armada
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32      O DIREITO DE VISITA



                   ENQUADRAMENTO E REGIME                         é suposto a intervenção do meio naval assumir , existindo
                                                                                                       7
                                                                  a premissa legal – definida no nº3, do próprio artigo 110º
                      artigo 22º da Convenção de Genebra sobre o Alto Mar,   – de que, caso a suspeita se relevar infundada, há lugar a
                   O  que é o preceito que se pode ter como o antecedente   indemnização ao navio examinado por “qualquer perda ou
                   normativo directo do artigo 110º da Convenção das Nações   dano que possa ter sofrido”, como é, obviamente, o caso de
                   Unidas  sobre  o Direito do Mar  (CNUDM),  assumia  uma   um navio mercante ao qual é imposto um atraso de várias
                   abordagem diversa da  actualmente vigente,  também no   horas em relação ao tempo estimado de chegada ao porto
                   léxico usado, e apenas previa três situações de ilícito prati-  de destino e à necessidade de cumprir prazos de entrega
                   cado pelo navio suspeito. Assim, não se definia um direito   quanto à carga que transporta.
                   de visita mas, outrossim, era referenciada a competência   Em  termos  da  sua  tipicidade,  as  medidas  podem  ser
                   de um navio de guerra para passar busca ao navio sobre   tomadas  pelo  navio  de guerra perante os  tripulantes –
                   o qual recaíssem suspeitas . Contudo, a base material da   detenção – perante  a carga transportada –  apreensão
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                   competência de um meio naval poder intervir a bordo de   –,  e  perante  o  próprio  navio,  caso  em  que  ocorrerá  um
                   navio suspeito em Alto Mar (AM) já era, estruturalmente,   apresamento. Isso mesmo se retira, igualmente, no nosso
                   a mesma.                                       ordenamento  interno,  do  estipulado  no  nº1,  do  artigo
                    Com efeito, quer no preceito do convénio de 1958, quer   19º,  da  Lei  nº  34/2006,  de  28  de  Julho,  o  qual  define,
                   posteriormente na CNUDM, a abordagem é feita pela   em  sede de  procedimento  da  visita  a  bordo,  que “Caso
                   exclusão de acção, ou seja, pressupondo-se que o navio   se constate a prática de ilícito durante a visita a bordo, é
                   de  guerra não pode intervir perante navios  mercantes   levantado auto de notícia relativo às infracções verificadas,
           DIREITO DO MAR E DIREITO MARÍTIMO
                   de outra bandeira,  a  menos  que exista suspeita séria   sendo  aplicadas  as  medidas  cautelares  adequadas,
                   que este está envolvido num dos ilícitos internacionais   designadamente a apreensão dos bens e documentos que
                   tipificados. Pode criticar-se a tipicidade desta abordagem,   constituem os meios de prova, a detenção dos tripulantes
                   mas a mesma é compreensível pelo facto de, no AM, se   infractores e o apresamento do navio”, conjugando-se este
                   impor, sempre, o princípio do Estado de bandeira, ou seja,   último procedimento com o estabelecido no artigo 20º do
                   o exercício da liberdade de navegação (artigo 87º) como   diploma, de sua epígrafe, apresamento do navio.
                   sucedâneo do direito de navegação dos Estados definido   Ainda uma apreciação complementar se impõe sobre a
                   no  artigo  90º,  bem  como  o  facto  do  navio  ser  uma   natureza da competência corporizada no direito de visita,
                   extensão territorial do respectivo Estado que lhe concede   ou seja, a questão se estamos perante uma jurisdição plena
                   pavilhão.  Só  uma  suspeita  razoável   pode  permitir  uma   quanto ao decurso processual que resulte da intervenção
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                   acção do navio de guerra.                      do navio de guerra . No caso da pirataria, a Convenção é,
                    A Convenção de Genebra dedicava à matéria da pirataria   no  seu  artigo  105º,  muito  clara  no  sentido  de  definir  a
                   nove  artigos  do  seu  articulado  (artigos  14º  a  22º),   plena jurisdição do Estado de bandeira do meio naval que
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                   exactamente os mesmos que a CNUDM lhe concede, ou   actuou a bordo do navio infractor, nele se estatuindo  que
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                    Em termos de regime, estipula o nº 1, do artigo 110º, da
                   CNUDM, que “Salvo nos casos em que os actos de ingerência
                   são baseados em poderes conferidos por tratados, um navio
                   de guerra que encontre no alto mar um navio estrangeiro
                   que não goze de completa imunidade de conformidade com
                   os artigos 95º e 96º , não terá o direito de visita, a menos que
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                   exista motivo razoável para suspeitar que (…)”, definindo
                   a Convenção, nas cinco  alíneas seguintes,  as situações
                   em  que,  constituindo  estas  ilícito  ou  desconformidade
                   internacional, pode haver intervenção a bordo pelo meio
                   naval, bem como serem adoptadas medidas de confirmação
                   das suspeitas, definindo o preceito que pode ser realizado
                   um “exame ulterior” . São elas a a) pirataria, b) o tráfico de
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                   escravos, c) a realização de transmissões não autorizadas e
                   o Estado da bandeira do navio de guerra poder intervir nos
                   termos do artigo 109º, b) estar-se perante um navio pária,
                   sem bandeira e nacionalidade, e d) o navio suspeito ter a
                   mesma bandeira do navio de guerra, embora o dissimule 6
                   ou se recuse a içá-la. Portanto, a CNUDM acresceu duas
                   situações  às  estabelecidas  no  artigo  22º  do  convénio  de
                   Genebra, nomeadamente as previstas nas alíneas c) e d).
                    O exame que o preceito referencia, a ser promovido pelo
                   oficial do navio de guerra que tem o mandato de ir a bordo
                   realizar  a  verificação,  depende,  obviamente,  de  se  estar
                   perante um porta-contentores ou um navio graneleiro que,
                   por  exemplo,  transporta  um  único  tipo  de  carga.  E  este
                   aspecto tem relevância, porque o controlo a efectuar pode
                   variar com o grau de suspeita existente e com a demora que
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