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REVISTA DA ARMADA | 577
contingente que lhe está subjacente, permitindo alicerçar-se no debet ne characterum contemplatio nos rebus abducat, imo contra
que lhe confere durabilidade e sustenta o que em cada momento ad intima rerum ducet», forma erudita coeva de dizer que ninguém
perceciona como progresso ou devir. Desta forma, tende a deve recear que a contemplação de símbolos abstratos, de signos e
descartar inquietações mais remotas e a focar-se em questões das suas estruturas formais nos afastem das coisas. Pelo contrário,
mais imediatistas e proveitosas, mesmo sabendo, muitas vezes, é a sua contemplação que nos permite acercar do âmago das
que as soluções de hoje serão os problemas de amanhã. coisas, norteando, dessa forma, o propósito da atuação humana.
O símbolo remete, também, na maior parte das situações, para Na opinião do filósofo e semiólogo norte-americano Charles
algo que está muito para além do que à primeira vista patenteia, W. Morris (1901-1979) o símbolo pode ser sempre observado
sugerindo ou implicando interpretações de índole mais implícita, sob três dimensões. Na semântica, é considerado tão-somente
subliminar ou até mesmo sub-reptícia. Atualmente, o simbólico em relação àquilo que significa. Por outro lado, na sintática
como elo de ligação nas sociedades encontra-se claramente em é ponderado enquanto inserível em sequências de outros
desagregação. Constata-se, inclusivamente, que a des-simbolização símbolos, com base em regras de combinação. E, por fim, na
e a des-ritualização se fomentam mutuamente, num crescendo. E pragmática, é considerado quanto à própria origem, ao seu efeito
com o desaparecimento dos símbolos e dos rituais mais perenes as sobre os destinatários e uso que dele fazem. Por definição, só se
sociedades, as instituições e as organizações fragmentam-se a um entende como símbolo um fenómeno através do qual se infere
ritmo igualmente crescente e, ao mesmo tempo, irreversível. Para a existência de outro fenómeno, como se fora um reflexo ou
muitas pessoas, tornam-se vácuas e aparentemente desprovidas existisse um nexo. Em boa medida é este aspeto que releva no
de propósito. Como alienígenas de outra galáxia, muitas deixam de âmbito da heráldica, onde as elementares regras conferem plena
reconhecer e de se reconhecer no que as rodeia. liberdade na ordenação dos respetivos símbolos.
De acordo com o filósofo e pensador francês Paul Ricoeur Quanto ao mais, trata-se de mera subjetividade e criatividade
(1913-2005) são os símbolos que, simultaneamente, exprimem e decorrentes da inspiração suscitada pela própria simbologia e
libertam a força produtiva e o poder da imaginação que sustentam pelas referências culturais que lhe estão subjacentes, processo
a criatividade humana. Conferem capacidade prospetiva ao que assaz complexo onde as imagens estão sempre na origem de
designamos de livre-arbítrio, ao mesmo tempo que iluminam o novas imagens. Fiat lux!
caminho da humanidade rumo ao horizonte daquilo que em cada
época é concretizável.
Na sua profunda sabedoria, o filósofo e matemático alemão António Gonçalves
Wilhelm Leibniz (1645-1716) havia afirmado «nemo autem vereri CFR
28 SETEMBRO / OUTUBRO 2022