Page 28 - Revista da Armada
P. 28

REVISTA DA ARMADA | 577

         contingente que lhe está subjacente, permitindo alicerçar-se no   debet ne characterum contemplatio nos rebus abducat, imo contra
         que lhe confere durabilidade e sustenta o que em cada momento   ad intima rerum ducet», forma erudita coeva de dizer que ninguém
         perceciona  como  progresso  ou  devir.  Desta  forma,  tende  a   deve recear que a contemplação de símbolos abstratos, de signos e
         descartar inquietações mais remotas e a focar-se em questões   das suas estruturas formais nos afastem das coisas. Pelo contrário,
         mais imediatistas e proveitosas, mesmo sabendo, muitas vezes,   é  a  sua  contemplação  que  nos  permite  acercar  do  âmago  das
         que as soluções de hoje serão os problemas de amanhã.  coisas, norteando, dessa forma, o propósito da atuação humana.
           O símbolo remete, também, na maior parte das situações, para   Na  opinião  do  filósofo  e  semiólogo  norte-americano  Charles
         algo que está muito para além do que à primeira vista patenteia,   W.  Morris  (1901-1979)  o  símbolo  pode  ser  sempre  observado
         sugerindo ou implicando interpretações de índole mais implícita,   sob três dimensões. Na semântica, é considerado tão-somente
         subliminar  ou  até  mesmo  sub-reptícia.  Atualmente,  o  simbólico   em  relação  àquilo  que  significa.  Por  outro  lado,  na  sintática
         como elo de ligação nas sociedades encontra-se claramente em   é  ponderado  enquanto  inserível  em  sequências  de  outros
         desagregação. Constata-se, inclusivamente, que a des-simbolização   símbolos,  com  base  em  regras  de  combinação.  E,  por  fim,  na
         e a des-ritualização se fomentam mutuamente, num crescendo. E   pragmática, é considerado quanto à própria origem, ao seu efeito
         com o desaparecimento dos símbolos e dos rituais mais perenes as   sobre os destinatários e uso que dele fazem. Por definição, só se
         sociedades, as instituições e as organizações fragmentam-se a um   entende como símbolo um fenómeno através do qual se infere
         ritmo igualmente crescente e, ao mesmo tempo, irreversível. Para   a  existência  de  outro  fenómeno,  como  se  fora  um  reflexo  ou
         muitas pessoas, tornam-se vácuas e aparentemente desprovidas   existisse um nexo. Em boa medida é este aspeto que releva no
         de propósito. Como alienígenas de outra galáxia, muitas deixam de   âmbito da heráldica, onde as elementares regras conferem plena
         reconhecer e de se reconhecer no que as rodeia.      liberdade na ordenação dos respetivos símbolos.
           De  acordo  com  o  filósofo  e  pensador  francês  Paul  Ricoeur   Quanto ao mais, trata-se de mera subjetividade e criatividade
         (1913-2005) são os símbolos que, simultaneamente, exprimem e   decorrentes  da  inspiração  suscitada  pela  própria  simbologia  e
         libertam a força produtiva e o poder da imaginação que sustentam   pelas referências culturais que lhe estão subjacentes, processo
         a criatividade humana. Conferem capacidade prospetiva ao que   assaz  complexo  onde  as  imagens  estão  sempre  na  origem  de
         designamos de livre-arbítrio, ao mesmo tempo que iluminam o   novas imagens. Fiat lux!
         caminho da humanidade rumo ao horizonte daquilo que em cada
         época é concretizável.
           Na  sua  profunda  sabedoria,  o  filósofo  e  matemático  alemão                       António Gonçalves
         Wilhelm Leibniz (1645-1716) havia afirmado «nemo autem vereri                                       CFR






















































          28  SETEMBRO / OUTUBRO 2022
   23   24   25   26   27   28   29   30   31   32   33