Page 368 - Revista da Armada
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Antologia do Mar
e dos Marinheiros
Fernão Lopes Pelo cllp.-frsg. Crist6viio Monírs
O s três mil anos que nos separam de Homero, o pai da
Poesia. ,reduzem-se aos poucos mais de quinhentos que nos dis-
tanciam de Fernão Lopes. o primeiro dos nossos cronistas. Mas
também a vida deste. embora mais referenciada, pelo rigor de
diversos documentos. nos chega envolta pela névoa do tempo,
que nãoconscntc a determinação dos seus limites: onde, como,
quando nasceu c morreu. Sabe-se. por uma certidão assinada
JX>r ele. com data de 29 de Novembro de 1418. que era então
o guarda das escrituras da Torre do Tombo; antes disso, nada
consta. E 11 última referência que de Fernão Lopes se encontra
é uma carta régia, de 4 de Julho de 1459, cm que o rei o autoriza
li dispor livremente dos seus bens-talvez sinal de que a morte
vem próxima. Cinco anos antes já estava tão velho e fraco que
fora aposentado. e tomara Gomes Eanes de Zurara o seu lugar
de cronista do reino. para que o rei D. Duarte o nomeara em
19 de Março de 1434. Conservador e tabelião geral foi também
Fernão Lopes: mascomocronista passará à história.
A sua obra. na parte que chegou aos nossos dias. compreen-
de quatro «crónicas .. : a de D. Pedro 1. a de D. Fernando, e a
1." e 2." partes (1383-1385 e 1385-1411) da crónica de D. João J.
Os especialistas ainda não concluíram se lhe pertence a autoria
de outras crónicas posteriormente deseobertas: mas as quatro
acima citadas bastam e sobejam para situar Fernão Lopes como
uma grandiosa figura das letras portuguesas; e sem dúvida a
maior da época medieval. que ultrapassou os limites do seu tem-
po. através de uma obra cujo rigor e solidez assentam na forma
objectiva de fazer a história, com a força anónima do povo que
afinal a constrói. e de desmasearar as vulgaridades e torpezas de
figuras que o mesmo povo aclama: como é o caso do Mestre de
Aviz. que Fernão Lopes retrata sem a cerimónia de um cronista
palaciano. com o mesmo sentido da verdade que o faz rejeitar
as .. fábulas patran hosaslO com que se exageram as proezas dos
cavaleiros de Aljubarrota. sem desfazer em Nuno Álvares Pe-
reira. a figu ra isolada que mais engrandecida sai da pena do cro- IGrm-,,'" ,I" .\I'n·iço III' OOC/lnlf'I1/11çllo 110 • Diário dt No/(ôlls. }
nista.
E hã ainda. apesar das dificuldades de leitura do português num morro sobranceiro ao Leça, Impedindo os portugueses de
de então. que as actualizações nem sempre ultrapassam. o poder atravessarem o rio; o segundo capítulo descreve o combate no
de contar os factos. de descrever os tipos. com uma elegância Tejo entre as naus poTluguesas e castelhanas, a que o povo de
simplese directa. e um ardor que não quebra a solenidade dessas Lisboa assiste dos pontos altos da cidade, e em que o Mestre de
verdadeiras epopeias da lusitanidade que são as crónicas de Aviz reforça a sua frota com tanta gente que por pouco não faz
Fernão Lopes. sossobrar os navios. onde Rui Pereira morre em combate para
Escolhemos. da p'rincipal dessas obras-primas. a .. Crónica que 05 outros nossos possam retirar; por,fim, transcrevemos a
de EI-Rei D. João I de Boa MemÓri3>o. três pequenos capitulos. curiosa passOlgem que conta como Nuno Alvares vem de Palme-
niio dos mais significativos ou dramáticos: mas neles se aborda Ia a Lisboa. atravessando o rio entre a frola castelhana. e num
a componente «naval» da revolução que levou ao peXlero Mes- desafio fazendo soar as trombetas do seu batel. São três peque-
tre de Aviz. O primeiro éo relato da chegada ao Porto das galés nas amost ras do estilo ímpar desse cronista que, nascido do
idas de Lisboa. cujas tripulações se juntam aos moradores para povo. t:io bem o soube retratar. e fazer dele o verdadeiro prota-
marcharem ao encontro dos galegos invasores. que se fortificam gonista da História.
Da «CRÓNICA DE EL-REI D. JOÃO I
DE BOA MEMÓRIA»
(Primeira Parte) (1443)
COMO AS GAI_ts DE LlSlJOA CHE-
GARAM AO PORTO E SE AJUNTA-
RAM AS GENTES DELAS CO/ll AS DA Em OUlrO dia de madrugada armaram·
VILA PERA PELEJAREM COM OS -se todos e salram pela poria do Olil/a/,
GALEGOS porque ol/viram dizer que daquela parte
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