Page 369 - Revista da Armada
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queriam  vir  aquelas gentes,  e foram-nos   - Senhor: aqueles capitães que ali es-  em acudir àquela parte e lião a;udarem os
        aguardar per grande espaço longe da cida-  Ião com aquelas gellles vos enviam dizer e  da frota desembargadamente.
        de.  E eles estando ali,  chegaram as galés   rogar que vos praza de vos arredardes da-  Ora assim foi que, sendo pouco mais
        que  dissemos  que  partiram  de  Lisboa,   qui, para que eles possam passar pela POli-  de IIora de terça e enchendo já a maré, apa-
        todas pavesadas e bem corrigidas; e com  te desembargadameme,  e vos ponhais em   receu  a frota  de  Portugal  pela  ponra  de
        grande alegria dando às trombetas, dizen-  lugar ollde eles possam pôr a batalha e pe-  S.  Gião,  que são três léguas da  cidade,  e
        do  suas  saudações  como  é  costume  de  lejarcollvosco.          vinlla ordenada desta guisa:
        mareames, pousaram anle a cidade.    - Amigo, disse ° arcebispo, estas gen-  Vinham cinco naus diame,  e na maior
          Os  que Jicaram  em  ela  e  não saíram   tes  estão  aqui jumas como  v6s  vedes; se   delas,  que  chamavam  a  Milheira; vinha
        fora,  quando viram as galés foram mui le-  eles a nQs quiserem vir,  aqui nos acharão   R/Ii Pereira com sessenta homens d'armas
        dos com elas  e mandaram-no logo  dizer  prestes pera pelejar,- mas doutra guisa, n6s   e quarema  besteiros consigo,- e em  outra
        aos outros.  Do mesmo modo os das galés  não nos mudaremos de como estamos se-  que chamavam a Estrela, Alvaro Peres de
        quando chegaram e lhe disseram como os  lião  quando  virmos  que  nos  cumpre.  E   Castro;  e na Farinheira, Jotio  Gomes da
        da cidade sofram para pelejar com aquelas  esta resposla lhe levai.   Silva; e na Sangrenta, Aires Gonçalves de
        gentes, sem OUlra tard01lça nem mais tres-  Tornou-se  o  frade  com  este  recado.   Figueiredo; e em outra,  Pêro  Lourenço e
        passo,  puseram  logo  as  pranchas fora  e  Depois cerrou-se a noite e puseram  .~uas  Rui Lourellço de Távora; e assim.nas ou-
        saltaram todos em terra com a bandeira do  escutas pelos caminhos,  para não recebe-  tras seus capilães, assim como Gil Vasques
        Mestre tendida ante eles, convém a saber:   rem dallo de alguma parte,· e fizeram mui-  e Lopo Vasques da  Cunha, e lodo Rodri-
        Gonçalo  Rodrigues de  SOllsa,  R/Ii Perei-  tas fogueiras no arraial e os demais vigia-  gues  Pereira,  e  Lopo  Dias  de  Castro,  e
        ra,  e Afonso Furtado, e Estevam Vasques  ram toda a noite, pois lião eram mais longe   Nuno Viegas, e Gonçalves Eanes do Vale,
        Filipe, e Gonçalo Vasques, filho de Vasco   deles que a tiro de  viro/ão.  E os castelões  e  oulros;  mas  estas  quatro  1I0meamos,
        Martins  de  Melo,  e seu  irmão,  e  Anião  não quedaram de espalhar o arraial e man-  porque estas s6s aferraram.  Depois destas
        Vasques,  e Aires Vasques  de Alvalade,  e  dar suas azêmolas na direcção de  Braga.   cinco naus,  vinllam as galés todas juntas,
        OUlros fidalgos e patrões  de galtfs,  e com                        pavesadas  e apendoadas;  e trás as  galés,
        eles Olé trezemas lanças e quinhentos bes-                          vinham  doze  naus.  E  a  viração  ventava
        teiros e três mil e quinhentos galeotes; as·    *                   tendente ao longo do rio, muito de viagens
        sim que eram todos, com os da cidade que                            parapoderentrar.
        já ditos são,  mil homens d'armas,  e oito-  COMO ALGUMAS NAUS DE PORTU-  Rui  Pereira,  varão  bem  notável,  em
        centos besteiros, e cinco mil homens de pé,   GAL PELEJARAM COM AS DE CAS-  que avondava maravilhoso e ardido cora-
        todos com grande vontade de pelejar.   TELA E FORAM TOMADAS TRÊS DOS  ção,  quando viu as naus de Castela estar
          Quando os galegos ouviram dizer q/le   PORTUGUESES E MORTO O BOM DE  cercadas em terra como dissemos, que ain-
        as galés de  Portugal chegaram e como as   RUIPEREIRA               da não tinham largado, não sabendo a len-
        gentes delas eram jumas com as da cidade,   Mui  pouco  dormiu  o  Meslre  aquela  ção porqui,  veio-as desafiar muito perto,
        muito lhes pesou tais novas, de modo que   1I0ite,  lIem as gentes tia cidade, como dis-  as outras quatro naus com ele; e quando
        de todo perderam a esperança em que an-  semos.  Mas  como  foi  alta  manhã,  bem  viu que os castelãos não davam mostras de
        tes  confiavam;  mas,  porque eram  certos   cedo ouviu sua missa, e veio à rjbeira com  querer combater, fez outro bordo contra
        que os do  lugar não eram  encavalgados,   muitos que o aguardavam, para armar os  Almada.
        deixaram-se estar de assossego. Os portu-  navios e barcas com que havia de acorrer   Ora assim foi que ainda a manhã com
        gueses  quando isto  souberam  houveram   àfrota.                   sua claridade não alumiava bem a terra e
        acordoentresi, dizendo:              E em se metendo as  gentes nelas,  e °  já os muros e lugares altos eram cheios de
          - Pois que assim é, que eles não que-  Mestre querelldo entrar em uma nau, nas-  homells e mulheres pera ver.  Neste espaço
        rem  vir  a  n6s,  vamos  n6s  buscá-los  ali  ceu entre eles uma doce contenda: os da ci-  do dia que otéaqui passou, não [aziam ho-
        onde estão, e nenhum se enfade enquanto   dade diziam ao Mestre que se não metesse  mellS  e  mulheres  desde  que amanheceu,
        pudermos andar, pois doutra guisa fariam   em nenhum na.vio, pois não era cousa para  senão correr para os muros e lugares altos
        de 116s escárnio.                 consentir dele se aventurar a tal perigo, e  para  terem  lugar  donde  vissem  a peleja.
          Então moveram todos caminho de Pa-  pôr sua salvação em dúvida; mas que eles  Vinham-lhe à memória seus pais e irmãos
        ramos com suas bandeiras diante: uma, do   iriam pelejar com os inimi~os e que ele fi-  que ali traziam e batendo nos peitos, fica-
        Mestre,  que todos haviam de  aguardar,  e   casse na cidade e não os desemparasse.   dos os joelhos em terra,  rogavam a Deus
        a olllra dos sinais da cidade.  E muitos dos   O Mestre disse que lhe tinha muito em  chorando  que os  ajudasse,- enduliam  as
        que os assim viam ir choravam com prazer  serviço seu bom desejo e fiel bem queren-  madres as  inocentes crianças  que tinham
        dizendo:                          ça,  mas que de n~lIhuma formO.  do mun·-  no colo que alçassem as mãos ao céu, ellSi-
          -Senhor Deus, rei piedoso, sê do nos-  do ele não ficaria  na cidade,  mas por sua  nando-Ihe como dissessem que prouvesse
        so balido e ajuda-os contra seus inimigos!   pessoa seria na peleja, e que fiava em Deus  a  Deus de  ajudar os portugueses; outros
          Eles  indo  assim  regidos  em  batalha  que sairia dela com muila sua honra e de  faziam seus votos por desvairadas manei-
        com  grande  vontade  de  pelejar,  vieram   toda a cidade e do reino de Portugal. Eles,   ras,  chamando a preciosa  Mãe de  Deus e
        quatro ginetes da parte dos galegos a des-  quando viram que mais não podiam fazer,   o  mártir S.  Vicente,  que fossem  em sua
        cobrir terra,  e como os  viram  ir daquela   disseram  que  fizesse  como  sua  mercê  ajuda.
       forma,  deram logo volta e disseram ao ar-  fosse.     .                Doutra parte o Mestre e toda a gente da
       cebispo e os OUlros que já pareciam no alto   E emfaundo-se esta assim, afrota del-  cidade estava ocupada em se fazer prestes
       de Paranhos. Então cavalgaram todos agi-  -rei de Castela,  que eram quarentà naus e  pera entrar nos navios e barcas,  que ha-
       nha e passaram água de Leça e puseram-se   treze galés, como foi manhã, as naus todas  viam de armar para acorrer à sua frolO,  de
       acima da ponte do rio em um alto lugar e  meteram as vergas altas e forneceram-se de  forma que não sOnJ.ente os homens mallce-
       forte,  de jeito q/le nenhum lhes podia fazer   muitas e boas gentes; e porque a maré va-  bos mas as  velhas cabeças cobertas de cds
        nojo  lIem  passar  per  aquela  pome  sem   zava e o venlO era calmo, levavam as galés  se guarneceram de armas pera pelejar. En-
       muito grande seu dano.             as  naus  grandes  a  reboque;  e as  outras  tão entrou o Mestre em uma grande e for-
          Os portugueses quando os viram  da-  mais pequenas os batéis por davante; e fo-  mosa nau, que fora das que tomaram com
       quela  malleira  acendeu-se  neles  mais  a  ram-se  todas  a Restelo o  Velho,  que era   os panos dos genoveses  que  dissemos,  e
        vontade de pelejar; e buscando l/lgaraza-  dali  uma  pequeno  légua,  contra  onde  a   entraram  com  ele  bem  quatrocentos  ho-
       do per onde passassem a seu salvo pera os  frota  havia de  vir,  e puseram-se todas em   mens de armas; e porque a nau não era las-
       fazerem  descer  daquele  monte,  nunca  o  ordem, com as proiu para a terra de Alma-  trada e a gente entrou mais do que devera,
       puderam achar; e porque se chegava a noi-  da, e cada uma seu proiz em terra, por não  não podia manobrar  como cumpria.
       te,  aposentaram-se  aos  mormoirais  de  gurrarem com a maré; e assim estava orde-  Nos ou/ros navios se  meteram  tantas
        Leça; e dali mandaram seu recado ao arce-  nada sua batalha.  E  mais mandou el-rei  gentes, e isso mesmo nas barcas bandadas,
       bispo por um frade da Ordem de S.  Fran-  gentes d'armas a cavalo acerca dos muros  que se queriam  entornar com  elas.  Uma
       cisco, que chamavam Frei Vasco Patinho,   de  Santo  Agostinho e de  São  Vicente de  barca em que ia Gonçalo Gonçalves Bor-
       o qual chegou a ele e disse:      Fora,  por estarem as da cidade ocupados  jas, deferiu por fazer viagem para o Reste-

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