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de outras, com o mesmo senti- para ocidente (“deixando a estrela polar à
do, que se diz terem sido efectua- sua direita”), procurando alcançar “as
das nos anos oitenta e noventa partes de leste”, ou seja, as partes da Ásia.
do mesmo século. É claro que O último documento diz ainda que “se
essas não podem ser conside- apanhou tanto peixe que este reino
radas, mas vale a pena falar nas (Inglaterra) nunca mais vai precisar da
de Cabotto. Trata-se de um co- Islândia, onde se faz um comércio de
merciante nascido em Génova que peixe a que chamam stoc-fish (bacalhau)”
adquiriu cidadania de Veneza e – e mais à frente – “Mas Messer Zoane
que pediu ao rei Henrique VII de (Giovanni Cabotto) tem em mente algo
Inglaterra para ir à procura de mais importante, porque pretende ir ao
uma passagem a ocidente, que o longo da costa, a partir do lugar em que
levasse até à Ásia das especiarias chegou, cada vez mais para leste (partes
e do comércio rico das sedas, de leste ou Ásia), até alcançar uma ilha a
porcelanas e jóias, produtos que, que chama Cipango, situada na região
nessa altura, chegavam à Europa equinocial, de onde ele acredita que
pelo Médio Oriente e Medi- provêm todas as especiarias do mundo,
terrâneo. E é importante que se tal como as jóias (...)”. E é aqui que bate o
observe esta situação, para que ponto: Cabotto andava à procura de uma
se entenda o que ele pretendia e passagem para o “Oriente” e não a
o que aliciou os mercadores de encontrou, portanto a sua expedição de
Bristol (porto donde partiu) ou o 1497 apenas foi uma esperança do que
rei de Inglaterra. Os ingleses, poderia vir a ser feito no futuro, na busca
naquela altura faziam viagens do comércio rico. Quando chegou a
anuais para a Islândia, onde se Inglaterra, o seu objectivo foi encorajar o
dedicavam à pesca do bacalhau, rei a continuar a apoiá-lo, deixando-o
que secavam a bordo, por isso residir em Bristol, dando-lhe uma pensão
tinham um conhecimento para a família viver e financiando o arma-
razoável daqueles mares gela- mento de navios. No final deste ano de
A Terra Nova no planisfério de Pedro Reinel - 1504. dos. Saberiam como ir e como 1497 ou princípios de 1498, um tal John
voltar, tinham a noção dos prin- Day escreve a um “Grande Almirante” de
Mas é nesta amálgama de imagens fantás- cipais perigos, da época das tormentas e Castela (será Colombo?) relatando-lhe
ticas que nasce o sonho de alcançar dos abrigos possíveis. Só não
“algo” para além do Atlântico e que se sabiam nada de mercadorias
forja a ideia de poder chegar às partes da orientais, mas isso era o conhe-
Ásia, navegando para ocidente. Era esse o cimento dos venezianos que as
projecto de Colombo, como sabemos, compravam em Alexandria e as
apesar de que cedo se teve a noção de distribuíam pela Europa. Jun-
que as ilhas descobertas não eram taram-se, pois, dois saberes
Cipango (Japão) ou o Cataio (China). Os complementares que tornaram
portugueses não se mostraram muito possíveis as viagens de Cabotto.
atraídos por esta solução de busca do Deve ter apresentado o seu
“Oriente” e D. João II jogou definitiva- projecto em Inglaterra em finais
mente os seus trunfos na rota do Cabo de 1495 ou princípios de 96,
Bojador que viria a permitir chegar à porque em Janeiro deste último
Índia. Mas não quer dizer que não tenha ano, o embaixador espanhol em
havido navegadores nacionais a explorar Londres escrevia aos Reis
o Atlântico, para lá dos Açores. Acontece, Católicos, dando-lhes conta de
no entanto, que não ficaram registos con- que havia um italiano que pre-
cretos de por onde andaram exactamente. tendia convencer o rei Henrique
João Vogado requereu a D. Afonso V, em VII a apoiar uma viagem com o
1462, os direitos sobre umas ilhas que mesmo objectivo das que ti-
tinha avistado numa viagem anterior (a nham sido efectuadas por
que chamou Lobo e Caprária) e que pre- Colombo às “Índias”. Em Março
tendia procurar de novo e povoar. Mas é concedido alvará pelo sobera-
essas ilhas nunca apareceram. E muitos no inglês e, datados do ano
mais casos há como este, em que o Rei seguinte, surgem três documen-
concedeu direitos de ilhas ou terra firme, tos que falam da expedição de
sobre a qual ninguém tomou posse Cabotto. São elas a carta de
porque não estavam “descobertas”. Lorenzo Pasqualigo para seus
E não foram só os portugueses ou es- irmãos em Veneza, um pequeno
panhóis a perseguir estes objectivos. despacho, não identificado, para
Sabemos com segurança que, em 1497, o Duque de Milão e uma carta Lopo Homem - Reinéis - 1519. É de notar a toponimia
um comerciante italiano, de nome com este mesmo destinatário, portuguesa que veio até à actualidade.
Giovanni Cabotto, conseguiu armar um enviada por Raimondo Soncino,
pequeno navio com 18 homens e viajar seu embaixador em Inglaterra. Do con- alguns pormenores da viagem efectuada e
na direcção do sol-posto até encontrar junto das três é possível deduzir que a fornecendo-lhe um esboço das terras
terra. Esta viagem é comprovada por docu- viagem demorou três meses, passou pelo descobertas a ocidente (a que chama de
mentos coevos, mas segue-se a uma série sul da Irlanda e seguiu para norte e depois Ilha das Sete Cidades, à semelhança da
REVISTA DA ARMADA • JUNHO 2001 15