Page 198 - Revista da Armada
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lianos que estavam em Lisboa como
embaixadores, respectivamente, do Duque
de Ferrara e da República de Veneza,
escrevem cartas aos seus senhores com
informações acerca das viagens de Gaspar
Corte Real. Eram eles Alberto Cantino –
aquele que viria a comprar o célebre pla-
nisfério português de 1502, existente em
Modena – e Pietro Pasqualiguo. Talvez
nenhum deles tivesse uma informação per-
feita sobre as viagens que descrevem, mas
fornecem algumas informações que impor-
ta aproveitar. São, pelos menos, unânimes
em que os navios tinham encontrado um
mar pejado de icebergues e que, no caminho
do norte a superfície estava gelada e não
permitiu continuar. Navegando depois a
noroeste, e dando a volta para leste,
encontrou terra com muitas árvores altas,
próprias para construir mastros de navios.
Pasqualigo diz mesmo que se devia tratar
Planisfério Português anónimo - 1560. de terra firme e que essa era a segunda de
duas viagens, uma efectuada em 1500 e
velha lenda). Infelizmente esse esboço 1508. Não temos nenhuma descrição outra em 1501, facto que vem em consonân-
nunca foi encontrado e não existem concreta das suas viagens (que podem ter cia com a data da patente de D. Manuel.
dados suficientemente credíveis que per- sido três), mas o seu nome aparece ligado Entretanto, nessa segunda viagem, Gaspar
mitam localizar com exactidão o local de à tal costa do actual Canadá desde o Corte Real mandou regressar dois dos
desembarque. Por isso se tem especulado princípio do século XVI. navios que foram com ele e ficou por lá
tanto sobre esse assunto, reivindicando-se Contudo, as mais notáveis viagens feitas para continuar os seus reconhecimentos,
para esta viagem a primazia da descober- até aos mares gelados do Atlântico mas nunca mais ninguém soube, fosse o
ta da Terra Nova, do Labrador, da Nova Noroeste, no final do século
Escócia, do Maine e, talvez, de mais XV e princípio do XVI, foram
sítios, conforme o sentido que se pre- as dos irmãos Corte Real. Esta
tendeu dar a certos festejos políticos. família esteve ligada à capita-
Contudo, diz-nos o rigor da investigação nia de Angra do Heroísmo, na
histórica que Cabotto alcançou terra num Ilha Terceira, com interesses no
local até hoje desconhecido, sendo absur- Algarve (alcaidaria de Tavira) e
do considerá-lo o descobridor de qual- no Norte de África, manifes-
quer uma destas terras. tando uma particular activi-
No ano seguinte, saiu com cinco navios dade ligada ao mar e ao
e, os que regressaram a Bristol informaram comércio ultramarino. Alguns
que tinha decidido continuar naqueles historiadores modernos che-
mares à procura do tal “Oriente” que se garam a aventar a hipótese de
propusera encontrar. Não mais houve notí- que um dos primeiros explo-
cias dele, e não é difícil supor que deve ter radores da Terra Nova, tenha
sido traído pelas condições meteorológicas sido João Vaz Corte Real - pai
daquela parte do Atlântico, como viria a dos que, de facto, o fizeram
acontecer a tantos outros, no futuro. em 1500, 1501 e 1502 – mas
De entre todos os registos de viagens trata-se de uma hipótese sem
efectuadas por portugueses ao noroeste do qualquer fundamento, resul-
Atlântico, deve realçar-se o de João tante de um equívoco de
Fernandes Lavrador. Jaime Cortesão Gaspar Frutuoso, escritor
defendeu que era a ele que se devia a açoriano de meados do século
descoberta da costa do Canadá com o XVI. Mas, em 12 de Maio de
nome de Labrador e coloca as suas viagens 1500, D. Manuel passava uma
no tempo de D. João II – o que tem sido carta de doação a Gaspar
seguido por outros historiadores – mas a Corte Real (filho mais novo de
busca da verdade impõe que se diga que a João Vaz), com direitos de juro
autorização para “descobrir ilhas e terra e herdade sobre ilhas e terra
firme” (nos termos que foram vulgares firme que viesse a descobrir.
naquela época), data de 28 de Outubro de Essa carta refere que no pas- A Terra Nova segundo Luís Teixeira - 1600.
1499 e é concedida por D Manuel. Aliás, sado, já o mesmo navegador
em 1501, obtém do rei de Inglaterra um tinha andado “à sua custa, com navios e que fosse, dele. No ano seguinte (1502),
alvará com direitos de exploração de terras homens”, na procura de terras, com grande seu irmão Miguel pediu ao rei que lhe con-
descobertas, sabendo-se por um outro “trabalho e despesa de sua fazenda e peri- cedesse os direitos concedidos a Gaspar, e
documento de 1506 (escrito por Pêro de go de sua pessoa”. Mas isto era o texto nor- partiu à sua procura. Também não regres-
Barcelos) que andou por três anos à mal das doações de terras ocidentais que sou, mas regressaram os seus compa-
descoberta de terras (a norte), facto que é nada queriam dizer da sua existência real. nheiros, informando de como tinham per-
confirmado numa carta de privilégios de Entretanto, em Outubro de 1501, dois ita- corrido a costa e como tudo se processara.
16 JUNHO 2001 • REVISTA DA ARMADA