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lianos que estavam em Lisboa como
                                                                               embaixadores, respectivamente, do Duque
                                                                               de Ferrara e da República de Veneza,
                                                                               escrevem cartas aos seus senhores com
                                                                               informações acerca das viagens de Gaspar
                                                                               Corte Real. Eram eles Alberto Cantino –
                                                                               aquele que viria a comprar o célebre pla-
                                                                               nisfério português de 1502, existente em
                                                                               Modena – e Pietro Pasqualiguo. Talvez
                                                                               nenhum deles tivesse uma informação per-
                                                                               feita sobre as viagens que descrevem, mas
                                                                               fornecem algumas informações que impor-
                                                                               ta aproveitar. São, pelos menos, unânimes
                                                                               em que os navios tinham encontrado um
                                                                               mar pejado de icebergues e que, no caminho
                                                                               do norte a superfície estava gelada e não
                                                                               permitiu continuar. Navegando depois a
                                                                               noroeste, e dando a volta para leste,
                                                                               encontrou terra com muitas árvores altas,
                                                                               próprias para construir mastros de navios.
                                                                               Pasqualigo diz mesmo que se devia tratar
         Planisfério Português anónimo - 1560.                                 de terra firme e que essa era a segunda de
                                                                               duas viagens, uma efectuada em 1500 e
         velha lenda). Infelizmente esse esboço  1508. Não temos nenhuma descrição  outra em 1501, facto que vem em consonân-
         nunca foi encontrado e não existem  concreta das suas viagens (que podem ter  cia com a data da patente de D. Manuel.
         dados suficientemente credíveis que per-  sido três), mas o seu nome aparece ligado  Entretanto, nessa segunda viagem, Gaspar
         mitam localizar com exactidão o local de  à tal costa do actual Canadá desde o  Corte Real mandou regressar dois dos
         desembarque. Por isso se tem especulado  princípio do século XVI.     navios que foram com ele e ficou por lá
         tanto sobre esse assunto, reivindicando-se  Contudo, as mais notáveis viagens feitas  para continuar os seus reconhecimentos,
         para esta viagem a primazia da descober-  até aos mares gelados do Atlântico  mas nunca mais ninguém soube, fosse o
         ta da Terra Nova, do Labrador, da Nova  Noroeste, no final do século
         Escócia, do Maine e, talvez, de mais  XV e princípio do XVI, foram
         sítios, conforme o sentido que se pre-  as dos irmãos Corte Real. Esta
         tendeu dar a certos festejos políticos.  família esteve ligada à capita-
         Contudo, diz-nos o rigor da investigação  nia de Angra do Heroísmo, na
         histórica que Cabotto alcançou terra num  Ilha Terceira, com interesses no
         local até hoje desconhecido, sendo absur-  Algarve (alcaidaria de Tavira) e
         do considerá-lo o descobridor de qual-  no Norte de África, manifes-
         quer uma destas terras.            tando uma particular activi-
           No ano seguinte, saiu com cinco navios  dade ligada ao mar e ao
         e, os que regressaram a Bristol informaram  comércio ultramarino. Alguns
         que tinha decidido continuar naqueles  historiadores modernos che-
         mares à procura do tal “Oriente” que se  garam a aventar a hipótese de
         propusera encontrar. Não mais houve notí-  que um dos primeiros explo-
         cias dele, e não é difícil supor que deve ter  radores da Terra Nova, tenha
         sido traído pelas condições meteorológicas  sido João Vaz Corte Real - pai
         daquela parte do Atlântico, como viria a  dos que, de facto, o fizeram
         acontecer a tantos outros, no futuro.  em 1500, 1501 e 1502 – mas
           De entre todos os registos de viagens  trata-se de uma hipótese sem
         efectuadas por portugueses ao noroeste do  qualquer fundamento, resul-
         Atlântico, deve realçar-se o de João  tante de um equívoco de
         Fernandes Lavrador. Jaime Cortesão  Gaspar Frutuoso, escritor
         defendeu que era a ele que se devia a  açoriano de meados do século
         descoberta da costa do Canadá com o  XVI. Mas, em 12 de Maio de
         nome de Labrador e coloca as suas viagens  1500, D. Manuel passava uma
         no tempo de D. João II – o que tem sido  carta de doação a Gaspar
         seguido por outros historiadores – mas a  Corte Real (filho mais novo de
         busca da verdade impõe que se diga que a  João Vaz), com direitos de juro
         autorização para “descobrir ilhas e terra  e herdade sobre ilhas e terra
         firme” (nos termos que foram vulgares  firme que viesse a descobrir.
         naquela época), data de 28 de Outubro de  Essa carta refere que no pas-  A Terra Nova segundo Luís Teixeira - 1600.
         1499 e é concedida por D Manuel. Aliás,  sado, já o mesmo navegador
         em 1501, obtém do rei de Inglaterra um  tinha andado “à sua custa, com navios e  que fosse, dele. No ano seguinte (1502),
         alvará com direitos de exploração de terras  homens”, na procura de terras, com grande  seu irmão Miguel pediu ao rei que lhe con-
         descobertas, sabendo-se por um outro  “trabalho e despesa de sua fazenda e peri-  cedesse os direitos concedidos a Gaspar, e
         documento de 1506 (escrito por Pêro de  go de sua pessoa”. Mas isto era o texto nor-  partiu à sua procura. Também não regres-
         Barcelos) que andou por três anos à  mal das doações de terras ocidentais que  sou, mas regressaram os seus compa-
         descoberta de terras (a norte), facto que é  nada queriam dizer da sua existência real.  nheiros, informando de como tinham per-
         confirmado numa carta de privilégios de  Entretanto, em Outubro de 1501, dois ita-  corrido a costa e como tudo se processara.

         16 JUNHO 2001 • REVISTA DA ARMADA
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