Page 203 - Revista da Armada
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A MARINHA DE D. MANUEL (15)
Pedro Álvares Cabral
Pedro Álvares Cabral
edro Álvares Cabral nasceu Vasco da Gama que diz a Cabral
por alturas de 1467 ou 68, que deve sair de Cabo Verde e
Pprovavelmente, em Belmonte tomar o rumo do sul até que o
ou nas suas imediações, uma vez vento lhe sirva; e quando for escas-
que a família por aí residia. Seu pai, so (quando começar a soprar do
Fernão Cabral, era alcaide dessa lado da proa) devem “hyr na volta
vila, com residência no castelo e o do mar até meterem o cabo de
cargo vinha dos seus mais remotos Bõoa Esperança em leste franco”;
antepassados. Mas era um filho ou seja, devem seguir numa volta
segundo que, certamente, teve de larga, até alcançar a latitude do
procurar fortuna fora dos domínios Cabo da Boa Esperança. Ou seja,
da família, talvez pelas guerras do Vasco da Gama já sabia que o me-
Norte de África (onde passavam lhor caminho para o Cabo era com
todos os fidalgos mancebos) e uma “volta do mar” e se o sabia no
depois no comando de uma expe- princípio de 1500, era porque o
dição à Índia. Como dissemos, a tinha feito na sua viagem à Índia.
sua missão devia ter uma compo- Não restam dúvidas. Mais até: ele
nente diplomática e comercial – sabia que naquela altura do ano –
procurando ainda obter a atenção na altura em que Cabral ia passar o
dos potentados do Malabar (no- Equador – era preciso seguir para
meadamente Calecut) – que, simul- sul depois de Cabo Verde, coisa
taneamente, deveria impressionar que não poderá ter feito quando
pela força e capacidade militar. É fez a viagem em 1497, porque lá
por isso que, a 8 de Março de 1500, passou entre fins de Julho e princí-
larga de Lisboa com 13 navios – pios de Agosto. Digamos que
uma esquadra impressionante para Vasco da Gama, para fazer a
a época – que deveriam navegar recomendação que fez a Cabral
durante meses até alcançarem o seu conhecia bem o regime de ventos
destino. Não era, propriamente, ir entre Santiago e o Cabo da Boa
até Ceuta, ou ao Norte da Europa. Esperança; e, se tinha chegado da
Com ele iam 1200 a 1300 homens Índia em Setembro de 1499, só
que necessitavam de água e abas- pode ter aprendido algo sobre esse
tecimentos. Qualquer coisa como Armada de Cabral. assunto antes de 1497. Ou seja, à
uma ração mensal de 31 toneladas data da partida da primeira via-
de biscoito, 14 toneladas de carne, 65 mil seguir e três por tirar moneta (acrescento da gem para a Índia, já era conhecido o regime
litros de vinho, etc., levando a que alguns vela usada quando o tempo o permite) e de ventos do Atlântico Sul que terá sido
destes produtos tenham que ser multiplica- quatro por amaynar e nenhÙu nam virara estudado depois da viagem de Bartolomeu
dos várias vezes, uma vez que não podem nem amaynara nem tirara moneta sem que Dias, em 1487/88.
ser adquiridos em nenhum ponto do per- primeiro o capitam mor faça os ditos fogos Partiu, pois, Pedro Álvares Cabral a 8 de
curso. Acrescentando-se ainda todos os e todos tenham respondido”. Na verdade, Março de 1500 (Domingo), com o cerimo-
sobressalentes do aparelho e outro equipa- os “sinais tácticos” não foram inventados nial normal para a circunstância: missa em
mento para reparações de diversa ordem. no século XX. Mais à frente, diz: “(...) depois Santa Maria de Belém, procissão até à praia,
Temos hoje conhecimento de 14 docu- que em bõoa ora daqui partirem faram seu o Tejo pejado de embarcações, a esquadra
mentos coevos e directamente relacionados caminho direito a ylha de Santiago (Cabo fundeada ao largo e o povo de Lisboa a des-
com a viagem de Cabral, e é interessante Verde) e se ao tenpo que hy chegarem pedir-se da sua gente. A julgar pela infor-
que um deles é uma página das instruções teverem agoa em abastança pêra quatro mação de Gaspar Correia, escrita algumas
dadas por Vasco da Gama, para essa meses nam devem passar na dita ylha nem décadas depois, foi a primeira vez que as
viagem. O seu conteúdo permite-nos saber fazer nehÙua demora”. Quer isto dizer que, velas dos navios levaram a Cruz de Cristo
muita coisa do conhecimento que os se depois de navegar até Cabo Verde ainda estampada. Seguiram na direcção das
navegadores portugueses foram acumulan- houver água para quatro meses de viagem, Canárias e Cabo Verde, sofrendo o primeiro
do sobre a navegação, sobre o Oceano não devem parar nesse local, para não revés, com o desaparecimento de um navio
Atlântico e todos os meandros das longas perder tempo. No resto da folha, que até na noite do dia 23. Como lhe foi recomen-
viagens marítimas. Observemos algumas nós chegou, estão instruções concretas para dado, Cabral não parou no arquipélago,
coisas do que diz: “(...) cada vez que um aproveitamento dos ventos dominantes prosseguindo para sul e iniciando a volta
ouverem de vyrar fará o capitam mõor na passagem do Equador e na volta a fazer do mar que outras novidades traria ao
dous foguos e todos lhe responderam com para alcançar o Cabo da Boa Esperança. E conhecimento português.
outros dous cada hÙu. E depois de asy estas instruções constituem uma prova
responderem todos viraram e asy lhe terá incontestável do que se sabia na altura acer- J. Semedo de Matos
dado de synal que a hÙu fogo será por ca do regime de ventos do Atlântico Sul. É CFR FZ
REVISTA DA ARMADA • JUNHO 2001 21