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A MARINHA DE D. MANUEL (15)



                       Pedro Álvares Cabral
                       Pedro Álvares Cabral






              edro Álvares Cabral nasceu                                              Vasco da Gama que diz a Cabral
              por alturas de 1467 ou 68,                                              que deve sair de Cabo Verde e
         Pprovavelmente, em Belmonte                                                  tomar o rumo do sul até que o
         ou nas suas imediações, uma vez                                              vento lhe sirva; e quando for escas-
         que a família por aí residia. Seu pai,                                       so (quando começar a soprar do
         Fernão Cabral, era alcaide dessa                                             lado da proa) devem “hyr na volta
         vila, com residência no castelo e o                                          do mar até meterem o cabo de
         cargo vinha dos seus mais remotos                                            Bõoa Esperança em leste franco”;
         antepassados. Mas era um filho                                               ou seja, devem seguir numa volta
         segundo que, certamente, teve de                                             larga, até alcançar a latitude do
         procurar fortuna fora dos domínios                                           Cabo da Boa Esperança. Ou seja,
         da família, talvez pelas guerras do                                          Vasco da Gama já sabia que o me-
         Norte de África (onde passavam                                               lhor caminho para o Cabo era com
         todos os fidalgos mancebos) e                                                uma “volta do mar” e se o sabia no
         depois no comando de uma expe-                                               princípio de 1500, era porque o
         dição à Índia. Como dissemos, a                                              tinha feito na sua viagem à Índia.
         sua missão devia ter uma compo-                                              Não restam dúvidas. Mais até: ele
         nente diplomática e comercial –                                              sabia que naquela altura do ano –
         procurando ainda obter a atenção                                             na altura em que Cabral ia passar o
         dos potentados do Malabar (no-                                               Equador – era preciso seguir para
         meadamente Calecut) – que, simul-                                            sul depois de Cabo Verde, coisa
         taneamente, deveria impressionar                                             que não poderá ter feito quando
         pela força e capacidade militar. É                                           fez a viagem em 1497, porque lá
         por isso que, a 8 de Março de 1500,                                          passou entre  fins de Julho e princí-
         larga de Lisboa com 13 navios –                                              pios de Agosto. Digamos que
         uma esquadra impressionante para                                             Vasco da Gama, para fazer a
         a época – que deveriam navegar                                               recomendação que fez a Cabral
         durante meses até alcançarem o seu                                           conhecia bem o regime de ventos
         destino. Não era, propriamente, ir                                           entre Santiago e o Cabo da Boa
         até Ceuta, ou ao Norte da Europa.                                            Esperança; e, se tinha chegado da
         Com ele iam 1200 a 1300 homens                                               Índia em Setembro de 1499, só
         que necessitavam de água e abas-                                             pode ter aprendido algo sobre esse
         tecimentos. Qualquer coisa como               Armada de Cabral.              assunto antes de 1497. Ou seja, à
         uma ração mensal de 31 toneladas                                             data da partida da primeira via-
         de biscoito, 14 toneladas de carne, 65 mil  seguir e três por tirar moneta (acrescento da  gem para a Índia, já era conhecido o regime
         litros de vinho, etc., levando a que alguns  vela usada quando o tempo o permite) e  de ventos do Atlântico Sul que terá sido
         destes produtos tenham que ser multiplica-  quatro por amaynar e nenhÙu nam virara  estudado depois da viagem de Bartolomeu
         dos várias vezes, uma vez que não podem  nem amaynara nem tirara moneta sem que  Dias, em 1487/88.
         ser adquiridos em nenhum ponto do per-  primeiro o capitam mor faça os ditos fogos  Partiu, pois, Pedro Álvares Cabral a 8 de
         curso. Acrescentando-se ainda todos os  e todos tenham respondido”. Na verdade,  Março de 1500 (Domingo), com o cerimo-
         sobressalentes do aparelho e outro equipa-  os “sinais tácticos” não foram inventados  nial normal para a circunstância: missa em
         mento para reparações de diversa ordem.  no século XX. Mais à frente, diz: “(...) depois  Santa Maria de Belém, procissão até à praia,
           Temos hoje conhecimento de 14 docu-  que em bõoa ora daqui partirem faram seu  o Tejo pejado de embarcações, a esquadra
         mentos coevos e directamente relacionados  caminho direito a ylha de Santiago (Cabo  fundeada ao largo e o povo de Lisboa a des-
         com a viagem de Cabral, e é interessante  Verde) e se ao tenpo que hy chegarem   pedir-se da sua gente. A julgar pela infor-
         que um deles é uma página das instruções  teverem agoa em abastança pêra quatro  mação de Gaspar Correia, escrita algumas
         dadas por Vasco da Gama, para essa  meses nam devem passar na dita ylha nem  décadas depois, foi a primeira vez que as
         viagem. O seu conteúdo permite-nos saber  fazer nehÙua demora”. Quer isto dizer que,  velas dos navios levaram a Cruz de Cristo
         muita coisa do conhecimento que os  se depois de navegar até Cabo Verde ainda  estampada. Seguiram na direcção das
         navegadores portugueses foram acumulan-  houver água para quatro meses de viagem,  Canárias e Cabo Verde, sofrendo o primeiro
         do sobre a navegação, sobre o Oceano  não devem parar nesse local, para não  revés, com o desaparecimento de um navio
         Atlântico e todos os meandros das longas  perder tempo. No resto da folha, que até  na noite do dia 23. Como lhe foi recomen-
         viagens marítimas. Observemos algumas  nós chegou, estão instruções concretas para  dado, Cabral não parou no arquipélago,
         coisas do que diz: “(...) cada vez que  um aproveitamento dos ventos dominantes  prosseguindo para sul e iniciando a volta
         ouverem de vyrar fará o capitam mõor  na passagem do Equador e na volta a fazer  do mar que outras novidades traria ao
         dous foguos e todos lhe responderam com  para alcançar o Cabo da Boa Esperança. E  conhecimento português.
         outros dous cada hÙu. E depois de asy  estas instruções constituem uma prova
         responderem todos viraram e asy lhe terá  incontestável do que se sabia na altura acer-   J. Semedo de Matos
         dado de synal que a hÙu fogo será por  ca do regime de ventos do Atlântico Sul. É                 CFR FZ
                                                                                      REVISTA DA ARMADA • JUNHO 2001  21
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