Page 235 - Revista da Armada
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Luís Guimarães Lobato
Luís Guimarães Lobato
Uma Vida Consagrada à Vela
Uma Vida Consagrada à Vela
1. O APELO DO MAR
uís Guimarães Lobato (LGL) nasceu em regatas oceânicas. Foi promotora da Apesar do estado de conservação ser
Macau, onde seu pai era comandante primeira FASTNET. Nesta regata, os aceitável, o Jolie Brise precisa de ser posto
L militar das ilhas da Taipa e de Coloane. veleiros largam de Cowes dão volta ao nas condições náuticas que já tinha perdi-
Os frequentes trajectos de barco que fazia rochedo Fastnet, no SW da Irlanda, con- do. LGL vai a Londres e, nas casas da espe-
entre as ilhas e Macau, despertou nele o tornam outro rochedo, o Bishop, passam cialidade, procura recuperar peças que per-
gosto pelo mar. Além disso, as conversas que o cabo Lisard e terminam no porto de tenceram a tão emblemático veleiro.
tem com os pescadores locais criam nele o Plymouth. O vencedor desta regata foi Descobre o pau de spinnaker que tem 10
desejo de se afastar da costa, de viajar. Martin no seu Jolie Brise, que ainda irá metros de comprimento e pesa 300 kilos. E
Terminada a comissão, a família regressa ganhar mais duas destas competições e até atina com o paradeiro do spi, com 180
ao continente para logo voltar a Macau, ainda mais uma regata às Bermudas. metros quadrados, em algodão do Egipto.
onde seu pai é novamente nomeado Aliás, a sua fama seria consagrada quan- Visita o RORC onde encontra Bobby
comandante militar das ilhas. Estas viagens do, numa das regatas oceânicas, salvou Sommerset – E. G. Martin já tinha falecido
despertam ainda mais, no jovem que era, o uma tripulação de morte certa, quando o – que, como este, conhecia o Jolie Brise
gosto pela aventura. Aliás, os seus autores yacht se incendiou. como as suas próprias mãos. Quando
preferidos são Júlio Verne e Alain Gerbault, LGL, entusiasmado, vai visitar o veleiro Bobby se apercebe que LGL pretende repôr
grandes ídolos da época. que é, realmente, o Jolie Brise. A embar- o veleiro no estado em que se celebrisou,
Regressa definitivamente a Lisboa, onde cação está mal tratada e o seu proprietá- interessa-se pelo assunto e ensina-lhe a
se forma em engenharia. rio, oficial do Exército da India, tinha-a complicada manobra das velas, onde uma
O gosto pelo mar e pela vela não o larga. adquirido para fazer viagem até aquela enorme vela de gaff-top constituía uma per-
Com os seus primeiros dinhei- manente dor de cabeça.
ros compra uma pequena em- A partir de 1947 o Jolie
barcação de 6 metros. É a Brise participa em regatas às
canoa Argus na qual, sempre Berlengas, ao Algarve, a
que pode, percorre as águas Cádis, em competição com
do Tejo. Em 1942 tem o seu outros veleiros tais como o
primeiro barco de cruzeiro, Belatrix de Pedro Teotónio
que adquire a um amigo, Pereira, o Giralda do conde
secretário da embaixada de de Barcelona, o Santa Maria
Inglaterra. Com o Rosinante de Luís Lara. Mas as mais
torna-se cavaleiro andante. renhidas competições dispu-
Nas viagens, que são agora tavam-se com o Senhora da
até Cascais, vai ganhando Piedade, do comandante
experiência do mar e da arte Matoso, onde a tripulação
de navegar. era constituída por oficiais de
Corre o ano de 1946 quan- marinha, enquanto que no
do alguém o informa que se Jolie Brise eram todos enge-
encontra na doca do Bom nheiros.
Sucesso um veleiro de casco Em meados dos anos 40,
negro que parece ser o Jolie LGL é eleito presidente da
Brise, esse nome que, para os secção de vela da Associação
amantes e entendidos da Naval de Lisboa. Com a
vela, soava como uma pa- colaboração do coronel
lavra mágica. A sua história Calado e o engenheiro
era famosa. Adriano Vaz Pinto, começa a
Construído em 1913, fez O Rosinante, o primeiro veleiro de Luís Guimarães Lobato. fazer-se a regata às Berlengas
parte da frota dos pilotos do para disputa do troféu
Havre. Tinha de comprimento de 17 me- colónia distante. Todavia, vindo de Salazar. É nessa altura que LGL é contacta-
tros e 3.6 metros de tirante de água, o que Inglaterra, tinha enfrentado fortes tempo- do por F. Morgan, um grande financeiro,
lhe dava uma grande estabilidade. No iní- rais. Cansado e sem grande vocação para amigo de Pedro Teotónio Pereira, tendo em
cio da 1ª Grande Guerra Mundial, foi o mar resolveu desfazer-se do veleiro. O vista a organização de uma regata de tall
abandonado no porto do Havre e o inglês casco estava em bom estado, o mastro era ships a realizar em 1956. Com a colabo-
E. G. Martin adquire-o e transforma-o dum belo pitch pine. LGL apaixona-se ração de Eduardo van Zeller, conceituado
num barco de regatas oceânicas pelo Jolie Brise. Quem não se apaixona- desportista náutico, prepara-se a primeira
Em 1925, Martin e Bobby Sommerset ria? Só falta o dinheiro para o adquirir. regata deste tipo de navios. Respondem ao
criam o Royal Ocean Racing Club Consegue convencer cinco amigos convite 12 veleiros. Modesta participação.
(RORC), que, ainda hoje, a nível mundial, desportistas náuticos e o barco muda de Todavia, o mais importante foi, sem dúvida,
é a mais conceituada organização de bandeira. o facto de ter sido lançada a semente de
REVISTA DA ARMADA • JULHO 2001 17