Page 261 - Revista da Armada
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havia algo que era assunto de
         todas as conversas a que horas
         chegava a Amália? Ela viria
         mesmo?
           Reinava no ambiente um misto
         de impaciência e de dúvida. Mas
         por volta das 2 horas, eis que a
         Amália, acompanhada pelos seus
         guitarristas privativos, entra
         deslumbrante no enorme salão.
         De pé batendo palmas, todos sau-
         davam Amália. De uma simplici-
         dade e simpatia notáveis, Amália
         conquistou a assistência e
         começou então a cantar desde
         logo de forma inconfundível
         como só ela sabia, debaixo de
         enormes ovações não só dos por-
         tugueses, mas de todo o público
         presente.
           Após ter terminado a sua actua-
         ção, Amália reuniu-se à oficia-
         lidade compatriota, a todos aten-
         dia, com todos falava e o tempo
         ia passando em tão agradável  A RA enrevista os oficiais que ouviram Amália cantar em Dakar.
         companhia, pois Amália tinha o
         condão de transportar consigo um pouco  Marinha, mas gostava sobretudo das pes-  tiam eram o melhor aplauso à actuação de
         da Pátria querida, que os portugueses  soas, fossem elas quais fossem, estando  Amália, mudo e silencioso, embora muito
         tanto sentem quanto mais dela estão afas-  disposta a sacrificar-se para lhes dar prazer  mais significativo.
         tados.                             e o direito de a ouvirem cantar. Foi uma  Era quase dia quando Amália terminou
           Mas para sabermos o que efectivamente  nobreza notável por parte da Amália.  de cantar. O toque à faina nesse momen-
         se passou a partir daqui, conversámos com  Perante isto, o Comandante que era uma  to a todos veio trazer à realidade. O navio
         os Comandantes, na altura Segundo-Tenente  pessoa de uma educação extraordinária,  ia sair para Lisboa.
         Jorge Wagner (JW) e Guardas-Marinhas  respondeu-lhe “Eu não me atreveria a fazer-
         Perneco Bicho (PB) e Vasconcelos Castelo  -lhe um pedido desses, mas já que faz esse  JW: Por ser muito cedo, caía humidade,
         (VC), que nos contaram como é que a  oferecimento, aceito-o com todo o  pelo que, o Comandante foi buscar a sua
         Amália foi a bordo do “Afonso de Albu-  coração”, agradeceu e seguiram para bordo.  gabardine para gentilmente cedê-la a
         querque” cantar em privado para a guar-                               Amália e com a pressa, o Comandante
         nição do navio.                      A Amália chegou ao navio perto das 5  nem se lembrou de tirar os galões. A
                                            horas da manhã, acompanhada pelos seus  Amália sai e fica no cais a despedir-se de
           RA: Depois da actuação no Lido,  guitarristas.                      nós numa imagem inesquecível.
         como é que a Amália Rodrigues foi con-  Quando o pessoal do navio começou a
         vidada para ir a bordo do “Afonso de  passar palavra de que a Amália Rodrigues  VC: Lembro-me perfeitamente do
         Albuquerque”?                      estava a bordo e ia cantar para eles, era ver  branco do seu vestido até aos pés e a
                                            como os seus rostos se modificaram e ilumi-  gabardine do Comandante com os galões
           JW: Bem, ela não foi propriamente con-  naram de alegria. A alvorada foi antecipada  dourados, o que fazia um contraste extraor-
         vidada. A questão é esta, tenho muita  de 2 horas. Todos corriam para a Câmara de  dinário.
         pena de Amália ter morrido, mas nunca  Oficiais.
         cheguei a dizer publicamente o que efec-  E quando a Amália apareceu diante de  Os Oficiais e Guardas-Marinhas ocu-
         tivamente me tinha sensibilizado na  tantos olhos, alguns deles esbugalhados  param os seus postos com os seus uni-
         Amália.                            perante aquela aparição que conside-  formes de gala, o pessoal tal qual como se
           Não era só a fadista, mas a verdadeira  ravam um sonho, todos se acomodavam o  havia reunido na câmara.
         Senhora que ela era. Hoje, quando se fala  melhor que podiam para não perder o  Largaram-se as espias, o navio come-
         do povo e falar com o povo, ela sabia-o  mais pequeno pormenor do que iria  çou a afastar-se e Amália, em terra, a to-
         fazer como ninguém e de facto a Amália  suceder. Amália cantou então, e a todos  dos sorria e acenava.
         teve um gesto extraordinário para com a  os presentes sensibilizava e comovia.  O navio começou a afastar-se cada vez
         Marinha, mostrando que compreendia                                    mais e lá ao longe ainda se avistava o
         aqueles que não tinham podido assistir ao  PB: Amália cantou incansavelmente,  aceno de Amália, a quem de bordo re-
         espectáculo dela no Lido oferecendo-se  num convívio extraordinário, onde estava  tribuiam muitos panamás e bonés brancos
         assim para ir cantar a bordo do navio.  também presente pessoal do N.E. brasileiro  de uma guarnição eternamente grata.
           De facto, e realçando este aspecto, a  “Almirante Saldanha”, que se encontrava
         Amália depois de ter chegado ao Lido às 2  em viagem de instrução de Guarda-  Obrigado Amália!
         horas da manhã e ter cantado até às 5 horas  -Marinhas e estava atracado junto ao
         com imenso sucesso, ofereceu-se espon-  nosso navio.                                     Alexandra de Brito
         taneamente para ir cantar ao navio e per-  Ninguém sentia a mínima vontade que                   2TEN TSN
         guntou ao Comandante Galeão Roma “O  aquilo terminasse.
         Sr. Comandante gostaria que eu fosse can-                               Referência: “Memórias de um Guarda-Marinha”,
         tar para a sua guarnição?” isto por outras  Não havia espaço para bater palmas,  Cte. Ferreira Setas, Anais do Clube Militar Naval (nº 10
         palavras, queria dizer que ela gostava da  mas as lágrimas que aqueles corações ver-  a 12/1963).

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