Page 376 - Revista da Armada
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A Queda da Índia
A Queda da Índia
Como Inversão de Alianças
Como Inversão de Alianças
s acontecimentos de 1961, tanto na ONU, o bloco de apoio à União dos EUA, reconhece que é irrealista pedir
em Angola como na Índia, são Indiana era muito forte e crescia de mês a Portugal que mude a sua política para
Otraumáticos para o regime por- para mês com as recentes independências África, pelo que modera as posições. A
tuguês e isto em múltiplos sentidos. Em africanas. Restavam a Inglaterra e os EUA, atitude é devidamente apreciado pelo
primeiro lugar, embora o começo da luta muito em particular a primeira, secular Governo de Lisboa e, segundo o embai-
armada em Angola já fosse esperado há aliada de Portugal, que por várias vezes xador Ross, leva mesmo a uma melhoria
anos, a verdade é que o momento e a assumira compromissos formais de defesa das relações no verão de 1961. Surge, no
forma como estala é uma surpresa, numa activa do Império e que tinha relações entanto, de imediato um estrangulamento
altura em que o dispositivo importante: os EUA e a
militar planeado ainda esta- Inglaterra não continuam a
va longe de estar completo. fornecer equipamento mili-
Na Índia o Governo Portu- tar que possa ser usado nas
guês alimenta até ao final a guerras de África. Mais uma
ilusão de que a União Morper Ship Pictures, San Diego - California vez são os EUA que vão
Indiana não irá recorrer a mais longe neste campo,
uma invasão em força, o pois chegam a exigir que o
que se nota nos mais pe- armamento fornecido ao
quenos pormenores. Um abrigo do acordo de ajuda
excelente exemplo é o facto militar seja retirado de
de se ter enviado para a África. A Inglaterra não
Índia o aviso Afonso de apresenta essa exigência,
Albuquerque levando a mas, sem nunca afirmar
bordo um curso de cadetes claramente que recusa o
da Escola Naval em viagem fornecimento de mais arma-
de instrução, a última coisa mento para África, passa a
a fazer caso se esperasse responder negativamente
uma acção militar contra aos pedidos concretos por-
uma marinha muito supe- O “Afonso de Albuquerque” com cadetes da Escola Naval, em 1960, à entrada da Base tugueses. Um caso típico,
rior em número. Naval de San Diego (EUA), na viagem que o deixou na Índia. são as negociações em
O dispositivo militar exis- curso para comprar lanchas
tente na Índia Portuguesa visava essencial- muito especiais com a União Indiana. de desembarque e outro equipamento
mente dois objectivos. O primeiro era Qualquer das assunções falhou e de forma anfíbio para os recém-formados fuzileiros:
impedir qualquer ocupação do território estrondosa. a partir de certa altura, Londres interrompe
feita a partir de uma “infiltração de civis” A embaixada britânica no seu relatório as negociações, com a desculpa pouco
ou de pequenos grupos armados, tal como anual para 1961 (PRO FO 391 160725) convincente que não tem equipamento
se tinha feito anos antes com os chamados referia que esse ano tinha sido um disponível. Alguns sectores militares
“enclaves”. Havia a esperança de que um “infeliz” corte com o passado e que o mal britânicos não deixam de mostrar o seu
Governo conhecido como pacifista nunca feito às relações entre os dois países pos- desagrado a respeito desta decisão políti-
iria recorrer a uma invasão em grande sivelmente nunca poderia ser recuperado, ca, enviando ao Foreign Office aprecia-
escala. Como objectivo secundário, que se muito em particular porque foi acompa- ções onde afirmam que o único resultado
esperava que nunca fosse necessário con- nhado por uma degradação paralela das prático será que Portugal vai adquirir esse
cretizar, pretendia-se que a força existente relações com os EUA. O ano tinha equipamento noutras fontes, nomea-
pudesse resistir a um ataque durante uns começado com as censuras à Inglaterra a damente em França, com prejuízo para
dias (falava-se em quinze), de modo a per- respeito da sua posição quando do desvio indústria inglesa. Algo de semelhante
mitir que fossem desencadeados interna- do paquete Santa Maria, por não ter auxi- acontece em relação às negociações em
cionalmente os mecanismos políticos que liado na busca para encontrar o navio. curso para adquirir mais fragatas na
levassem a União Indiana a recuar. Recriminações ainda maiores eram dirigi- Inglaterra, o que abre o caminho para os
A principal frente de combate era assim das aos EUA, por ter permitido que um programas com a França.
política e os grandes trunfos com que se seu almirante subisse a bordo do paquete A crise do Congo, e a intervenção exter-
contava para a contenção e dissuasão das e parlamentasse com Henrique Galvão, na nesse estado no âmbito da ONU, levou
ambições indianas eram dois: a Inglaterra como se fosse um seu igual. a uma nova aproximação modesta com a
e os EUA. É claro que, em caso de in- Novo golpe nas relações com os po- Inglaterra, pois Portugal sublinhou insis-
vasão, seriam tentados todos os fóruns deres anglo-americanos é assestado com tentemente junto de Londres o perigo
possíveis para obter trunfos políticos, tais as insurreições e os massacres de Angola a representado pelos novos países indepen-
como a ONU e a NATO. Sabia-se, porém, partir de Março, pois os EUA tomam uma dentes na África Austral. A tese era sim-
que a NATO responderia que se tratava de posição abertamente crítica e votam con- ples: se os portugueses retirassem de
um problema “fora de área”, pelo que tra Portugal na ONU. A Inglaterra, apesar Angola como os belgas fizeram no Congo,
nada lhe competia ou podia fazer e que, de ter uma posição política semelhante à não só seria necessária uma nova inter-
14 DEZEMBRO 2001 • REVISTA DA ARMADA