Page 199 - Revista da Armada
P. 199
Colecção RM cante tem algu- diano que, especialmente em áreas com tradi-
mas especifici-
cionais envolventes como Caxinas, Olhão,
dades do foro téc-
Póvoa do Varzim, Nazaré, Monte Gordo e
nico-temático. O Meia-Praia, Alvor e Rabo de Peixe, entre
conhecimento do muitas outras, a relação entre o exercício da
navio-plataforma Autoridade e as realidades sócio-culturais das
é importante, e populações tem, necessariamente, que aten-
fundamental, em der ao sentir do povo e ao fenómeno dos
matéria de certifi- sinédrios populares. Não é o síndrome da
cação, e de ins- autoridade, mas, outrossim, encarar a reali-
pecção, activida- dade tal como ela, efectivamente, é.
des essas que são - Nem todas as estruturas e actividades do
próprias e cons- Estado têm que ser fundadas em ideologias de
tituem mesmo o base mercantilista e em posturas neo-empre-
núcleo de uma sariais. De facto, nem todas as áreas de inter-
administração venção do Estado, como ente público nuclear,
Torre do Bugio - postal de 1900.
marítima. Autori- têm que se rever em fenómenos de lucro e de
dade de medidas cautelares). Apenas estes, dade Marítima é, contudo, outra coisa. Por ganho (o que o Estado tem que beber do
entre largas dezenas de outros exemplos, que, conceito e existência, diversa daqueloutra. mundo empresarial é, outrossim, o planea-
existindo espaço, aqui se poderiam arrolar. A marinha de comércio não é o único objec- mento organizacional, adaptado à realidade
Ainda que com leitura diversa, estes cons- to de tratamento, de fiscalização, de controlo e pública, bem como a optimização económi-
tituem factos cuja dispensabilidade de análise registo em sede da AM. Também as de pesca e ca). O exercício da Soberania, como mecanis-
não pode ser encarada, sob pena de se de recreio têm o seu enquadramento próprio e mo puro que visa a integridade do próprio ter-
vilipendiarem conclusões. Independente- regimes legais de especialidade. Aliás, para ritório e a preservação do meio marinho, é,
mente da valoração apreciativa que se lhes Portugal, em termos de flag state, e atentos os precisamente, uma daquelas áreas.
queira dispensar, embora algo irrefutáveis na números de registo patrimonial conciliados, e E não se trata de Defesa naval, como alguns
sua consistência, subsistem, por outro lado, disponíveis (nomeadamente de 2000), pode analistas insistem, dir-se-ia de forma infantil, a
alguns dogmas que vêm sendo usados numa mesmo concluir-se que qualquer destas duas tentar reduzir e cingir as questões de Sobe-
atitude argumentativa, no sentido de vul- últimas abrange uma percentagem elevadíssi- rania. Numa fase de estudo conceptual em
garizar, na opinião pública, determinadas cor- ma, dir-se-ia determinante, do mapa global que as Nações Unidas gizam como preo-
rentes doutrinárias. Como mero elemento (ambas, somam mais de 70.000 registos). cupações prioritárias para futuro, face à apli-
exemplificativo, aqui estão breves comen-
tários a propósito de alguns deles:
- Capitania não é sinónimo de burocracia.
Também ela deverá, certamente, assim como
todas as outras estruturas de Estado, usufruir
de qualquer mecanismo que vise, de forma
uniformemente coerente, eficaz e metódica,
servir o utente e melhorar-lhe as acessibilida-
des aos serviços. O quadro legal sobre o tari-
fário portuário, e os foros de centralização
integrada, visam, parcialmente, ultrapassar
algumas das questões que se colocam, actual-
mente, às actividades marítimas e náuticas.
Fazer conotar o exercício da Autoridade
Marítima com uma moldura caduca, amorfa
e pronta a entorpecer, é, por si, revelador de
uma postura no mínimo peculiar.
- Desborucratizar – objectivo que se deseja
– não é, por outro lado, sinónimo de faci- Lancha de Fiscalização “Infante D. Manuel” (1905-1948) fundeada no Rio Minho.
litismo e ultra-liberalização do exercício da
Autoridade. De um ponto ao outro, é a distân- Estrategicamente, o navio (mercante) não é, cabilidade resultante do quadro da Con-
cia que medeia entre o ideal e o patético. A apenas, uma plataforma de transporte comer- venção das Nações Unidas sobre o Direito do
Autoridade, por vezes, não se compagina cial. Numa visa pura de Estado, afinal o essen- Mar (CNUDM), a preservação do meio ma-
com preocupações procedimentais e mini- cial ao tema da Autoridade Marítima, é intrin- rinho e a segurança da navegação, Soberania
malistas. Exerce-se na justa medida da neces- secamente obrigatório aferir as questões la- no Mar é, a dados analíticos actuais, perceber
sidade o no correcto âmbito da acção. terais e complementares da navegação: a que tipo de ameaças as vias marítimas nos
- A efectiva experiência de mar que os ofi- relação com os demais navios, a influência no trazem, e que variedade de prejuízos pode
ciais de Marinha acumulam, e exibem no seu meio marinho, as potencialidades e ocorrên- ofender o meio em si. E isso implica, como
currículo - quer nas áreas de comando, quer cias de uma gama variada de ilícitos penais e bem se percebe, e entre outras, questões
nas áreas técnicas de máquinas -, sugere, contra-ordenacionais, a sua utilização com como os tráficos e as imigrações, a predação
vocacionalmente, uma ligação natural para meio de projectar ameaças no Estados-cos- de recursos e as explorações selvagens, as
funções concernentes ao exercício da autori- teiros (tráficos, migrações, móbil de explora- pesquisas clandestinas e a arqueologia náuti-
dade marítima. Por outro lado, por razões de ções e pesquisas ilegais, entre vários outros) e ca bárbara, o envenenamento das águas e os
existência secular, existe um irrefutável acervo as atitudes predatórias dos recursos do Mar. sinistros marítimos.
de conhecimento adquirido e acumulado na - Existe, de facto, um especial entrosamento
instituição Capitania que não é, de per si, de vivência entre as comunidades piscatórias Dr. Luís da Costa Diogo
transitável de forma automática para outrem. e a Autoridade Marítima exercida como é. É (Assessor do VALM DGAM)
É, de facto, verdade, que a navegação mer- irrecusável para qualquer observador me- (Conclusão no próximo número)
REVISTA DA ARMADA • JUNHO 2002 17