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Biblioteca Central da Marinha                                          tima, através da Marinha, é coisa do passado,
                                                                               constitui modelo anacrónico e desusado,
                                                                               retrógrado e próprio de países e sociedades
                                                                               subdesenvolvidas. Irónica confrontação,
                                                                               quando as contestações se esbatem na
                                                                               própria génese.
                                                                                 - Por outro lado, pouco adianta à discus-
                                                                               são vir-se adensar que o perfil do modelo
                                                                               americano, e o de Itália, é que as funções são
                                                                               exercidas pela Guarda Costeira. Pois são, é
                                                                               um facto. Mas estruturalmente a GC é de
                                                                               Marinha, chefiada por almirantes, apenas
                                                                               tendo uma tutela própria (Transportes e Co-
                                                                               municações) e com uma inserção específica.
                                                                                 - Mas, ainda que assim não fosse. Existe um
                                                                               parâmetro filosófico de análise, também ele
                                                                               baseado em factos, que permite identificar o
                                                                               porquê de certos modelos. França, Itália,
         Regulamento Geral das Capitanias e Organização dos Serviços dos  Indice Remissivo do Regulamento  Brasil e Portugal (Espanha já não, uma vez
         Departamentos Marítimos- 1892.                das Capitanias - 1894.  que abandonou o modelo na última década)
                                                                               não mantêm, há séculos, a Marinha a exercer
           - Atentas as necessidades, em períodos de  Europa central para cima (e naqueles países do  funções de autoridade marítima, por razões
         tempo, em que a prestação de um serviço  mundo para os quais, pelo fenómeno da colo-  de mera conjuntura política ou de situacionis-
         público como é a Autoridade Marítima tem  nização, ele foi exportado). Nem o poderia  mo histórico, mas por lógica de Estado. Tais
         obrigatoriamente que decorrer, é da mais ele-  ser. O que tem que ser dito sem receios do-  tradições, que enraizaram profundamente,
         mentar lógica perceber que, num país que é  gmáticos e sem branqueamentos meto-  nas comunidades ribeirinhas e marítimas,
         uma mediana economia europeia – e tem,  dológicos ou terminológicos, é que não faz  posturas institucionais de ser e de estar, têm
         portanto, por imperativo, o saber optimizar  sentido plantar um modelo estrangeiro numa  que ver com modelos integrados de exercício
         com profundidade e ciência os seus escassos  realidade que nenhuma afinidade com ele  de Autoridade em vastos espaços marítimos,
         recursos -, se poupará bastante mais utilizan-  encontra. Assumindo exemplos con-  e, precisamente, o aproveitamento do
         do uma estrutura regional e local (que é, aliás,  cretizáveis: alguém, mesmo em Bruxelas, con-  know-how largamente instalado. Tem que
         vasta) baseada em funcionários militares e  vencerá os franceses a deixarem de ter o Préfet  ver com ligações intrínsecas entre a autori-
         militarizados do que, em alternativa, somente  maritime, ou os italianos a deixarem de ter a  dade exercida no Mar (naval) e a autoridade
         civis. Como está, o actual Sistema da  Guardia Costiera (militares da Marinha com  (marítima) que tem que coexistir em terra, o
         Autoridade Marítima (SAM) envolve custos  tutela própria em sede dos Transportes) com  que implica, ainda, linguagem uniforme.
         anuais bastante significativos, aliás, de mon-  poderes acrescidos em matéria de vigilância,  Somente com tais conotações, é que se
         tantes tais que inviabilizam atitudes e análises  controlo, segurança da navegação e inspec-  percebem os elos processuais, e logicamente
         conjunturais. Estimativas apontam para gastos  ção? Ou, citando outros, convencer os bra-  sucedâneos, que existem em matéria de sinis-
         elevadíssimos em horas extraordinárias (ou  sileiros ou os americanos a afastarem as suas  tros marítimos (e inscrição marítima), de
         mecanismos jurídicos de isenção), se as  Marinhas do exercício da Autoridade Ma-  relatórios e protestos de mar (e tripulações), de
         autoridades marítimas locais se “extinguis-  rítima? A questão é clara, e responde-se por si.  actos soberanos de Estado (no acesso a águas
         sem”, tal como as conhecemos, e fossem  - Note-se bem. Apresentámos, propositada-  territoriais e na largada de navios dos portos),
         transferidas para estruturas de modelo-base  mente, exemplos de países que têm afinidades  de fiscalização da pesca (meios navais de
         civil. Afastou-se, logicamente, tal ideia.  marítimas com Portugal em termos de vastas  maior porte), do controlo local das frotas (e
           - Os estereótipos valem o que valem. Impor  áreas jurisdicionais, ao invés de se invocar,  registo patrimonial), e de polícia (na aplicabili-
         modelos orgânicos que, geneticamente, nada  como tem sido feito
         terão cultural, histórica ou socialmente a ver  insistentes vezes,
         com determinada Nação significa, aplicando  analogias inadequa-
         o termo de comparação – e com a necessária  das. E mais, argu-
         distância - a outras realidades, introduzir  mentámos com país-
         hábitos alimentares escandinavos em Itália,  es estruturalmente
         tradições musicais polacas em Espanha, cons-  poderosos  e econo-
         truções político-constitucionais britânicas na  micamente pujantes
         Grécia, esquemas jurídico-laborais ameri-  (todos eles estão en-
         canos na China, ou, mesmo, fomentar a  tre as maiores 10
         arquitectura histórica da França à imagem da  economias do Mun-
         russa. A cópia, pela cópia, é método cientifi-  do), e não chamá-
         camente paupérrimo e, intelectualmente, pro-  mos à colação países
         fundamente medíocre. Não existindo os  medianos, embora
         cuidados prévios necessários (culturais, so-  sócio-economica-
         ciais, jurídico-estruturais e económicos), tam-  mente mais desen-
         bém assim poderia, hipoteticamente, ocorrer  volvidos que Portu-
         com a recuperação de modelos de exercício  gal. Isto, para respon-
         de autoridade do Norte da Europa e das Ilhas  der àquelas escanze-
         britânicas para os países do Sul, sem mais.  ladas ideias, tantas
           - Analisando, fria e neutralmente, tal afe-  vezes ofegantemente
         rição, teremos a seguinte conclusão: O que  atiradas a lume, de
         está em causa não é crítica alguma aos mode-  que o exercício da
         los de exercício de autoridade que existem da  Autoridade Marí-  Carta da Costa Oeste de Portugal, 1928 - Baías Históricas.

         16 JUNHO 2002 • REVISTA DA ARMADA
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