Page 198 - Revista da Armada
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Biblioteca Central da Marinha tima, através da Marinha, é coisa do passado,
constitui modelo anacrónico e desusado,
retrógrado e próprio de países e sociedades
subdesenvolvidas. Irónica confrontação,
quando as contestações se esbatem na
própria génese.
- Por outro lado, pouco adianta à discus-
são vir-se adensar que o perfil do modelo
americano, e o de Itália, é que as funções são
exercidas pela Guarda Costeira. Pois são, é
um facto. Mas estruturalmente a GC é de
Marinha, chefiada por almirantes, apenas
tendo uma tutela própria (Transportes e Co-
municações) e com uma inserção específica.
- Mas, ainda que assim não fosse. Existe um
parâmetro filosófico de análise, também ele
baseado em factos, que permite identificar o
porquê de certos modelos. França, Itália,
Regulamento Geral das Capitanias e Organização dos Serviços dos Indice Remissivo do Regulamento Brasil e Portugal (Espanha já não, uma vez
Departamentos Marítimos- 1892. das Capitanias - 1894. que abandonou o modelo na última década)
não mantêm, há séculos, a Marinha a exercer
- Atentas as necessidades, em períodos de Europa central para cima (e naqueles países do funções de autoridade marítima, por razões
tempo, em que a prestação de um serviço mundo para os quais, pelo fenómeno da colo- de mera conjuntura política ou de situacionis-
público como é a Autoridade Marítima tem nização, ele foi exportado). Nem o poderia mo histórico, mas por lógica de Estado. Tais
obrigatoriamente que decorrer, é da mais ele- ser. O que tem que ser dito sem receios do- tradições, que enraizaram profundamente,
mentar lógica perceber que, num país que é gmáticos e sem branqueamentos meto- nas comunidades ribeirinhas e marítimas,
uma mediana economia europeia – e tem, dológicos ou terminológicos, é que não faz posturas institucionais de ser e de estar, têm
portanto, por imperativo, o saber optimizar sentido plantar um modelo estrangeiro numa que ver com modelos integrados de exercício
com profundidade e ciência os seus escassos realidade que nenhuma afinidade com ele de Autoridade em vastos espaços marítimos,
recursos -, se poupará bastante mais utilizan- encontra. Assumindo exemplos con- e, precisamente, o aproveitamento do
do uma estrutura regional e local (que é, aliás, cretizáveis: alguém, mesmo em Bruxelas, con- know-how largamente instalado. Tem que
vasta) baseada em funcionários militares e vencerá os franceses a deixarem de ter o Préfet ver com ligações intrínsecas entre a autori-
militarizados do que, em alternativa, somente maritime, ou os italianos a deixarem de ter a dade exercida no Mar (naval) e a autoridade
civis. Como está, o actual Sistema da Guardia Costiera (militares da Marinha com (marítima) que tem que coexistir em terra, o
Autoridade Marítima (SAM) envolve custos tutela própria em sede dos Transportes) com que implica, ainda, linguagem uniforme.
anuais bastante significativos, aliás, de mon- poderes acrescidos em matéria de vigilância, Somente com tais conotações, é que se
tantes tais que inviabilizam atitudes e análises controlo, segurança da navegação e inspec- percebem os elos processuais, e logicamente
conjunturais. Estimativas apontam para gastos ção? Ou, citando outros, convencer os bra- sucedâneos, que existem em matéria de sinis-
elevadíssimos em horas extraordinárias (ou sileiros ou os americanos a afastarem as suas tros marítimos (e inscrição marítima), de
mecanismos jurídicos de isenção), se as Marinhas do exercício da Autoridade Ma- relatórios e protestos de mar (e tripulações), de
autoridades marítimas locais se “extinguis- rítima? A questão é clara, e responde-se por si. actos soberanos de Estado (no acesso a águas
sem”, tal como as conhecemos, e fossem - Note-se bem. Apresentámos, propositada- territoriais e na largada de navios dos portos),
transferidas para estruturas de modelo-base mente, exemplos de países que têm afinidades de fiscalização da pesca (meios navais de
civil. Afastou-se, logicamente, tal ideia. marítimas com Portugal em termos de vastas maior porte), do controlo local das frotas (e
- Os estereótipos valem o que valem. Impor áreas jurisdicionais, ao invés de se invocar, registo patrimonial), e de polícia (na aplicabili-
modelos orgânicos que, geneticamente, nada como tem sido feito
terão cultural, histórica ou socialmente a ver insistentes vezes,
com determinada Nação significa, aplicando analogias inadequa-
o termo de comparação – e com a necessária das. E mais, argu-
distância - a outras realidades, introduzir mentámos com país-
hábitos alimentares escandinavos em Itália, es estruturalmente
tradições musicais polacas em Espanha, cons- poderosos e econo-
truções político-constitucionais britânicas na micamente pujantes
Grécia, esquemas jurídico-laborais ameri- (todos eles estão en-
canos na China, ou, mesmo, fomentar a tre as maiores 10
arquitectura histórica da França à imagem da economias do Mun-
russa. A cópia, pela cópia, é método cientifi- do), e não chamá-
camente paupérrimo e, intelectualmente, pro- mos à colação países
fundamente medíocre. Não existindo os medianos, embora
cuidados prévios necessários (culturais, so- sócio-economica-
ciais, jurídico-estruturais e económicos), tam- mente mais desen-
bém assim poderia, hipoteticamente, ocorrer volvidos que Portu-
com a recuperação de modelos de exercício gal. Isto, para respon-
de autoridade do Norte da Europa e das Ilhas der àquelas escanze-
britânicas para os países do Sul, sem mais. ladas ideias, tantas
- Analisando, fria e neutralmente, tal afe- vezes ofegantemente
rição, teremos a seguinte conclusão: O que atiradas a lume, de
está em causa não é crítica alguma aos mode- que o exercício da
los de exercício de autoridade que existem da Autoridade Marí- Carta da Costa Oeste de Portugal, 1928 - Baías Históricas.
16 JUNHO 2002 • REVISTA DA ARMADA