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A MARINHA DE D. MANUEL (26)



                   A esquadra de Vicente Sodré
                   A esquadra de Vicente Sodré




               regresso a Lisboa em 1503 da  portugueses da época), cuja sede era no  ganância das pilhagens, dispensando-se da
               esquadra de Vasco da Gama foi  interior da Península Industânica. A bacia  defesa da feitoria portuguesa de Cochim e
         Oatormentado por episódios diver-  do rio Kaveri (e especialmente o seu delta),  do rei que a protegia. É assunto para uma
         sos que retardaram a viagem e causaram  que corre desde os Gates Ocidentais até à  melhor investigação histórica, observando
         enormes perdas humanas. Como já se  costa do Coromandel, alimentava todo o  outras fontes e tentando entender as
         disse, os navios alcançaram Moçambique a  sul da Índia, nomeadamente o Malabar,  acusações dos cronistas em função da
         12 de Abril, sem problemas de vulto,  onde passavam outras mercadorias que  política do momento. Mas, para além deste
         graças a uma derrota mais directa e curta  interessavam ao Vijayanagar.   incidente menos esclarecido, o que é facto
         do que aquelas que era costume tomar                                     é que os cinco navios de Vicente Sodré
         no Oceano Índico. A frota estava em                                      saíram da Índia, em direcção ao Mar
         muito mau estado e impunham-se                                           Vermelho, passaram por Socotorá e
         reparações profundas para as quais não                                   Guardafui e foram parar numa costa
         havia capacidade na região. Apesar de                                    onde tencionavam invernar, e esperar
         tudo alguns navios foram varados,                                        pela monção favorável para regressar à
         enquanto as naus São Gabriel e Santo                                     Índia. Gentes da terra, recomendaram a
         António foram despedidas à frente para                                   Vicente Sodré que não deixasse ali os
         anunciarem em Lisboa o êxito da                                          navios porque, nessa altura do ano era
         viagem. A 28 de Abril tenta sair para o                                  frequente ventarem temporais de norte
         mar, mas tem de regressar a Moçam-                                       que tudo destruíam. O Capitão não
         bique devido a avarias de vulto. Decide                                  acreditou. Pensou que estavam a tentar
         que os navios de Fernão Lourenço e                                       afastá-lo das presas que vinham de
         Luís Fernandes devem seguir de ime-                                      Calecut ou de Ormuz. Dentro de pouco
         diato para Lisboa e tenta recuperar as                                   tempo veio o tal temporal que destruiu
         avarias como pode. Os abastecimentos                                     completamente os navios de Vicente e
         escasseavam e não havia grande                                           Braz Sodré. Apenas sobreviveram as
         possibilidade de reabastecer com segu-                                   duas caravelas e uma nau, que regres-
         rança, mais do que água, e uma ou                                        saram à Índia, onde já estava Afonso de
         outra iguaria insuficiente para a                                        Albuquerque, partido de Lisboa em
         guarnição numerosa. A 20 de Maio                                         Março de 1503.
         tenta sair outra vez, mas em vão. Só a                                    Aliás, os navios que tinham saído de
         16 de Junho partem três navios, seguin-                                  Moçambique, de acordo com o relato
         do-se os restantes sete, a 22 de Junho.                                  de Tomé Lopes, que já foi referido em
           Entretanto, tinha ficado na Índia a                                    números anteriores, saiu de Moçam-
         pequena frota de três naus e duas ca-                                    bique a 16 de Junho, navegando com
         ravelas, comandadas por Vicente Sodré,                                   bordos alternados a terra e ao mar, até
         cuja missão era a de ajudar o rei de                                     que se levantou um temporal, numa
         Cochim, caso fosse atacado pelo                                          zona que pensaram ser já o Cabo das
         Samorim, seguindo, quando fosse pos-  Afonso de Albuquerque.             Agulhas. A Leitoa Nova (Nau) andara
         sível, para a entrada do Mar Vermelho,                                   perdida e chegava agora à fala com
         onde daria caça às naus de mouros. Do  Mas a esquadra de Vicente Sodré,  eles dizendo que tinha avistado naus que
         que nos legam as crónicas, o fim desta  depois deste primeiro saque nos navios do  vinham de Portugal para a Índia. Pouco
         esquadra não foi feliz, mas as versões dos  Samorim preparou-se para zarpar em  tempo depois, avistaram eles dois navios
         acontecimentos divergem nalguns pontos,  direcção ao Mar Vermelho. Segundo  que souberam ser da esquadra comanda-
         levando-me a crer que alguns relatos estão  Barros, foi o capitão avisado de que o rei  da por Afonso de Albuquerque. A eles de-
         marcados pela paixão de quem quer fazer  de Calecut se preparava para atacar  ram todas as informações que puderam,
         dos acontecimentos uma lição moral. De  Cochim, e dispôs-se a ajudá-lo, mas este  sobre a Índia, receberam dois sacos de
         acordo com João de Barros, essa esquadra  escusou a ajuda, alegando que a monção  biscoito, e souberam do nascimento do
         esteve no Malabar aprisionando quatro  estava próxima e qualquer ataque só viria  príncipe D. João, aquele que viria a ser
         navios de Calecut, carregadas com arroz e  depois de passado o período de invernia:  D. João III. Da missão desses navios de
         outros mantimentos. Deve dizer-se que o  que partisse pois, para o Mar Vermelho  Albuquerque, saídos de Lisboa em
         arroz era uma mercadoria com um valor  que ali não faria falta até ao final das chu-  Março, falaremos noutro número, mas
         estratégico elevado, na medida em que era  vas. Damião de Góis, no entanto descreve  da esquadra de Vasco da Gama importa
         a base da alimentação das populações e  o acontecimento com severas críticas a  referir que chegou a Lisboa com menos
         não se produzia na zona costeira, onde  Sodré, por não ter ficado em Cochim a  um navio, depois de muitas dificuldades
         estavam os reinos de Cochim e Calecut.  defender um rei que tão amigo de Portugal  relacionadas com escasses de mantimen-
         Tanto quanto se sabe, a sua produção em  se veio a revelar e que, por isso, tão mal-  tos e mau estado dos navios.
         quantidade era feita na bacia do rio contro-  tratado foi, sem que o socorressem as prin-
         lada pelo reino de Vijayanagar (o reino de  cipais forças que estavam na Índia.           J. Semedo de Matos
         Bisnaga, como aparece referido em relatos  Segundo ele, Vicente Sodré partiu com a                CFR FZ

         14 JUNHO 2002 • REVISTA DA ARMADA
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