Page 234 - Revista da Armada
P. 234

A MARINHA DE D. MANUEL (27)



             Chegam à Índia os Albuquerques
             Chegam à Índia os Albuquerques




              m Março de 1503, duas esquadras  ritório indiano foi, certamente, dada pelo  léguas por esteiros e ribeiras, em paraus e
              aprontam-se no Tejo, com destino à  rei D. Manuel aos dois primos, mas o facto  batéis com alguma artilharia, e sem que
         EÍndia. Uma delas é comandada por  de Francisco ter chegado primeiro, e ter  ninguém os detectasse. Chegaram ainda
         Afonso de Albuquerque, figura que  conseguido desbaratar as tropas do  antes do nascer do Sol, e conseguiram
         tomará um extraordinário protagonismo a  Samorim, deu-lhe uma vantagem que não  desembarcar quase sem resistência, des-
         partir de 1509, e que irá colher nesta altura  quis perder. Afonso de Albuquerque só  troçando os seus inimigos. Contudo, já
         algumas das mais preciosas informações  chegou quinze dias depois, restando-lhe  com o dia claro, o Samorim mandou re-
         com que foi preparada a estratégia de  ajudar à construção, com o azedume e  forços e quase cercou uns quantos por-
         domínio do Oceano Índico. A outra tinha  mau humor de quem tinha perdido uma  tugueses que tardaram a reembarcar.
         como capitão Francisco de Albuquerque,  primeira batalha.             Valeu ali a decisão e coragem de Duarte
         primo do primeiro e tão ansioso quanto                                   Pacheco, que os susteve até que voltas-
         ele para desempenhar um papel deter-                                     sem a desembarcar os que já tomavam
         minante na nova aventura portuguesa.                                     o caminho de regresso.
         À partida eram duas esquadras com                                         O objectivo do Samorim de Calecut
         comandos separados e autonomia para                                      era manter os portugueses ocupados,
         desempenharem a sua missão sem                                           sem que (efectivamente) conseguissem
         qualquer subordinação mútua, e isso                                      carregar os navios com especiaria, e
         mesmo leva a que o aprontamento mais                                     atrasando-os até os fazer cair na arma-
         rápido por parte de Afonso permita que                                   dilha da monção. A partir dos finais de
         abandone o Tejo uma semana antes de                                      Janeiro já não conseguiriam sair da
         seu primo. Saiu a 6 de Março com três                                    Índia, e ficariam à sua mercê, sem abri-
         navios, um deles comandado por                                           go e sem abastecimento. Para isso, co-
         Duarte Pacheco Pereira, outra figura                                     meçou por bloquear os acessos do inte-
         notável da História da Expansão, de                                      rior a Cochim – dificultando que a
         que voltaremos a falar. Todavia, quis a                                  pimenta aí chegasse em quantidade – e
         ironia do destino que fosse Francisco o                                  foi promovendo acções dilatórias que
         primeiro a chegar à Índia, encontrando                                   empatavam tempo. Chegou a propor a
         ao largo do Monte de Eli os três navios                                  paz, que foi aceite pelos dois capitães,
         (duas caravelas e uma nau) que                                           mas quebrou-a logo que se viu con-
         restavam da esquadra de Vicente Sodré                                    frontado com o cumprimento das con-
         e a nau Santa Cruz, que pertencera à                                     trapartidas exigidas. Entretanto Afonso
         armada de Vasco da Gama, mas                                             de Albuquerque recebeu informação da
         perdera a monção para atravessar para                                    rainha de Coulão, de que estava inte-
         a Índia, no ano anterior. Com eles foi                                   ressada em abastecer os portugueses de
         até Cananor, onde soube do que se pas-                                   pimenta e propor-lhes amizade. Para aí
         sara em Cochim, na ausência dos por-                                     se deslocou com dois navios que car-
         tugueses, rumando imediatamente para                                     regou em pouco tempo, e conseguindo
         lá. Com facilidade recuperou a situação,  As armadas de 1503: Afonso de Albuquerque, Francisco de  um tratado que permitiu o estabele-
         rechaçando o exército do Samorim dos  Albuquerque e António Saldanha.    cimento de uma feitoria, onde ficou
         principais redutos à volta da cidade, e                                  António de Sá, com uns quantos oficiais.
         repondo o Rajá no seu trono. A região é  A fortaleza ficou pronta em Outubro,  Coulão não tinha comunidade residente
         constituída por esteiros baixos, a delimitar  recebeu o nome de D. Manuel, e foi inau-  muçulmana, talvez estivesse fora do cir-
         grandes zonas pantanosas, onde não é pos-  gurada com grande pompa, na presença  cuito tradicional das especiarias controlado
         sível entrar com navios de alto bordo, de  do Rajá, que assistiu à missa celebrada por  por Calecut, e via grande vantagem numa
         forma que artilharia mais ligeira foi passa-  um padre franciscano. Foi devidamente  aliança com uma potência estrangeira
         da para pequenos batéis, e os portugueses  guarnecida de artilharia e abastecimentos,  (como era Portugal). Provavelmente, foi em
         utilizaram esse meio para atacar os locais  para, de imediato, ser retomada a guerra  Coulão que Albuquerque obteve muitas
         distantes. O Samorim ainda conseguiu  com os de Calecut, que ainda resistiam  informações sobre a distribuição dos
         organizar uma tentativa de contra-ataque,  nalguns pontos da região lagunar. Os cro-  poderes políticos na Península Indostânica:
         com o auxílio de paraus (pequenas em-  nistas não são unânimes no relato dos por-  o que era o grande reino do Vidjayanagar,
         barcações da Índia), mas não lhe foi pos-  menores dessa fase dos combates, supon-  os sultanatos do Decão e do Guzerat, as
         sível contrariar o ímpeto dos portugueses.  do eu que foram uma constante da pre-  dependências de mercadorias fundamen-
         Aclamados e respeitados por todos os que  sença em Cochim, nesse ano de 1503, mas  tais, etc. Informações que chegaram a
         se tinham mantido fiéis ao Rajá de  há algumas descrições que são comuns,  Lisboa em 1504 e possibilitaram os reajus-
         Cochim, criou-se para eles uma onda de  resultando, talvez, do impacte que tiveram  tamentos estratégicos que levaram à
         simpatia, que pareceu oportuna a Fran-  e da marca que deixaram na memória dos  nomeação de um vice-rei da Índia em 1505.
         cisco de Albuquerque, para propor a cons-  protagonistas. Uma das incursões que  Mas falaremos disso a seu tempo.
         trução de uma pequena fortaleza, de  aparece descrita com mais frequência
         madeira, na entrada da barra. A missão de  conta como os portugueses saíram durante      J. Semedo de Matos
         tentar erigir essa primeira fortaleza em ter-  a noite, percorrendo um caminho de seis            CFR FZ

         16 JULHO 2002 • REVISTA DA ARMADA
   229   230   231   232   233   234   235   236   237   238   239