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A MARINHA DE D. MANUEL (27)
Chegam à Índia os Albuquerques
Chegam à Índia os Albuquerques
m Março de 1503, duas esquadras ritório indiano foi, certamente, dada pelo léguas por esteiros e ribeiras, em paraus e
aprontam-se no Tejo, com destino à rei D. Manuel aos dois primos, mas o facto batéis com alguma artilharia, e sem que
EÍndia. Uma delas é comandada por de Francisco ter chegado primeiro, e ter ninguém os detectasse. Chegaram ainda
Afonso de Albuquerque, figura que conseguido desbaratar as tropas do antes do nascer do Sol, e conseguiram
tomará um extraordinário protagonismo a Samorim, deu-lhe uma vantagem que não desembarcar quase sem resistência, des-
partir de 1509, e que irá colher nesta altura quis perder. Afonso de Albuquerque só troçando os seus inimigos. Contudo, já
algumas das mais preciosas informações chegou quinze dias depois, restando-lhe com o dia claro, o Samorim mandou re-
com que foi preparada a estratégia de ajudar à construção, com o azedume e forços e quase cercou uns quantos por-
domínio do Oceano Índico. A outra tinha mau humor de quem tinha perdido uma tugueses que tardaram a reembarcar.
como capitão Francisco de Albuquerque, primeira batalha. Valeu ali a decisão e coragem de Duarte
primo do primeiro e tão ansioso quanto Pacheco, que os susteve até que voltas-
ele para desempenhar um papel deter- sem a desembarcar os que já tomavam
minante na nova aventura portuguesa. o caminho de regresso.
À partida eram duas esquadras com O objectivo do Samorim de Calecut
comandos separados e autonomia para era manter os portugueses ocupados,
desempenharem a sua missão sem sem que (efectivamente) conseguissem
qualquer subordinação mútua, e isso carregar os navios com especiaria, e
mesmo leva a que o aprontamento mais atrasando-os até os fazer cair na arma-
rápido por parte de Afonso permita que dilha da monção. A partir dos finais de
abandone o Tejo uma semana antes de Janeiro já não conseguiriam sair da
seu primo. Saiu a 6 de Março com três Índia, e ficariam à sua mercê, sem abri-
navios, um deles comandado por go e sem abastecimento. Para isso, co-
Duarte Pacheco Pereira, outra figura meçou por bloquear os acessos do inte-
notável da História da Expansão, de rior a Cochim – dificultando que a
que voltaremos a falar. Todavia, quis a pimenta aí chegasse em quantidade – e
ironia do destino que fosse Francisco o foi promovendo acções dilatórias que
primeiro a chegar à Índia, encontrando empatavam tempo. Chegou a propor a
ao largo do Monte de Eli os três navios paz, que foi aceite pelos dois capitães,
(duas caravelas e uma nau) que mas quebrou-a logo que se viu con-
restavam da esquadra de Vicente Sodré frontado com o cumprimento das con-
e a nau Santa Cruz, que pertencera à trapartidas exigidas. Entretanto Afonso
armada de Vasco da Gama, mas de Albuquerque recebeu informação da
perdera a monção para atravessar para rainha de Coulão, de que estava inte-
a Índia, no ano anterior. Com eles foi ressada em abastecer os portugueses de
até Cananor, onde soube do que se pas- pimenta e propor-lhes amizade. Para aí
sara em Cochim, na ausência dos por- se deslocou com dois navios que car-
tugueses, rumando imediatamente para regou em pouco tempo, e conseguindo
lá. Com facilidade recuperou a situação, As armadas de 1503: Afonso de Albuquerque, Francisco de um tratado que permitiu o estabele-
rechaçando o exército do Samorim dos Albuquerque e António Saldanha. cimento de uma feitoria, onde ficou
principais redutos à volta da cidade, e António de Sá, com uns quantos oficiais.
repondo o Rajá no seu trono. A região é A fortaleza ficou pronta em Outubro, Coulão não tinha comunidade residente
constituída por esteiros baixos, a delimitar recebeu o nome de D. Manuel, e foi inau- muçulmana, talvez estivesse fora do cir-
grandes zonas pantanosas, onde não é pos- gurada com grande pompa, na presença cuito tradicional das especiarias controlado
sível entrar com navios de alto bordo, de do Rajá, que assistiu à missa celebrada por por Calecut, e via grande vantagem numa
forma que artilharia mais ligeira foi passa- um padre franciscano. Foi devidamente aliança com uma potência estrangeira
da para pequenos batéis, e os portugueses guarnecida de artilharia e abastecimentos, (como era Portugal). Provavelmente, foi em
utilizaram esse meio para atacar os locais para, de imediato, ser retomada a guerra Coulão que Albuquerque obteve muitas
distantes. O Samorim ainda conseguiu com os de Calecut, que ainda resistiam informações sobre a distribuição dos
organizar uma tentativa de contra-ataque, nalguns pontos da região lagunar. Os cro- poderes políticos na Península Indostânica:
com o auxílio de paraus (pequenas em- nistas não são unânimes no relato dos por- o que era o grande reino do Vidjayanagar,
barcações da Índia), mas não lhe foi pos- menores dessa fase dos combates, supon- os sultanatos do Decão e do Guzerat, as
sível contrariar o ímpeto dos portugueses. do eu que foram uma constante da pre- dependências de mercadorias fundamen-
Aclamados e respeitados por todos os que sença em Cochim, nesse ano de 1503, mas tais, etc. Informações que chegaram a
se tinham mantido fiéis ao Rajá de há algumas descrições que são comuns, Lisboa em 1504 e possibilitaram os reajus-
Cochim, criou-se para eles uma onda de resultando, talvez, do impacte que tiveram tamentos estratégicos que levaram à
simpatia, que pareceu oportuna a Fran- e da marca que deixaram na memória dos nomeação de um vice-rei da Índia em 1505.
cisco de Albuquerque, para propor a cons- protagonistas. Uma das incursões que Mas falaremos disso a seu tempo.
trução de uma pequena fortaleza, de aparece descrita com mais frequência
madeira, na entrada da barra. A missão de conta como os portugueses saíram durante J. Semedo de Matos
tentar erigir essa primeira fortaleza em ter- a noite, percorrendo um caminho de seis CFR FZ
16 JULHO 2002 • REVISTA DA ARMADA