Page 388 - Revista da Armada
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Caminho Para Um Espaço Ibérico de
Caminho Para Um Espaço Ibérico de
Exploração dos Recursos Vivos?
Exploração dos Recursos Vivos?
meio marinho tem constituído, nas considerando, de algum destrambelho insti- Marítima (AM), nomeadamente pela Polícia
últimas décadas, um dos fenómenos tucional. Marítima, é, desde logo, notificado para
Ofulcrais de preocupação de conce- De facto, é com crescente frequência que prestar declarações, sendo constituído argui-
ptores, legisladores e estrategas, quando estão chega ao conhecimento público que mais do, e bem assim para entregar caução que
em causa as várias tipologias de ofensas, uma embarcação de pesca espanhola foi garanta o pagamento da coima e custas que
ameaças e agressões que as tecnologias e os detectada em faina, ilegal, em águas sob lhe vierem a ser aplicadas em sequência do
apetites empresariais têm elencado e assu- soberania e/ou jurisdição nacionais. Pescar procedimento em causa; tal medida, claro
mido como prática. A garantia, técnico--cien- ilegalmente em tais áreas marítimas, significa, está, no caso do infractor querer largar o
tífica, de que o mar, como unidade de ele- quotidinamente mesmo, a detecção de porto. Em caso de não prestação da caução
mentos bio-químicos e minerais, integra o embarcações de pesca a arrastarem dentro determinada, a AM pode lançar mão de
núcleo fundamental dos elementos estruturais das 6 milhas, actuação proibida à luz do medidas mais gravosas como sejam a apreen-
do globo, e da Humanidade portanto, de enquadramento legislativo nacional, ou uti- são do meio que serviu a contra-ordenação
pouco tem servido face à voracidade das lizando artes e métodos de pesca não permiti- (embarcação) e demais artes de pesca, ou,
estatísticas dos lucros e dos ganhos socie- dos, ou, ainda, não detendo as autorizações e mais simplesmente, não permitindo que ela
tários. As estratégias empresariais de ganhos licenças juridicamente necessárias. Sobres- saia do porto. Nestas situações, o poder puni-
medem-se e esquematizam-se, com uma saem, de entre as embarcações infractoras, as tivo do Estado tem que ser, de facto, eficaz,
inusitada insistência, para os curtos e médios apelidadas de ”sugadoras”. O efeito aspirador pois não é de crer que o arguido venha a
prazos, em prejuízo de planificações mais causado por estas embarcações é grave, regressar ao local da infracção, ou mesmo a
delineadas, jurídica e ambientalmente contex- gravíssimo dir-se-á, pois além da depredação território nacional. É mesmo improvável. A
tualizadas, obrigando estas últimas, natural- dos recursos em si - vivos ou inertes -, acresce caução prestada, ou a embarcação apreendi-
mente, à assunção de maiores e mais rigo- uma devoração total do meio onde a faina é da à ordem do processo, pemitem – ainda
rosas obrigações e requisitos. realizada. Mais dramático que a pesca por que indirectamente - a obtenção de um resul-
A depredação de recursos piscícolas as- arrasto, já de si ofensiva, a actividade de tado típico num processo contra-ordena-
cende assim, provavelmente no mesmo exploração piscícola efectuada com embar- cional, que é o pagamento da coima e respe-
parâmetro de ofensa económica da poluição cações que utilizam aquele método extermina ctivas custas, sendo o infractor efectivamente
marítima, a factor de drama nacional cres- qualquer vestígio de vida subaquática, desi- sancionado, por punição legal.
cente, designadamente quando, em sede gnadamente o próprio sustento biológico dos - Diferentemente ocorre quando a infra-
sócio-política, se conjecturam e cogitam as seres marinhos, e, portanto, a linha evolutiva cção apenas é detectada, designadamente por
novas linhas de rumos futuros. E quanto a dos juvenis. meio aéreo, ou ainda quando os seus infra-
estes, quando se defendem doutrinas funda- Existe, neste quadro factual, um agrava- ctores conseguem recolher a águas espanho-
mentalistas da Europa Unida (nomeie-se mento de cariz processual: parte dos infrac- las antes de uma efectiva detenção. Nestas
assim, ou diferentemente), ou aqueloutros que tores não são nacionais (portugueses) mas situações, a AM vê-se confrontada com o
exasperam pela re-explosão de nacionalismos nacionais comunitários, normalmente oriun- fenómeno da morosidade processual: como o
de foro histórico-cultural. Horizontalmente, dos de Espanha, o que vem revelando, à capitão ou mestre da embarcação não são
em termos departamentais, e no respeitante à exaustão, a fragilidade do tecido jurídico detidos pelas autoridades, não existe hipótese
franca mitigação da Soberania a que se vem contra-ordenacional quando ocorre, por de exigir caução, nem, muito menos, ocorre
assistindo, a depredação de recursos vivos exemplo, a fuga dos prevaricadores. Frequen- qualquer tipo de apreensão, por impossibili-
assume elemento de particular relevo. temente, chegam à Direcção-Geral da Au- dade jurídica objectiva de activar mecanis-
Em tal contexto, os últimos factos co- toridade Marítima (DGAM) notas oriundas de mos administrativos via Estado espanhol. Se
nhecidos sobre ilícitos de pesca perpetrados diversas capitanias dos portos – sobretudo do em sede de direito penal strictu sensu é pos-
por embarcações espanholas em águas terri- Algarve - comunicando autos de contra- sível às autoridades nacionais de um país
toriais portuguesas suscitam uma variada -ordenação instaurados por violação de legis- solicitar, via carta rogatória, às autoridades
panóplia de apreensões, das quais, face à lação nacional da pesca, e sublinhando, judiciárias de um outro país o cumprimento
exiguidade de espaço, importa situar as mais amiúde, detecções em flagrante delito, situa- de uma decisão penal proferida num processo
relevantes, como sejam as dificuldades pro- ções de fuga com tentativas de abalroamento criminal, cfr. artigos 1º, nº1 alínea c), 104º,
cedimentais de inter-comunicabilidade das unidades navais, entre outras menções, 110º e seguintes da Lei nº 144/99, de
processual com as autoridades espanholas em como sejam patéticos atentados ao pudor e 31AGO, que aprovou o regime da coope-
caso de fuga do infractor, e os novos cami- cobardes demonstrações de mesquinhez ração judiciária internacional em matéria
nhos que a tecnologia marítima piscatória colectiva. Conseguindo, os infractores, esca- penal, podendo, se for caso disso (nesse
coloca ao serviço dos armadores. Ambas, par às autoridades (o que sucede frequen- Estado onde foi solicitada a colaboração judi-
necessariamente, ponderadas, num quadro de temente) e perpetrando a fuga para águas sob ciária em apreço) serem penhorados bens do
interrogação nacional. soberania e jurisdição espanholas, frusta-se, arguido que permitam o cumprimento das
O primeiro de tais temas é de tratamento assim, o cenário de eventual detenção do obrigações civis emergentes da responsabili-
assaz complexo, face à sua sensibilidade insti- capitão/mestre das mesmas, restando, ao dade criminal do arguido, o mesmo não
tucional e política. Tem ele a ver, essencial- Estado Português, o seguimento possível do sucede no âmbito contra-ordenacional. Em-
mente, com o facto dos nossos recursos vivos procedimento contra-ordenacional, votado, bora se tenha tentado e defendido uma outra
serem constantemente delapidados por necessariamente, a longos caminhos proces- via - a do tratado bilateral -, tal alternativa foi,
embarcações de pesca espanholas que, além suais e à eventualidade da prescrição jurídica. esperadamente aliás, inviabilizada em sede
de violarem a legislação nacional, infringem, Esquematizando: de negociações. O interesse no seu sucesso
de igual modo, legislação comunitária para o - Se o capitão ou mestre da embarcação for era, para uma das partes, entende-se, algo
sector piscícola, numa atitude, permita-se o efectivamente detido pela Autoridade reduzido!
26 DEZEMBRO 2002 • REVISTA DA ARMADA