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naval de oito horas, com 4º ANO: CURSO ALMIRANTE
as margens do Sena peja- SARMENTO RODRIGUES
das de gente. Seguir-se-ia
outra tirada de dez dias, Os alunos do quarto ano fizeram agora a sua
agora a caminho do Fun- última viagem de instrução antes de se distri-
chal, para uma última e buírem pelos diferentes navios para efectuarem
pequena estadia, antes os respectivos estágios, situação em que pro-
do regresso a casa. gressivamente irão ser integrados na profissão
Nesta altura os cade- que abraçaram e para a qual estão preparados
tes já tinham mais de um teoricamente. Por isso esta viagem está virada
mês de viagem. Nem se- para o desempenho das funções inerentes às
quer os assustava a ideia diferentes classes, com um especial empenho
de dez dias de mar, por- na parte operacional, com a realização de um
que era experiência que conjunto de exercícios navais que, neste caso
já tinham. Os serviços específico, foram complementados com a par-
corriam com um de- ticipação no treino (PTO) dos NRP “Bérrio” e
sembaraço que já não NRP “Álvares Cabral”.
O NE “Sagres” salvando a terra à saida de Rouen.
denotava a inexperiên- Para a realização desta viagem foi constituí-
de turistas visitaram Rouen durante o evento). cia, O olhar apurado para a estrelas ao cre- da a Task Group 443.09, constituída pelos NRP
Sendo o primeiro navio do percurso ribeirinho púsculo, a prática no manuseamento do sex- Sacadura Cabral e NRP Hermenegildo Capelo,
da festa , só lá não entrou quem, de todo, não tante, a coordenação com que uns e outros duas fragatas da classe “João Belo” cujo desem-
o conseguiu, porque a quantidade de gente a se entreajudavam para registar alturas de as- penho se adapta a estas circunstâncias, e permi-
bordo foi sempre imensa, começava a entrar tros, a arte de seguir o sol na passagem meri- te integrar os cadetes na actividade de um na-
depois da formatura matinal de serviços e pro- diana, tudo já parecia diferente dos primeiros vio de guerra, entendido como um sistema de
longava-se até às duas da manhã. dias de viagem. O mar ajudou bastante, mas armas que, em termos operacionais, se integra
Diz-nos o velho Larousse, produzido no sécu- a destreza e segurança com que subiam aos numa força naval onde é indispensável a coor-
lo XIX, num dos seus 15 volumes, que “a cidade mastros era, também outra. Havia que com- denação de esforços.
de Rouen está admiravelmente situada entre o pletar as instruções teóricas sobre os diversos Os cadetes destacaram para bordo a 23 de
mar, de onde lhe chegam os produtos, e a cida- serviços de bordo (esperava-os um teste final Junho, iniciando um período de instrução ainda
de de Paris, que os consome”. O acontecimento sobre essas matérias) e ainda houve tempo na Base Naval, com as adaptações necessárias
onde participou a Sagres, ao juntar mais de meia para completar o campeonato de futebol de à actividade de bordo e preparação dos exercí-
centena de navios de toda a parte (entre os quais convés, o torneio de xadrez, o campeonato de cios que iriam decorrer no mar, nas duas sema-
numerosos veleiros de grande porte) faz reviver sueca e outras actividades que vão ajudando nas que se seguiriam. Saíram do Alfeite a 30 de
os velhos tempos – anteriores ao caminho de a passar o tempo muito especial de um navio Junho com o objectivo de participar no Plano
ferro de Havre até Paris e às modernas vias de a navegar à vela. de Treino Operacional do “Bérrio” e da “Álvares
comunicação, como a auto-estrada – Cabral” e tendo como próximo porto
em que numerosos navios ali vinham de acostagem, o Funchal. Foi o período
atracar, para despejar os seus produtos, de adaptação e integração mais com-
para uma região extremamente povo- plexo, não só pelas responsabilidades
ada, onde se viveram dos mais impor- que os exercícios impunham quer pela
tantes momentos históricos da Europa dificuldade de entrosamento com as
Ocidental. Era pois uma das mais im- guarnições que lhes eram desconhe-
portantes portas da grande cidade das cidas. Todavia, a partir da pequena es-
luzes que é Paris tadia no Funchal (5 a 7 de Julho) as
A estadia em Rouen foi, sem som- dificuldades estavam resolvidas sen-
bra de dúvida, um dos momentos do notório o crescente rendimento da
mais altos de toda a viagem, mar- instrução, com cada vez mais à-von-
cando os cadetes pelo acolhimento tade na participação nos exercícios e
que receberam de toda a população, até na forma como faziam o briefing
pelo permanente ambiente de festa diário, onde era explicada, por cada
que ali se viveu durante estes dias, e grupo nomeado, a actividade do na-
pela relação que se estabeleceu com Exercício de reabastecimento. vio nesse dia e o planeamento do dia
a comunidade portuguesa emigrante, seguinte. A TG 443.09 atracou em Por-
que entrava à prancha e beijava o convés do Depois de uma curta estadia no Funchal, o timão a 11 de Julho e aí permaneceria até ao dia
navio a pensar na sua terra natal. Gente simples regresso a Lisboa foi vivido com a ansiedade 13, data em que largava em direcção em Lisboa
que em tempos deixou Portugal em busca de própria de quem já tem vontade de rever a fa- para terminar a viagem que pecou apenas por
vida melhor, olhava para aquele bocadinho da mília e reencontrar os lugares que lhe são mais ter sido demasiado curta para consolidar os co-
sua pátria, mostrando-o aos seus amigos fran- queridos. Apesar de tudo ainda houve tempo nhecimentos e as técnicas adquiridas durante
ceses, como se de uma jóia se tratasse. Uma para passar em Sagres no dia 24 de manhã uma actividade que foi, sem dúvida, bastante
jóia esquecida que, talvez, nem conhecessem, prestando as honras devidas pela Ordenança intensa. Antes mesmo de entrar em Lisboa, es-
mas que naquele momento era a sua jóia mais do Serviço Naval, para viagens de instrução perava-os um exercício complexo de multiame-
preciosa, o sinal da sua grandeza e a razão de de cadetes, ferrando-se todo o pano a preceito aça (Weekly War) integrado no PTO da Álvares
um orgulho que lhes faz tanta falta como os para entrar a barra do Tejo no dia 25 de ma- Cabral, onde já era evidente a evolução do de-
meios de subsistência na terra onde muitos ti- nhã. Estava cumprida a mais longa viagem de sempenho dos cadetes. Tinham feito 281 horas
veram de comer o pão que o diabo amassou, instrução que este ano foi possível fazer com de navegação, com 2989 milhas percorridas e
para poderem sobreviver ou para realizarem o cadetes da Escola Naval, uma viagem que, sem com numerosos exercícios efectuados.
sonho com que daqui partiram. À largada – a 6 sombra de dúvida, os trouxe muito mais “ma- Z
de Julho – havia lágrimas no cais e a bordo. Os rinheiros” e muito mais aptos para enfrentar o J. Semedo de Matos
navios seguiriam num impressionante desfile futuro profissional que os espera. CFR FZ
REVISTA DA ARMADA U SETEMBRO/OUTUBRO 2003 9