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A Lenda e o Mito
A Lenda e o Mito
3. Thomas Stephens
A
galera Thomas Stephens foi construí-
da pelos estaleiros William H. Potter
& Co., em Liverpool, para os arma-
dores Black Ball Line e Thomas Stephens Arquivo CTEN António Gonçalves
& Sons. Com o casco pintado de cinzen-
to, típico da Black Ball Line, foi lançada à
água em Julho de 1869, sendo por todos
considerado o melhor navio de passagei-
ros do seu tempo.
Coube ao Captain Richards, o primeiro
comandante do navio, que havia coman-
dado o Donald Mackay (1), acompanhar
toda a construção, bem como os delicados
e exigentes acabamentos dos interiores.
Inicialmente, a armação em galera con-
templava apenas uma vela de joanete em
cada mastro, passando, mais tarde, a dis-
por de joanetes partidos (2).
Tratando-se de um navio com o casco
em ferro, muito dispendioso para a época, O Thomas Stephens navegando à vela.
os armadores detinham apenas um terço
do capital aplicado. O restante encontra- passarem a dispor de melhores condições Hobson(4) mais de cinquenta veleiros, sem
va-se na posse dos investidores da Baines de vida a bordo, sendo criadas quatro gran- tripulação suficiente para poderem iniciar a
& Mackay. No entanto, fruto de interesses des classes de conforto, que iam ao encon- árdua viagem de regresso a Inglaterra, feita
vários, o Thomas Stephens começou por tro das capacidades económicas de todos pelo cabo Horn.
navegar, não com a bandeira do armador, os passageiros. Toda esta conjuntura é tanto mais facil-
mas, como navio da London Line of Austra- Por seu turno, a penosa viagem que nos mente compreendida, se nos recordarmos
lian Packets, rivalizando, no transporte de antigos navios era feita em cerca de cinco que em Inglaterra se viviam tempos difíceis,
passageiros, mercadorias e correio, com o meses, passou a ser cumprida em menos fruto de uma industrialização crescente. Por
Tweed, pertencente à White Star Line, do de três, logo que foi instituída a prática da isso, quando o Phoenician, da White Star
Captain George Thompson. derrota ortodrómica (3), entre o Atlântico Line, chegou a Londres em 1852, transpor-
A descoberta de ouro na Austrália em Sul e a Austrália, tendo como latitude limi- tando ouro no valor de mais de 81.000 li-
1851 levou milhares de pessoas a emi- te, por razões de comodidade e seguran- bras, a notícia espalhou-se como um rasti-
grar, tendo este fenómeno tornado a liga- ça, os 50º S. lho. A acreditar na descrição de um jornal
ção alta mente lucrativa para os armadores, Este êxodo em massa favoreceu também coevo, parecia não existirem navios sufi-
obrigando-os mesmo a investir na aquisi- o advento do transporte de correio e mer- cientes em Liverpool, que pudessem trans-
ção de navios de passageiros, até aí quase cadorias, com alguns armadores a garan- portar todos quantos almejavam partir.
inexis tentes. Sem tempo para proceder à tirem a respectiva entrega num prazo de De facto, até 1857, em apenas cinco
sua construção em estaleiros ingleses, mui- 68 dias, comprometendo-se a pagar uma anos, partiram para a Austrália mais de
tos optaram por os adquirir ou alugar nos indemnização de 100 libras por cada dia 250.000 emigrantes, entre eles 100.000
Estados Unidos. de atraso. ingleses, 60.000 irlandeses, 50.000 esco-
Dado o grande número de pessoas a Em 1852 chegaram à colónia de Victória ceses, 25.000 chineses, 8.000 alemães,
transportar, incluindo famílias inteiras com 102.000 colonos e Melbourne viu a sua po- 4.000 galeses, 3.000 americanos e 1.500
crianças, houve necessidade de os navios pulação passar de 23.000 para 70.000 ha- franceses.
bitantes. Devido Esgotado ao fim de poucos anos o ouro de
à febre do ouro, aluvião, os colonos, muitos deles de origem
os comandantes rural, optaram por permanecer na Austrália.
viram-se con- Com as mais-valias realizadas adquiriram
frontados com as suas próprias terras, estabelecendo-se
o abandono dos no interior como agricultores e criadores de
navios pelas res- gado. Esta última actividade veio proporcio-
pectivas tripula- nar, duas décadas mais tarde, a produção
Arquivo CTEN António Gonçalves
ções, logo que de enormes quantidades de lã, transportada
chegados à Aus- para Inglaterra a bordo dos veleiros.
trália. Para se ter Foi este contexto socio-económico que
uma ideia das di- conduziu à construção dos novos navios
ficuldades, bas- de passageiros e mercadorias, incluindo o
ta enunciar que Thomas Stephens.
em Junho desse A sua primeira viagem teve início no dia
ano, encontra- 24 de Setembro de 1869, transportando
vam-se fundea- passageiros para Melbourne, aonde che-
O Thomas Stephens, o Cairnbulg, o Brilliant e a Cutty Sark fundeados em Sidney. dos na baía de gou a 15 de Dezembro, ao fim de 82 dias.
12 JUNHO 2005 U REVISTA DA ARMADA