Page 353 - Revista da Armada
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• Juízes militares para os Tribunais da Re-  Tribunal Militar por crimes essencialmen-  criminais de âmbito civil. As particularidades
         lação de Lisboa e Porto - contra-almirantes e  te militares, a tipologia de crimes levados a  e diferenças de relevo que se podem assinalar
         majores-generais na reserva (dois por ramo  julgamento, obviamente, ficou restringida,  residem no facto da acusação ter a denomina-
         e dois da GNR).                    sendo os crimes mais comuns, entre outros,  ção de libelo acusatório, buscando reminiscên-
           • Juízes militares para os Tribunais judiciais  a deserção, o furto de material de guerra -  cias no velho Código de Processo Penal (CPP)
         de 1.ª Instância (Lisboa e Porto)- capitães-de-  normalmente armas –, o incumprimento de  de 1929, da contestação poder ser apresentada
         -mar-e-guerra e coronéis no activo ou na re-  ordem de marcha, o abandono de posto e a  até à data da audiência e julgamento, devendo
         serva (dois por ramo e dois da GNR).  embriaguez em serviço. Neste período algu-  ser lida pelo defensor no início da mesma, e da
           De referir que as nomeações devem recair,  mas das penas mais gravosamente aplicadas  leitura da decisão final (acórdão) assumir, essa
         de preferência, em oficiais possuidores da li-  foram 10 anos de presídio militar por furto de  sim, um carácter formal e totalmente diverso
         cenciatura em Direito. Esta norma foi motivo  arma de guerra e deserção em 1993 pratica-  do que se passa nos tribunais civis. Com efei-
         de alguma discussão prévia, tendo prevale-  do por praça, 12 anos por infidelidade militar  to, quanto a este último aspecto, o acórdão era
         cido a ideia de que a habilitação com o curso  em 2002 praticado por sargento e 8 anos por  lido pelo juiz auditor, perante uma sala que se
         de Direito, é ideal, mas não essencial, pois a  peculato e deserção em 2004 praticado por  encontrava solenizada, com os juízes militares
         mais valia do juiz militar é trazer ao colectivo  oficial (este processo transitou para as varas  formando de espada na posição de apresen-
         um melhor conhecimento dos valores, da rea-  criminais de Lisboa por se encontrar ainda  tar armas, com todos os militares na sala em
         lidade das Forças Armadas e das operações  em fase de recurso).       sentido e com uma guarda de honra arma-
         militares, assim como dos interesses militares   Transitaram ainda para as 1.ª e 2.ª varas  da, constituída por Fuzileiros pertencentes à
         da defesa nacional. Neste sentido, a condição  criminais de Lisboa 61 processos que se en-  Polícia Naval, que formavam na retaguarda
         militar, a experiência e a formação militar ine-  contravam a aguardar a marcação de julga-  dos arguidos e que durante a leitura da deci-
         rentes aos altos postos militares legalmente  mento ou em fase de recurso. Pode ainda  são se perfilavam apresentando armas. Este
         exigidos, constituiriam condição necessária e  referir-se, a título de curiosidade estatística,  formalismo conferia um carácter muito sole-
         suficiente para o desempenho da função.  que os processos por crimes essencialmente  ne a essa fase de julgamento, sendo apreciada
           Finalmente e voltando à memória do Tri-  militares desde a sua entrada no TMM até ao  por todas as entidades civis que se cruzavam
         bunal Militar de Marinha, julga-se importan-  seu julgamento demoravam cerca de 3 meses  com a justiça militar, quer no tocante a advo-
         te referir alguns dados estatísticos e algumas  a estarem resolvidos, ou seja julgados, sem  gados, quer a outros civis que muitas vezes
         características dos julgamentos e do tribunal  embargo de eventual recurso para o Supremo  assistiam e participavam nos julgamentos do
         como espaço físico. Assim, com a extinção do  Tribunal Militar, onde demorariam, em mé-  TMM, quase sempre louvando no final esse
         TMM foram enviados para o Arquivo Central  dia, para serem julgados nesse tribunal cerca  formalismo solene, que não tinha par nos tri-
         de Marinha cerca de 3.500 processos que se en-  de 1 a 2 meses. Isto, obviamente, se o pro-  bunais criminais civis.
         contravam findos. O processo mais antigo que  cesso corresse a sua normal tramitação com   Por último o seu espaço físico; o TMM fun-
         foi enviado tinha a data do ano 1900. No en-  a notificação do arguido tanto da acusação,  cionava no Quartel de Alcântara, tendo no
         tanto, julga-se que na realidade entre esta data  como da data da marcação de julgamento, o  passado percorrido diversas instalações, entre
         e a extinção do TMM, foram julgados mais do  que nem sempre era possível devido ao facto  as quais se salientam o Quartel do Corpo de
         que este número de processos, uma vez que da  de não se conseguir encontrar o arguido para  Marinheiros (já citado), o edifício da Fábrica
         listagem enviada para o Arquivo Central, ape-  esse efeito, não se podendo fazer julgamen-  Nacional de Cordoaria e um edifício na Rua
         nas consta um único processo do ano 1900, e  tos à revelia como sucedia antes do Código  do Arsenal, que se julga coincidir com as ac-
         entre 1900 e 1905 nenhum processo se encon-  Penal de 1982, por tal procedimento estar ei-  tuais salas da Chefia do Serviço de Justiça,
         trava arquivado no TMM, o que indicia que  vado de inconstitucionalidade. Julga-se que  pelas pinturas antigas com motivos de justi-
                                                                                                 5
         já anteriormente teriam sido enviados para o  esta celeridade conseguida no passado se vai  ça militar, ali existentes ( ). A sala de audiên-
         Arquivo Central processos desse período de  perder, pois nas varas criminais de Lisboa e  cias do TMM era constituída por uma parte
         tempo. Só a partir de 1928 se encontravam ar-  Porto não vai ser possível cumprir com tem-  onde se encontravam as bancadas dos juízes,
         quivados no TMM o número real de processos  po tão exíguo de permanência do processo no  do promotor de Justiça e do defensor oficio-
         aí julgados. Com efeito, entre 1928 e 1977 fo-  tribunal em virtude dos processos, agora por  so, aí tendo, igualmente, lugar o secretário e
         ram julgados no TMM 1189 processos no âm-  crimes estritamente militares, entrarem para  adjunto, o meirinho e os arguidos (na nomen-
         bito do foro pessoal, ou seja, em que os crimes  o cômputo geral de todos os processos des-  clatura do CJM, tomando ainda a designa-
         julgados respeitavam a toda e qualquer con-  sas varas, não lhes sendo dada qualquer ou-  ção de réus, como sucedia no CPP de 1929),
         duta criminosa por parte dos militares, fosse  tra prioridade ou celeridade relativamente a  encontrando-se esta parte separada do resto
         ela de âmbito militar ou civil. Neste período o  outros aí existentes, dado não serem varas de  da sala, reservada ao público, por uma teia,
         tipo de crimes julgados era muito diversificado  competência especializada, que só tratassem  com acessos laterais para passagem. A sala do
         (v.g. deserção, ameaças a superior, furto, em-  desse tipo de processos militares. Este facto  TMM foi partilhada nos últimos anos pelo Tri-
         briaguez em serviço, homicídios, coligação e  irá, provavelmente, ter algumas implicações  bunal Marítimo para realização dos seus jul-
         insubordinação - relacionados com as denomi-  a nível da dissuasão e exemplo que uma pena  gamentos. O seu tecto forrado a madeira, de
         nadas revolta dos marinheiros no tempo da 1ª  disciplinar ou criminal encerra aos olhos da  onde pendem três grandes lustres e os azule-
         República - matrimónio ilegal, adultério, alicia-  comunidade castrense, ao nível da hierarquia,  jos que revestem as paredes, com passagens
         mento de emigração, crimes contra a organiza-  disciplina e coesão que devem presidir nas  relembrando a epopeia dos descobrimentos,
         ção do Estado - relacionados com insurreição  Forças Armadas.         constituem actualmente a memória do TMM.
         contra o poder instituído no tempo do Estado   Relativamente ao formalismo dos julga-  Espera-se que este pequeno artigo contribua,
         Novo). Neste período a pena mais gravosa  mentos realizados no TMM, aliás, como em  igualmente, para a sua preservação.
         aplicada foi de 17 anos de presídio militar por  todos os restantes Tribunais Militares, estes        Z
         homicídio voluntário e deserção praticado por  decorriam conforme as normas processuais   (Colaboração do EMA e CSJ)
         uma praça em 1976. Após o 25 de Abril de 1974  especiais estipuladas no respectivo Código   Notas
                                                                                 1  Entre outros, L. da Costa Correia, “Uma análise
         verificou-se o arquivamento de 321 processos  de Justiça Militar, aplicando-se, contudo, sub-
                                                                               da evolução do foro naval”, Anais do Clube Militar
         instaurados a partir de 1965, relativamente a  sidiariamente as normas da lei penal geral nos   Naval, JUL/SET 1973 e
         diversos crimes, como deserção, furto, abuso  aspectos técnico jurídicos não previstos no   Nuno Roque, “Estrutura da justiça militar”, Revis-
         de confiança, acidentes de viação, insubordi-  CJM, desde que não colidissem com os prin-  ta da Armada, MAR 2000
                                                                                 2  Costa Correia, in op. cit.
         nação e abandono de posto.         cípios da justiça castrense em vigor. Pode di-  3  Ibidem
           A partir de 1977, já no período do foro ma-  zer-se, que em termos formais, os julgamentos   4  Ibidem
         terial, em que os militares só respondiam em  ocorriam de forma idêntica aos dos tribunais   5  Nuno Roque, in op. cit.
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