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Sala de audiências. Últimas sessões do Tribunal - 2004.
O início da separação efectiva do foro civil material, pelo foro pessoal, que se manteve gnadamente, crimes de uso e porte de arma
do foro militar situa-se em 1763, com a apro- até ao CJM de 1977, i.e. a jurisdição militar de fogo, de associação de malfeitores, com pos-
vação do “Regulamento para a instrução e era competente para conhecer os crimes ou sibilidade de aplicação de penas de degredo
disciplina da infantaria e praças que cons- delitos de qualquer natureza, cometidos por para qualquer parte do território colonial.
tituem as barreiras do reino”. Este diploma militares, só pelo facto de o serem. Por fim, e após a revolução de 25 de Abril
compreendia os “Artigos de Guerra” e de- No final do século XIX entraram em vigor de 1974, a Constituição da República Portu-
terminava a constituição de “Conselhos de mais dois CJM. O primeiro em 1895 para o guesa (CRP) de 1976, implicou a necessidade
Guerra” nas unidades do Exército. Como Exército e que foi extensivo à Marinha, com a de remodelação da jurisdição militar, que se
exemplo, pode-se apresentar o “artigo de curiosidade de existir um “Conselho de Guer- veio a concretizar com a aprovação do CJM de
guerra” n.º 11.º - “Aquelle que faltar a entrar ra de Marinha”, antecessor do ac tual Tribunal 1977. A CRP referida foi o primeiro texto cons-
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de guarda, ou que for à parada, tão bêbado, que a de Marinha ( ); o segundo, em 1899, era uma titucional português a possuir uma norma so-
não possa montar, será castigado no dia sucessivo adaptação às particularidades da vida naval bre tribunais militares (“Compete aos tribunais
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com cincoenta pancadas de espada de prancha” ( ). e foi denominado “Código de Justiça da Ar- militares o julgamento dos crimes essencialmente
Aqueles “Artigos” são habitualmente apre- mada” (CJA). Aquele tribunal funcionava já militares” – n.º 1 do art. 218.º). Foi como que
sentados como os primeiros antecessores de em “(…) Lisboa (Quartel do Corpo de Marinhei- um regresso às origens, abandonando-se o
futuros Códigos de Justiça Militar. A partir ros), em edifício conveniente e salas apropriadas foro pessoal e colocando-se de novo a jurisdi-
desta data começou a vigorar o foro material, (…)” (art. 220.º do CJA) e era “composto de um ção militar no plano do foro material. Ao foro
i.e., era a natureza do crime e não a qualidade presidente com o posto de capitão de mar e guerra, militar passou a ser indiferente a qualidade
do seu agente, que determinava se este ficava um auditor (juiz togado, sem graduação mili- de agente do crime (um civil podia ser julga-
ou não sob a alçada da justiça militar. tar), um capitão de fragata, ou capitão tenente, do nos tribunais militares), mas é a natureza
Em relação à Marinha, julga-se provável um primeiro tenente e um segundo tenente” (art. deste mesmo crime que passa a contar (um
que os “artigos de guerra” do Exército lhe 221.º do CJA). Nesta altura existia ainda como militar que praticasse um delito comum seria
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tenham sido estendidos ( ). A separação ou sanção a pena de morte (“O condenado à pena julgado nos tribunais ordinários).
coincidência do foro naval com o restante foro de morte pelos tribunais da armada será fuzilado” As diversas críticas à existência de uma ju-
militar foi variando ao longo dos anos, tendo – art. 23.º do CJA), tendo sido abolida em 1911 risdição militar autónoma e a sua estigmati-
sempre como base a maior ou menor impor- com a implantação da República e reintrodu- zação junto de alguns sectores da sociedade,
tância da Marinha e do poder naval nacional zida durante a 1GG. relacionado com experiências históricas pas-
ao longo da história. Neste sentido e a título Após a unificação, em 1911, do processo pe- sadas, entre outras razões, levaram à revisão
de exemplo, pode-se sublinhar os seguintes nal para o Exército e a Armada, foi publicado, constitucional de 1997 e à ruptura com uma
momentos: criação do “Conselho do Almi- em 1925, um novo CJM que mantinha o foro tradição histórica de organização autónoma
rantado” em 1795, com dignidade de Tribu- pessoal. Desta forma, era atribuída à jurisdi- da jurisdição militar. Nesta revisão, que deu
nal Régio; unificação em 1808 do foro militar ção militar competência relativa a crimes es- origem ao novo CJM de 2004, foi suprimida a
através da criação do “Conselho de Justiça sencialmente militares, crimes simplesmente referência aos tribunais militares, como cate-
Supremo Militar” e sua substituição em 1822, ou acidentalmente militares e crimes de qual- goria de tribunal (art. 209.º), podendo ser cons-
para a Armada, pelo “Conselho de Marinha”, quer natureza (com limitadas excepções) co- tituídos apenas durante a vigência do estado
que em 1833 passou a “Supremo Tribunal de metidos por militares no activo, ou, de qual- de guerra, no caso de crimes de natureza es-
Marinha” e que em 1836 foi extinto, juntan- quer modo, em serviço, ou outras pessoas ao tritamente militar (art. 213.º) – de salientar que
do-se ao conselho do Exército e criando-se o serviço do Exército ou da Armada. alguns projectos de revisão pretendiam uma
“Supremo Conselho de Justiça Militar”. Antes de passar ao marco que foi o CJM de extinção total, para todas as circunstâncias.
Outro momento importante na evolução 1977, julga-se ser de realçar a fase do Estado Como consequência do novo n.º 3 do art.
do foro naval foi o ano de 1875, em que foi Novo (1933) e a sua importância para a esti- 211.º da CRP - “Da composição dos tribunais
promulgado o “Código de Justiça Militar para gmatização da justiça militar, que se afigura ter de qualquer instância que julguem crimes de
o Exército de Terra”, que não obstante a desig- contribuído para o fim, muitos anos depois, da natureza estritamente militar fazem parte um ou
nação, continha normas comuns à Marinha jurisdição militar em tempo de paz. O regime mais juízes militares, nos termos da lei” (repa-
e criava tribunais militares de instância, que então vigente caracterizou-se, em determina- re-se que se reduziu o âmbito ao passar-se
eram designados por “Conselhos de Guerra”, das fases, pelo recurso à justiça militar como do conceito de crimes essencialmente mili-
assim como o tribunal de última instância, forma de combate à “criminalidade política”. tares, para crimes de natureza estritamente
denominado “Tribunal Superior de Guerra Existiam tribunais militares especiais e outros militar), foram nomeados:
e Marinha”. Este Código, que já apresentava tribunais especializados com reduzidas ga- • Juízes militares para o Supremo Tribunal
grandes semelhanças com Códigos de Justi- rantias de defesa (tribunais plenários do Esta- de Justiça - vice-almirantes e tenentes-generais
ça Militar mais recentes, veio substituir o foro do Novo) com competência para julgar, desi- na reserva (um por ramo e um da GNR).
26 NOVEMBRO 2005 U REVISTA DA ARMADA