Page 352 - Revista da Armada
P. 352

Sala de audiências. Últimas sessões do Tribunal - 2004.
           O início da separação efectiva do foro civil  material, pelo foro pessoal, que se manteve  gnadamente, crimes de uso e porte de arma
         do foro militar situa-se em 1763, com a apro-  até ao CJM de 1977, i.e. a jurisdição militar  de fogo, de associação de malfeitores, com pos-
         vação do “Regulamento para a instrução e  era competente para conhecer os crimes ou  sibilidade de aplicação de penas de degredo
         disciplina da infantaria e praças que cons-  delitos de qualquer natureza, cometidos por  para qualquer parte do território colonial.
         tituem as barreiras do reino”. Este diploma  militares, só pelo facto de o serem.  Por fim, e após a revolução de 25 de Abril
         compreendia os “Artigos de Guerra” e de-  No final do século XIX entraram em vigor  de 1974, a Constituição da República Portu-
         terminava a constituição de “Conselhos de  mais dois CJM. O primeiro em 1895 para o  guesa (CRP) de 1976, implicou a necessidade
         Guerra” nas unidades do Exército. Como  Exército e que foi extensivo à Marinha, com a  de remodelação da jurisdição militar, que se
         exemplo, pode-se apresentar o “artigo de  curiosidade de existir um “Conselho de Guer-  veio a concretizar com a aprovação do CJM de
         guerra” n.º 11.º - “Aquelle que faltar a entrar  ra de Marinha”, antecessor do ac tual Tribunal  1977. A CRP referida foi o primeiro texto cons-
                                                      4
         de guarda, ou que for à parada, tão bêbado, que a  de Marinha ( ); o segundo, em 1899, era uma  titucional português a possuir uma norma so-
         não possa montar, será castigado no dia sucessivo  adaptação às particularidades da vida naval  bre tribunais militares (“Compete aos tribunais
                                        2
         com cincoenta pancadas de espada de prancha” ( ).  e foi denominado “Código de Justiça da Ar-  militares o julgamento dos crimes essencialmente
         Aqueles “Artigos” são habitualmente apre-  mada” (CJA). Aquele tribunal funcionava já  militares” – n.º 1 do art. 218.º). Foi como que
         sentados como os primeiros antecessores de  em “(…) Lisboa (Quartel do Corpo de Marinhei-  um regresso às origens, abandonando-se o
         futuros Códigos de Justiça Militar. A partir  ros), em edifício conveniente e salas apropriadas  foro pessoal e colocando-se de novo a jurisdi-
         desta data começou a vigorar o foro material,  (…)” (art. 220.º do CJA) e era “composto de um  ção militar no plano do foro material. Ao foro
         i.e., era a natureza do crime e não a qualidade  presidente com o posto de capitão de mar e guerra,  militar passou a ser indiferente a qualidade
         do seu agente, que determinava se este ficava  um auditor (juiz togado, sem graduação mili-  de agente do crime (um civil podia ser julga-
         ou não sob a alçada da justiça militar.  tar), um capitão de fragata, ou capitão tenente,  do nos tribunais militares), mas é a natureza
           Em relação à Marinha, julga-se provável  um primeiro tenente e um segundo tenente” (art.  deste mesmo crime que passa a contar (um
         que os “artigos de guerra” do Exército lhe  221.º do CJA). Nesta altura existia ainda como  militar que praticasse um delito comum seria
                            3
         tenham sido estendidos ( ). A separação ou  sanção a pena de morte (“O condenado à pena  julgado nos tribunais ordinários).
         coincidência do foro naval com o restante foro  de morte pelos tribunais da armada será fuzilado”   As diversas críticas à existência de uma ju-
         militar foi variando ao longo dos anos, tendo  – art. 23.º do CJA), tendo sido abolida em 1911  risdição militar autónoma e a sua estigmati-
         sempre como base a maior ou menor impor-  com a implantação da República e reintrodu-  zação junto de alguns sectores da sociedade,
         tância da Marinha e do poder naval nacional  zida durante a 1GG.      relacionado com experiências históricas pas-
         ao longo da história. Neste sentido e a título   Após a unificação, em 1911, do processo pe-  sadas, entre outras razões, levaram à revisão
         de exemplo, pode-se sublinhar os seguintes  nal para o Exército e a Armada, foi publicado,  constitucional de 1997 e à ruptura com uma
         momentos: criação do “Conselho do Almi-  em 1925, um novo CJM que mantinha o foro  tradição histórica de organização autónoma
         rantado” em 1795, com dignidade de Tribu-  pessoal. Desta forma, era atribuída à jurisdi-  da jurisdição militar. Nesta revisão, que deu
         nal Régio; unificação em 1808 do foro militar  ção militar competência relativa a crimes es-  origem ao novo CJM de 2004, foi suprimida a
         através da criação do “Conselho de Justiça  sencialmente militares, crimes simplesmente  referência aos tribunais militares, como cate-
         Supremo Militar” e sua substituição em 1822,  ou acidentalmente militares e crimes de qual-  goria de tribunal (art. 209.º), podendo ser cons-
         para a Armada, pelo “Conselho de Marinha”,  quer natureza (com limitadas excepções) co-  tituídos apenas durante a vigência do estado
         que em 1833 passou a “Supremo Tribunal de  metidos por militares no activo, ou, de qual-  de guerra, no caso de crimes de natureza es-
         Marinha” e que em 1836 foi extinto, juntan-  quer modo, em serviço, ou outras pessoas ao  tritamente militar (art. 213.º) – de salientar que
         do-se ao conselho do Exército e criando-se o  serviço do Exército ou da Armada.  alguns projectos de revisão pretendiam uma
         “Supremo Conselho de Justiça Militar”.  Antes de passar ao marco que foi o CJM de  extinção total, para todas as circunstâncias.
           Outro momento importante na evolução  1977, julga-se ser de realçar a fase do Estado   Como consequência do novo n.º 3 do art.
         do foro naval foi o ano de 1875, em que foi  Novo (1933) e a sua importância para a esti-  211.º da CRP - “Da composição dos tribunais
         promulgado o “Código de Justiça Militar para  gmatização da justiça militar, que se afigura ter  de qualquer instância que julguem crimes de
         o Exército de Terra”, que não obstante a desig-  contribuído para o fim, muitos anos depois, da  natureza estritamente militar fazem parte um ou
         nação, continha normas comuns à Marinha  jurisdição militar em tempo de paz. O regime  mais juízes militares, nos termos da lei” (repa-
         e criava tribunais militares de instância, que  então vigente caracterizou-se, em determina-  re-se que se reduziu o âmbito ao passar-se
         eram designados por “Conselhos de Guerra”,  das fases, pelo recurso à justiça militar como  do conceito de crimes essencialmente mili-
         assim como o tribunal de última instância,  forma de combate à “criminalidade política”.  tares, para crimes de natureza estritamente
         denominado “Tribunal Superior de Guerra  Existiam tribunais militares especiais e outros  militar), foram nomeados:
         e Marinha”. Este Código, que já apresentava  tribunais especializados com reduzidas ga-  • Juízes militares para o Supremo Tribunal
         grandes semelhanças com Códigos de Justi-  rantias de defesa (tribunais plenários do Esta-  de Justiça - vice-almirantes e tenentes-generais
         ça Militar mais recentes, veio substituir o foro  do Novo) com competência para julgar, desi-  na reserva (um por ramo e um da GNR).

         26  NOVEMBRO 2005 U REVISTA DA ARMADA
   347   348   349   350   351   352   353   354   355   356   357