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O Tribunal Militar da Marinha
O Tribunal Militar da Marinha
“(...) penas de morte, e de talha mento borar o respectivo acórdão, onde era plasma- secretaria faziam ainda parte um sargento e
de membros, estas penas reservamos da a decisão final do colectivo de juízes sobre um grumete da classe de administrativos (L)
cada processo. e duas funcionárias administrativas.
para nós” Junto do TMM funcionavam uma promo- Antes de se passar à descrição de alguns
(Ordenações Afonsinas) toria de justiça, um defensor oficioso e uma dados estatísticos sobre o TMM, será curio-
secretaria: so efectuar um pequeno resumo, retirado de
olvido um ano sobre a extinção • O promotor de justiça era um oficial supe- diversos artigos já publicados ( ), sobre a evo-
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do Tribunal Militar da Marinha rior dos quadros permanentes, a quem com- lução do foro militar e mais precisamente do
V(TMM), o presente artigo tem como petia representar o Estado Português, na pes- foro naval desde os seus primórdios até aos
objectivo lembrar esta instituição e perpe- soa da Marinha de Guerra Portuguesa. Para nossos dias.
tuar no tempo a sua memória. além das funções jurídico proces suais descri- Desde os primeiros tempos da fundação
Na sequência da quarta revisão consti- tas, detinha o cargo de comandante do TMM, da nacionalidade que foram surgindo as pri-
tucional de 1997, que ex- meiras normas de justiça e
tinguiu os tribunais mili- disciplina militar. No iní-
tares em tempo de paz, Museu de Marinha cio havia o privilégio de
atribuindo aos tribunais foro dos senhores feudais,
judiciais comuns a com- o que lhes permitia cha-
petência para o julgamen- mar a si soldados, que se
to dos crimes de nature- alistavam com o objectivo
za estritamente militar, de terem um julgamento
decorreram uma série menos severo, ou mesmo
de trabalhos que resulta- de lhes serem perdoados
ram na entrada em vigor os crimes até ao momento
de um novo Código de cometidos.
Justiça Militar (CJM), de Até 1735 os almirantes
um Estatuto dos Juízes comandantes das frotas
Militares e dos Assesso- ou mesmo os comandan-
res Militares do Ministé- tes de navios, tinham, em
rio Público e na alteração geral, poderes altamente
da Lei da Organização e discricionários para jul-
Funcionamento dos Tri- gar, como se o rei estives-
bunais Judiciais. Presidência do Tribunal de Marinha em Maio de 1936 no julgamento do afundamento do “Patrão Lopes” se presente, todos aqueles
na Barra de Lisboa. CFR Palma Lami, CMG Azevedo Franco e o Juiz Auditor Dr. Correia Baptista.
Os tribunais militares que estavam embarcados,
mantiveram-se em funcionamento até dia na sua vertente de unidade militar, chefiando tanto no mar como nos portos. Muitas vezes,
14 de Setembro de 2004, altura em que en- a sua secretaria; exceptuando as situações em que a sanção
trou em vigor o novo CJM e a nova organi- • O defensor oficioso era um oficial dos era a pena de morte ou o corte de membro,
zação judiciária. quadros permanentes, de posto igual ou su- as sentenças destes comandantes eram logo
O TMM fazia parte da organização judi- perior a primeiro-tenente, a quem competia executadas e não tinham “appellaçam, nem
ciária militar, como tribunal militar de ins- assegurar a defesa dos arguidos sujeitos a jul- agravo” para uma “instância” superior (o rei).
tância, existindo também o Tribunal Militar gamento, que não constituíssem mandatário Em 1621, uma carta régia de 25 de Maio, dava
da Força Aérea, para este ramo, e para o ou oficial da Forças Armadas para sua defesa. um primeiro passo no sentido de autonomi-
Exército um tribunal militar em cada região De realçar o facto de cerca de 95% dos argui- zar na Marinha a função de julgar, nomeando
militar, designado por Tribunal Militar Ter- dos julgados, não constituírem mandatário um “Auditor para a Armada, letrado de confian-
ritorial, com jurisdição sobre a área territo- judicial para assegurar a sua defesa, sendo ça”, que seria no mar o “juiz de toda a gente do
rial correspondente à da respectiva região por consequência representados e defendidos mar e guerra”.
militar. Comum aos três ramos, a organiza- pelo defensor oficioso do TMM. Na sequência das lutas da restauração de
ção judiciária militar tinha na sua cúpula o • A secretaria, com a finalidade de assegu- Portugal o rei D. João IV criou um Conselho
Supremo Tribunal Militar. rar o expediente do tribunal, era composta de Guerra através do decreto de 11 de De-
O TMM, como todos os outros tribunais por um secretário (oficial subalterno), um ad- zembro de 1640, sendo este um importante
militares de instância, era constituído por junto (sargento-chefe de qualquer classe), um degrau na autonomia do Direito Penal Mili-
dois juízes militares, oficiais superiores dos primeiro-sargento, também de qualquer clas- tar. O Conselho de Guerra tinha, para além
quadros permanentes, nomeados por porta- se, que desempenhava funções relacionadas de funções de organização militar, funções
ria do Chefe do Estado-Maior da Armada, de- com a notificação de testemunhas ou agentes de tribunal de apelação para alguns crimes
sempenhando o mais graduado ou antigo as que devessem depor em julgamento, assim praticados por militares – era o início de um
funções de presidente, tendo o outro as fun- como o chamamento dessas mesmas pessoas foro pessoal autónomo para os crimes prati-
ções de vogal, e por um juiz auditor. O juiz à sala de audiências aquando dos respectivos cados por “soldados pagos e alistados para ser-
auditor era um magistrado judicial, requisi- julgamentos. De salientar que esta última ta- virem nas Fronteiras, ou na Armada e Presídios
tado ao órgão judiciário respectivo, ao qual, refa, nos tribunais militares em tempos mais do Reino.”
para além de julgar, eram cometidas funções remotos, era executada pelos denominados Em 1735 entrou em vigor o ”Regimento
de dirimir todas as questões jurídico proces- “meirinhos”, nomenclatura que, entretanto, para os capitães de mar e guerra e mais offi-
suais que surgissem, tanto nos processos pro- caiu em desuso, sem contudo obviar que por ciaes da armada, que embarquem nas fraga-
priamente ditos, como as que, nesse âmbito, vezes tal termo fosse ainda recentemente utili- tas de Sua Magestade”, que estabelecia as
fossem suscitadas em sede de julgamento, zado para denominar o militar que desempe- diversas faltas e castigos para os militares
assim como, após a fase de julgamento, ela- nhava tais funções na sala de audiências. Da embarcados.
REVISTA DA ARMADA U NOVEMBRO 2005 25