Page 351 - Revista da Armada
P. 351

O Tribunal Militar da Marinha
            O Tribunal Militar da Marinha



         “(...) penas de morte, e de talha mento  borar o respectivo acórdão, onde era plasma-  secretaria faziam ainda parte um sargento e
         de membros, estas penas reservamos   da a decisão final do colectivo de juízes sobre  um grumete da classe de administrativos (L)
                                            cada processo.                     e duas funcionárias administrativas.
         para nós”                            Junto do TMM funcionavam uma promo-  Antes de se passar à descrição de alguns
                       (Ordenações Afonsinas)  toria de justiça, um defensor oficioso e uma  dados estatísticos sobre o TMM, será curio-
                                            secretaria:                        so efectuar um pequeno resumo, retirado de
               olvido um ano sobre a extinção   • O promotor de justiça era um oficial supe-  diversos artigos já publicados ( ), sobre a evo-
                                                                                                      1
               do Tribunal Militar da Marinha  rior dos quadros permanentes, a quem com-  lução do foro militar e mais precisamente do
         V(TMM), o presente artigo tem como  petia representar o Estado Português, na pes-  foro naval desde os seus primórdios até aos
         objectivo lembrar esta instituição e perpe-  soa da Marinha de Guerra Portuguesa. Para  nossos dias.
         tuar no tempo a sua memória.       além das funções jurídico proces suais descri-  Desde os primeiros tempos da fundação
           Na sequência da quarta revisão consti-  tas, detinha o cargo de comandante do TMM,  da nacionalidade que foram surgindo as pri-
         tucional de 1997, que ex-                                                           meiras normas de justiça e
         tinguiu os tribunais mili-                                                          disciplina militar. No iní-
         tares em tempo de paz,                                                             Museu de Marinha  cio havia o privilégio de
         atribuindo aos tribunais                                                            foro dos senhores feudais,
         judiciais comuns a com-                                                             o que lhes permitia cha-
         petência para o julgamen-                                                           mar a si soldados, que se
         to dos crimes de nature-                                                            alistavam com o objectivo
         za estritamente militar,                                                            de terem um julgamento
         decorreram uma série                                                                menos severo, ou mesmo
         de trabalhos que resulta-                                                           de lhes serem perdoados
         ram na entrada em vigor                                                             os crimes até ao momento
         de um novo Código de                                                                cometidos.
         Justiça Militar (CJM), de                                                            Até 1735 os almirantes
         um Estatuto dos Juízes                                                              comandantes das frotas
         Militares e dos Assesso-                                                            ou mesmo os comandan-
         res Militares do Ministé-                                                           tes de navios, tinham, em
         rio Público e na alteração                                                          geral, poderes altamente
         da Lei da Organização e                                                             discricionários para jul-
         Funcionamento dos Tri-                                                              gar, como se o rei estives-
         bunais Judiciais.     Presidência do Tribunal de Marinha em Maio de 1936 no julgamento do afundamento do “Patrão Lopes”   se presente, todos aqueles
                               na Barra de Lisboa. CFR Palma Lami, CMG Azevedo Franco e o Juiz Auditor Dr. Correia Baptista.
           Os tribunais militares                                                            que estavam embarcados,
         mantiveram-se em funcionamento até dia  na sua vertente de unidade militar, chefiando  tanto no mar como nos portos. Muitas vezes,
         14 de Setembro de 2004, altura em que en-  a sua secretaria;          exceptuando as situações em que a sanção
         trou em vigor o novo CJM e a nova organi-  • O defensor oficioso era um oficial dos  era a pena de morte ou o corte de membro,
         zação judiciária.                  quadros permanentes, de posto igual ou su-  as sentenças destes comandantes eram logo
           O TMM fazia parte da organização judi-  perior a primeiro-tenente, a quem competia  executadas e não tinham “appellaçam, nem
         ciária militar, como tribunal militar de ins-  assegurar a defesa dos arguidos sujeitos a jul-  agravo” para uma “instância” superior (o rei).
         tância, existindo também o Tribunal Militar  gamento, que não constituíssem mandatário  Em 1621, uma carta régia de 25 de Maio, dava
         da Força Aérea, para este ramo, e para o  ou oficial da Forças Armadas para sua defesa.  um primeiro passo no sentido de autonomi-
         Exército um tribunal militar em cada região  De realçar o facto de cerca de 95% dos argui-  zar na Marinha a função de julgar, nomeando
         militar, designado por Tribunal Militar Ter-  dos julgados, não constituírem mandatário  um “Auditor para a Armada, letrado de confian-
         ritorial, com jurisdição sobre a área territo-  judicial para assegurar a sua defesa, sendo  ça”, que seria no mar o “juiz de toda a gente do
         rial correspondente à da respectiva região  por consequência representados e defendidos  mar e guerra”.
         militar. Comum aos três ramos, a organiza-  pelo defensor oficioso do TMM.  Na sequência das lutas da restauração de
         ção judiciária militar tinha na sua cúpula o   • A secretaria, com a finalidade de assegu-  Portugal o rei D. João IV criou um Conselho
         Supremo Tribunal Militar.          rar o expediente do tribunal, era composta  de Guerra através do decreto de 11 de De-
           O TMM, como todos os outros tribunais  por um secretário (oficial subalterno), um ad-  zembro de 1640, sendo este um importante
         militares de instância, era constituído por  junto (sargento-chefe de qualquer classe), um  degrau na autonomia do Direito Penal Mili-
         dois juízes militares, oficiais superiores dos  primeiro-sargento, também de qualquer clas-  tar. O Conselho de Guerra tinha, para além
         quadros permanentes, nomeados por porta-  se, que desempenhava funções relacionadas  de funções de organização militar, funções
         ria do Chefe do Estado-Maior da Armada, de-  com a notificação de testemunhas ou agentes  de tribunal de apelação para alguns crimes
         sempenhando o mais graduado ou antigo as  que devessem depor em julgamento, assim  praticados por militares – era o início de um
         funções de presidente, tendo o outro as fun-  como o chamamento dessas mesmas pessoas  foro pessoal autónomo para os crimes prati-
         ções de vogal, e por um juiz auditor. O juiz  à sala de audiências aquando dos respectivos  cados por “soldados pagos e alistados para ser-
         auditor era um magistrado judicial, requisi-  julgamentos. De salientar que esta última ta-  virem nas Fronteiras, ou na Armada e Presídios
         tado ao órgão judiciário respectivo, ao qual,  refa, nos tribunais militares em tempos mais  do Reino.”
         para além de julgar, eram cometidas funções  remotos, era executada pelos denominados   Em 1735 entrou em vigor o ”Regimento
         de dirimir todas as questões jurídico proces-  “meirinhos”, nomenclatura que, entretanto,  para os capitães de mar e guerra e mais offi-
         suais que surgissem, tanto nos processos pro-  caiu em desuso, sem contudo obviar que por  ciaes da armada, que embarquem nas fraga-
         priamente ditos, como as que, nesse âmbito,  vezes tal termo fosse ainda recentemente utili-  tas de Sua Magestade”, que estabelecia as
         fossem suscitadas em sede de julgamento,  zado para denominar o militar que desempe-  diversas faltas e castigos para os militares
         assim como, após a fase de julgamento, ela-  nhava tais funções na sala de audiências. Da  embarcados.
                                                                                    REVISTA DA ARMADA U NOVEMBRO 2005  25
   346   347   348   349   350   351   352   353   354   355   356