Page 114 - Revista da Armada
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PONTO AO MEIO DIA





                           Disciplina Militar




                as últimas décadas, têm sido cons-  qualquer situação que elimine, ou mesmo  subordinados. O Regulamento de Disciplina
                tantes os debates sobre os mais di-  ofenda, a razão primeira da sua existência.  Militar (RDM) hierarquiza rigorosamente o
          Nversos aspectos da reorganização   A esta responsabilidade estão indissoluvel-  exercício dessa competência, não só em rela-
          das Forças Armadas, motivados pela neces-  mente ligadas a segurança das populações, a  ção ao posto do comandante, como em rela-
          sidade da sua modernização e adequação  defesa da livre acção dos órgãos de soberania e  ção ao posto do subordinando, como ainda
          às novas circunstâncias nacionais, ao novo  do livre funcionamento das instituições demo-  em relação à graduação das recompensas ou
          ambiente internacional e também aos novos  cráticas. Todas estas obrigações e responsabili-  das penas disciplinares.
          objectivos e missões que lhes vêm sendo de-  dades são animadas pela devoção à Pátria.  Poderá ser necessária e urgente a revisão
          finidos pelo poder político.         Assim, as Forças Armadas são a expressão  do RDM, e poderá ser alterada a natureza
            Integrou-se o ensino superior militar e tem-  da vontade nacional de defesa e da sobrevi-  das recompensas ou das penas disciplina-
          -se feito um notável esforço no desenvolvi-  vência do Estado independente e soberano.  res, ou até refazer aquele quadro de relações
          mento da doutrina conjunta e combina-                                   entre a ordem hierárquica dos superio-
          da, bem como no estudo ou adopção de                                    res, a dos subordinados, e a das penas
          novos conceitos como o da Revolução dos                                 disciplinares.
          Assuntos Militares ou da Transformação.                                  O que contudo não se poderá fazer, é
            E tivemos oportunidade de ouvir lou-                                  retirar a competência disciplinar à fun-
          vores e repetidos elogios à acção das                                   ção de comando, nem sequer prejudicar
          nossas Forças Armadas empenhadas no                                     o exercício dessa competência através
          cumprimento de missões de âmbito bila-                                  de qualquer tipo de intervenção exter-
          teral ou multilateral, em diversas circuns-                             na. A celeridade do processo disciplinar
          tâncias do seu emprego, nas situações de                                e a justiça das decisões na aplicação do
          conflito ou de crise que vêm proliferando                                RDM, pelo comandante, são princípios
          pela Europa, África, Ásia e Oceânia.                                    que contribuem para o prestígio da au-
            Depois disto tudo, é difícil de entender                              toridade e lhe dão credibilidade.
          que seja agora necessário voltar a escla-                                Recorde-se que se têm vindo a referir
          recer alguns aspectos básicos referentes                                apenas o caso da competência discipli-
          à Instituição Militar, ou que seja preciso                              nar exercida de acordo com o disposto
          recordar a sua finalidade e alguns ele-                                  no RDM, onde está também perfeita-
          mentos fundamentais da sua existência,                                  mente regulamentado o direito de quei-
          tais como a disciplina.                                                 xa contra o superior, a reclamação e o
            Ouvimos o apelo do Comandante Su-                                     recurso hierárquico.
          premo à coesão nas Forças Armadas. Mas                                   A hierarquia militar estabelece as rela-
          ocorre pensar que não é só a coesão que é                               ções de autoridade e subordinação entre
          preciso preservar. Preocupa-nos hoje, em                                militares. O militar com funções de co-
          especial, a incompreensão, por parte de                                 mando, direcção e chefia, exerce o poder
          sectores limitados mas importantes da sobera-  Do ideário das Forças Armadas, do seu  de autoridade, e a correspondente compe-
          nia, sobre o que é a Instituição Militar e o que  Código de Honra, fazem parte valores como  tência disciplinar, inerente a essas funções.
          ela representa para a Nação, em Portugal ou  disciplina, dedicação, sacrifício, dever, cora-  O exercício da autoridade, com a correspon-
          em todos os outros países do ‘nosso’ mundo.  gem e lealdade.         dente responsabilidade, não é delegável. Esta
            Sem necessidade de citar a Constituição   Não se deve pretender estabelecer uma  cadeia de princípios, deduzida dos Estatutos
          ou o quadro legislativo aplicável, as Forças  hierarquia entre valores, quando cada um  dos Militares das Forças Armadas, mostram
          Armadas são um dos factores fundamentais  deles concorre, com peso bastante idêntico,  bem a natureza da organização e funciona-
          do poder do Estado, essencial à sua sobera-  para a identificação de um todo coerente.  mento perfeitamente hierarquizado, e respon-
          nia e liberdade de acção política. Sem se poder  Mas poderá dizer-se que o que mais contri-  sável, da Instituição Militar. Qualquer corte
          comparar a qualquer corporação, as Forças  bui para a caracterização da Instituição Mili-  nesta sequência de princípios, ou qualquer
          Armadas emanam da Nação, são e devem  tar, o que mais acentuadamente molda a sua  intromissão externa, prejudicará a disciplina
          continuar a ser a sua reserva moral, e carac-  coesão interna e permanentemente influen-  militar, desautorizará a hierarquia e compro-
          terizam-se pelos ideais que as orientam e pelo  cia a eficiência e eficácia da acção dos seus  meterá a cadeia de comando.
          interesse nacional que prosseguem.  membros, é a disciplina.          Pelo contrário, só Forças Armadas discipli-
            No mais elevado plano da extensa defini-  A disciplina obriga individualmente o mi-  nadas e coesas, conscientes dos seus deveres e
          ção desse interesse nacional, permanente e que  litar à observância das leis e regulamentos  responsabilidades, poderão cumprir as mis-
          não deverá ser posto em causa por opções po-  militares, à obediência ao comando, ao res-  sões que lhes são atribuídas com competência
          líticas sujeitas à transitoriedade da alternância  peito pelos superiores, pelos subordinados  e eficiência. É exactamente isto que tem sido
          governativa própria das democracias, está a  ou pelos de igual hierarquia, ao empenho  salientado nos louvores ao modo exemplar
          inalienável responsabilidade pela defesa mi-  no cumprimento da missão e ao desenvol-  como as nossas Forças Armadas têm partici-
          litar da integridade do território nacional.   vimento da camaradagem.   pado nas missões internacionais.
            Independentemente da inquestionável   Por outro lado, é o comandante que detém                    Z
          subordinação das Forças Armadas ao poder  a competência disciplinar, no exercício da   António Emílio Sacchetti
          político, elas não poderão ser postas perante  qual poderá recompensar ou punir os seus          VALM


         4  ABRIL 2007 U REVISTA DA ARMADA
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