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VALORES, IDENTIDADE E MEMÓRIA 12
OS CINCO PILARES DA CAMARADAGEM
ós, os militares, referimo-nos frequentemente uns aos outros, 3º Respeito
independentemente dos nossos postos e cargos, como cama- Os camaradas não criticam nem comparam publicamente os respec-
Nradas. Desta forma, evidenciamos que as relações humanas tivos desempenhos profissionais. Quando o fazem, têm tendência a
dentro das Forças Armadas, possuem uma natureza específica, que colocar, desnecessariamente, os seus deveres para com a organização
transforma superiores, pares e subordinados em membros de um Cor- acima da estima pessoal recíproca. Por isso, nas áreas de convívio so-
po Militar consolidado por laços de união fraterna. cial é comum verificar-se que os mais antigos, normalmente, chamam
Uma pessoa que conviva brevemente com os militares, poderá julgar a atenção quando as conversas se desenvolvem em torno de assuntos
que o termo camarada é usado para evidenciar determinados membros de serviço. Nestas circunstâncias, muitas vezes, introduzem na dis-
da nossa Unidade. cussão temas das
Porém, se dispu- preferências sócio-
ser de tempo para -culturais comuns,
realizar uma análi- de forma a evitar
se mais profunda, o aparecimento da
chegará à conclusão crítica profissional.
que tem dois signifi- A experiência mos-
cados distintos. tra que, aqueles
Pode ser empre- que comparam os
gue de forma singu- desempenhos pro-
lar, para caracterizar fissionais de outros
a relação intensa- são, quase sempre,
mente pessoal en- os que, numa situ-
tre dois militares, ação de dificuldade
criada e estimula- durante o desem-
da pelas condições penho de uma mis-
de grande sacrifí- são, mais facilmen-
cio inerente a cer- te se esquecem dos
tas missões milita- camaradas e que
res mais exigentes. há uma dependên-
Porém, também cia recíproca entre
pode ser aplicado todos os militares
de forma genérica, empenhados.
englobando todos
os homens e mulheres de uma mesma Unidade, que partilham as di- 4º Liberdade de escolha
ficuldades e os riscos comuns da vida militar. Um militar não impõe a outro a escolha entre a lealdade como ca-
Tendo traçado este quadro genérico e a partir de alguma análise do- marada e a obrigação para com o serviço. Por exemplo, ninguém se
cumental e vivencial ao comportamento dos militares, enriquecida por deve voluntariar para uma missão mais exigente, ou adoptar uma
relatos de experiências diversificadas, parece possível identificar os cin- atitude de natureza ética, disciplinar ou administrativa, colocando
co pilares fundamentais para construir e manter a camaradagem: como condição a um seu camarada que este adopte igual procedi-
mento, testemunhando, desta forma, a sua solidariedade. É uma exi-
1º Compreensão gência que provoca no outro sentimentos de revolta e de infelicidade,
O camarada é aquele que nos compreende, numa acepção pessoal incompatíveis com a harmonia e a concórdia inerente ao relaciona-
e profunda. Quantas vezes a vida militar implica atenção, conselho, mento fraterno da camaradagem.
apoio, estímulo e, até, reprimenda, sempre que algum camarada adop-
ta reacções fora do comum ou emocionalmente anormais. O camarada 5º Lealdade
é aquele que, nestas circunstâncias, nos entende e está interessado em Numa situação de crise, quando um militar se encontra em sério
ouvir-nos. É, também, aquele que partilha connosco aspectos essenciais risco de vida, o seu camarada fará tudo quanto estiver ao seu alcance
da sua vida, que nos dá a ler as suas cartas quando não recebemos as para honrar a lealdade pessoal, a par do cumprimento das suas obri-
nossas, que nos fala da sua família, quando estamos preocupados com gações para com a missão. Na realidade, quando um militar é ferido
a nossa. É, ainda, aquele que corrige os nossos pensamentos ou acções em combate, espera auxílio imediato dos seus camaradas, mesmo
com justiça e franqueza. Quanto mais intensa é esta compreensão mú- debaixo de fogo contrário. Por isso, o abandono de um militar nestas
tua, mais sólida e duradoura é a camaradagem. circunstâncias, tem efeitos de tal forma prejudiciais na moral presente
e futuro de qualquer Unidade, que é sempre preferível algum cama-
2º Universalidade rada interromper o combate, para prestar o auxílio possível.
Embora possamos admitir que, numa Unidade Militar, apenas um
grupo restrito inclui aqueles homens e mulheres que consideramos A camaradagem é uma virtude militar que precisa de ser construída
nossos camaradas, não o devemos declarar publicamente, ainda que, e mantida, pelo reforço da compreensão, da universalidade, do res-
quando algo corre verdadeiramente mal, se torne evidente tal condição. peito, da liberdade de escolha e da lealdade. Porque transcende e se
Numa Unidade Militar todos os seus membros se devem sentir recipro- sobrepõe à hierarquia e ao sistema formal de imposição da autoridade,
camente camaradas, para que as relações sejam solidárias, afáveis e fra- a rede de relações interpessoais formada pela camaradagem, contribui
ternas. Para isso, temos de nos aproximar e de trabalhar com os nossos de forma extraordinária para o desempenho dos militares e para o su-
superiores, pares e subordinados, alimentando o sentimento de depen- cesso das Forças Armadas no cumprimento das suas missões.
dência mútua, que gera compreensão e apoio com generosidade. Z
6 ABRIL 2007 U REVISTA DA ARMADA