Page 158 - Revista da Armada
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O «Creoula» e a sua gente
O «Creoula» e a sua gente
m 1952, ano em que concluí o curso Para esta pesca, havia um compromisso com do mesmo modo que se chamava campanha
de pilotagem, resolvi embarcar para a o armador do seu navio, com o qual só de co- à viagem redonda dessas mesmas embarca-
Epesca do bacalhau. Nesse tempo, para mum acordo podia haver rescisão de contrato. ções.
mim, como para todos os outros oficiais e tri- Para os oficiais a situação era idêntica e por isso A companha do «Creoula», onde eu embar-
pulantes, para embarcar num navio bacalho- normalmente no regresso havia uma conversa quei pela primeira vez como piloto em 1953,
eiro, era necessário além da Cédula Marítima, com o comandante, ficando entre todos um era composta por três oficiais náuticos, Capitão,
passada pela Capitania, possuir o nosso livrete acordo de cavalheiros para a viagem seguinte. Imediato e Piloto, quatro motoristas, primeiro,
de inscrição no Grémio dos segundo, terceiro e ajudan-
Armadores da Pesca do Ba- te, três cozinheiros, mestre
calhau. Para obter essa ins- e dois ajudantes, oito mo-
crição devia fazer-se parte ços do convés, um moço de
da lista de tripulação de um Arquivo CTEN António Gonçalves câmara e cinquenta e dois
navio, o que obrigava a pre- pescadores.
viamente contactar um co- Além da imprescindível
mandante que nos incluís se ajuda dos seus oficiais, o
no rol de equipagem, que o comandante precisava ain-
seu armador entregava no da de um contramestre e de
Grémio. Só depois era possí- um mestre de salga, mas es-
vel comparecer nos Serviços tes dois elementos normal-
de Saúde, para ser observa- mente estavam incluídos no
do pelo médico, e apanhar grupo dos pescadores.
as vacinas obrigatórias. As- Sendo o «Creoula» um
sim, no momento da saída veleiro, era ao contrames-
dos navios, os comandan- tre que competia aparelhar
tes tinham para cada tripu- o navio, tendo a seu car-
lante, uma Cédula Marítima go tanto em terra como no
e um Livrete de Saúde. Isto mar, a conservação de todo
permitia que à chegada a o aparelho fixo e de laborar,
qualquer porto do Canadá, bem como a confecção e a
ou da Groenlândia, os na- preparação do velame. Por
vios tivessem livre prática esta razão, este era um dos
e pudessem atestar o estado sanitário das suas Contudo, até Janeiro, qualquer das partes podia elementos que se mantinha a bordo durante
tripulações. anular o seu compromisso, que só a partir dessa todo o ano, fazendo parte da matrícula de rio,
Aprovada a lista nos Serviços de Saúde do data entrava em vigor, nas condições do ano an- que o comandante devia abrir após a chegada,
Grémio, as matrículas eram feitas nas respec- terior. Nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março, com os tripulantes designados pela autoridade
tivas capitanias, e nessa altura todos recebiam já era devida pelo armador aos seus oficiais, a marítima, para segurança da embarcação em
como avanço dos seus vencimentos, uma deter- soldada fixa estipulada pelo contrato para cada porto. Todas as tarefas de aprestamento, eram
minada quantia, estipulada no contrato colecti- categoria. Normalmente, os comandantes só destinadas pelo comandante e pelo imediato,
vo, de acordo com as categorias profissionais. chamavam os seus oficiais náuticos, quando os mas a sua execução estava a cargo da experiên-
As matrículas eram feitas por viagem redonda, navios vinham para a doca seca. Para os oficiais cia e do saber do contra-mestre, que no local
isto é, desde a saída do navio até à chegada ao de máquinas a situação era diferente, pois seria dirigia o serviço e orientava os marinheiros. No
porto de armamento. do interesse de todos que as reparações fossem mar, durante as viagens, fazia quarto com o co-
Deste modo, após o regresso, o comandante por eles assistidas durante as estadias. mandante e auxiliava o imediato na distribuição
entregava a todos os tripulantes o Bilhete de De- dos materiais de pesca, com que os pescadores
sembarque, que lhes permitia levantar a Cédula A COMPANHA DO «CREOULA» preparavam os seus dóris. Nos pesqueiros este
Marítima. A partir desse momento, todos fica- homem era igualmente pescador e como os
vam livres para embarcar em qualquer navio, Por tradição, era costume dar o nome de outros saía no seu dóri, fazendo o dia normal
desde que não fosse para a pesca do bacalhau. companha, à tripulação dos navios de pesca, de pesca. Eram na realidade homens notáveis
Arquivo Capitão Marques da Silva
12 MAIO 2007 U REVISTA DA ARMADA