Page 160 - Revista da Armada
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OUVINDO O COMANDANTE DO “CREOULA”
                OUVINDO O COMANDANTE DO “CREOULA”

         “O                                   RA - E à bolina?                 rios…  Contudo, na despedida, vemo-los, muitas
                  lugre «Creoula» foi construído,
                                              CSR - Embora só disponha de pano latino - o  vezes, comovidos no cais pois tiveram uma expe-
                  em 1937, nos estaleiros da CUF,
                                                                               riência radicalmente diferente do que hoje vivem
                  em Lisboa. O casco, rebitado,  único lugre de quatro mastros que existe no mun-
         como se fazia na época, foi feito em 62 dias  do - não bolina tão bem como isso, pois, tendo um  em sociedade. É a primeira vez que coabitam num
         úteis - um tempo recorde - com um aço excep-  casco completamente redondo, abate muito.   espaço limitado …
         cional que se destinava habitualmente a navios   RA – O que é o «Creoula» enquanto NTM?  RA - E integradas num grupo organizado para
         de guerra. Serviu de lugre bacalhoeiro na pesca   CSR -  Após 1987, a sua missão é aproximar  um mesmo objectivo.
         à linha e ainda conhecemos dois capitães dessa  as pessoas do mar. Embarca instruendos que,   CSR - Curioso é quando perdem a rede de te-
         época, um deles o Capitão Francisco Marques  devidamente enquadrados, fazem todos os tra-  lemóvel. Até lá, ainda estão virados para fora e só
         recentemente falecido. Como todos os seus ca-  balhos da guarnição. São 51 mais um director  depois se voltam para o navio e começam a assi-
         pitães e a maioria das tripulações era de Ílhavo,  de treino.         milar esse novo mundo. Tem valido a pena.
         o «Creoula» é o seu navio”, começou por                                   RA - Fazem isso todos os anos?
         nos dizer o actual comandante, o CFR Silva                                CSR - Com uma certa regularidade. O navio
         Ramos (CSR).                                                            esteve parado apenas dois anos, em 2001/2,
                                                                                 para reparações e instalação do actual motor,
           Revista da Armada - Na Pesca Longín-                                  Foto CTEN António Gonçalves  a tempo de estar presente no Dia da Marinha
         qua até...                                                              - 2003, em Aveiro.
           CSR - Praticou até 1973, tendo sido o úl-                               RA - Em Aveiro? Tinha que lá estar!
         timo a pescar à linha com dóris (40 a 50 por                              CSR - Claro! Em 2005 foi a substituição do
         campanha). Era muito duro. Saía em Março -                              aparelho fixo, brandais, cabos de aço, inclusive
         -Abril, após a Bênção, em Belém, da White                               os mastros que servem de chaminé. A andai-
         Fleet, como era conhecida em St. John, na                               na de velas actual, que já tem onze anos, será
         Terra Nova, onde iniciava e, depois de ir aos                           substituída, ainda este ano.
         bancos da Gronelândia, terminava aí a safra,                              RA - Mais leves, presumimos, que os ori-
         regressando em Outubro, quando os gelos se                              ginais.
         começavam a formar.                                                       CSR - Sim! Sim! As velas já são de dracon
           RA - Há documentação dessa fase?                                      e os cabos de nylon. O navio está em muito
           CSR - Livros e até filmes. Um ciclo que de                             boas condições. Enfim só uma avaria catastró-
         algum modo se repete actualmente e nesse                                fica, que não esperamos que aconteça, pode-
         aspecto o Capitão Marques da Silva, o úni-                              ria afectá-lo… A começar pela surpreendente
         co capitão sobrevivente, tem sido uma pre-                              dureza do aço do casco.
         ciosa ajuda.                                                              RA - E este último ano, já sob o seu coman-
           Depois, até 1980, o navio esteve parado a                             do, como foi?
         degradar-se, o que não é surpreendente se pen-                            CSR - Em 2006, embarcaram cerca de mil
         sarmos que do período áureo dos grandes veleiros,   RA - Esse director donde vem?  instruendos e, de Abril a Outubro, navegámos
         1880 a 1920, o caso da velha «Sagres», pouquís-  CSR - Vem de fora, é o responsável da institui-  1600 horas.
         simos sobreviveram.                ção a que pertencem os instruendos, os quais são   RA - O tal ciclo que coincide com o da pesca do
           Os fabricos para transformá-lo em Navio de  organizados em quatro quartos e como a guarni-  bacalhau… E quantas saídas para o mar?
         Treino de Mar (NTM) para a Marinha Mercante,  ção navega a três quartos acabam por ter contac-  CSR - Em média 20, com apenas um ou dois
         a pensar nos alunos da Escola Náutica, arrastaram-  to com todo o pessoal de bordo. Ajudam na co-  dias de intervalo entre as missões. Não temos fé-
         -se, acabando por ser entregue à Armada por  zinha, fazem vigia e leme, estão de adjuntos ao  rias de Verão.
         razões de rentabilidade e de operacionalidade  oficial de quarto, de quarto de manobra às velas   No ano passado, pela primeira vez, e este ano
         quando, em 1986, se concluíram os trabalhos.  e por isso temos a preocupação de nos reunirmos  não pudemos dar resposta a todas as solicitações,
           RA - Que consistiram em... ?                                                apesar de já termos programadas 2
           CSR - Como 2/3 do navio eram                                                100 horas de mar.
         porões do bacalhau, de que ainda                                             Foto Júlio Tito  RA - E do lado da Armada? Quan-
         temos, como testemunho histórico a                                            to a financiamentos, etc., como é
         bomba da salmoura, houve que os                                               que é?
         converter, bem como o rancho, a co-                                             CSR - Têm sido principalmente do
         berta dos pescadores, em alojamentos                                          Ministério da Defesa Nacional (MDN).
         condignos.                                                                    Os militares são pagos pela Marinha,
           Os mastros que serviam de chami-                                            enquanto os alunos pagam uma diária
         né, o de vante ou do traquete, à co-                                          que ajuda nas despesas com a manu-
         zinha da marinhagem, cujo fogão ia                                            tenção do navio. A navegar, saía mais
         sempre aceso, e o de ré ou da meze-                                           barato à Armada cerca de 30%, mas
         na, à máquina, também foram subs-                                             este ano será a Armada, pela primeira
         tituídos.                                                                     vez, a suportar os custos. Tivemos uma
           RA - Portanto, tinha já motores.                                            grande abertura e empenho, em espe-
           CSR - Isso mesmo. Foi concebido                                             cial da Direcção de Navios e da Floti-
         para propulsão mista. O motor actual,                                         lha de quem dependemos.
         com 500 cv é mais fraco que o original, de 600,  com esse director, no sentido deste esclarecer os   RA - Assumiu, portanto, os custos como in-
         mas era tudo o que os pescadores precisavam  alunos da vida a bordo, nomeadamente no que  vestimento.
         para ir buscar barlavento…         respeita à permanente disponibilidade. Têm que   CSR - Nem mais! É um navio mediático,  que
           O «Creoula» com ventos fortes de través veleja  saber, por exemplo, que podem ser chamados às  aparece repetidamente na imprensa e na televisão.
         muito bem. Menos bem se de popa.   tantas da noite ou da madrugada para qualquer  São retornos difíceis de contabilizar.
           De notar que a actual «Sagres», foi construída  faina de velas ou o que for preciso.  RA - De facto é muito apelativo.
         pelos alemães, intencional e exclusivamente como   RA - Limpezas?       CSR - Temos embarcado Universidades que ob-
         veleiro de instrução de pano redondo.  CSR - Do convés, das cobertas e até dos sanitá-  têm patrocínios graças à imagem do navio que,

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