Page 159 - Revista da Armada

Arquivo Capitão Marques da Silva Arquivo CTEN António Gonçalves

para estes navios e é com muito respeito que pações do mestre, estava ainda o parcimonio- só aguardavam completar os sete anos de
sempre os recordo. so consumo da água doce, que devia ser usada embarque que os isentava do serviço militar.
O outro elemento que referi de importância com equidade e justiça, para que esta chegasse Havia ainda os aprendizes de primeira via-
nas companhas destas embarcações de pesca até ao fim da viagem. Em resumo, um cozinhei- gem, os denominados «verdes» que vinham
era o chefe da salga. No «Creoula», tal como ro eficaz, era aquele que preparava boas refei- tentar a sua sorte. No total, entre «maduros» e
nos outros navios de pesca à linha, este ho- ções, mas que igualmente sabia tomar conta «verdes», o «Creoula» contava com cinquen-
mem era escolhido pelo comandante de entre da chave do paiol. ta e dois pescadores, que tinham por missão
os pescadores salgadores mais antigos e ex- Nestes navios, era costume dizer-se que as arriar para o mar o seu dóri, e com anzóis e
perientes. Devia juntar sempre ao saber pro- duas peças mais importantes a bordo, eram o isco que o navio fornecia a todos igualmente,
fissional, algumas qualidades de chefia, para leme e o fogão, por ambos serem imprescindí- pescar os bacalhaus que o navio carregava,
orientar os colegas, sem levantar desentendi- veis ao seu bom governo. depois de descabeçados, escalados e salga-
mentos ou atritos. Os pescadores no seu conjunto formavam a dos no porão. De entre estes homens iríamos
O bacalhau devia ficar bem aberto e espal- parte mais importante da companha. Não que- encontrar um contrameste, um chefe de salga,
mado, colocado nas pilhas como as telhas de ro dizer com isto que houvesse possibilidade de dez troteiros para amanhar, dez parte-cabe-
um telhado, para escorrer a hu- ças para limpar, dez escaladores
midade para a periferia. Era im- para escalar, quinze salgado-
portante que cada peixe ao ser res para salgar e cinco garfeiros
salgado individualmente, levas- para movimentar o peixe dentro
se a quantidade de sal de acordo Arquivo Capitão Marques da Silva do navio. Só com estas funções
com o seu tamanho, para ficar de- bem preenchidas era possível
sidratado e curado, sem contudo funcionar a fábrica em que os
seco demais. navios se transformavam no fim
Para os navios trazerem bons do dia, depois dos dóris recolhi-
carregamentos de peixe bem dos e empilhados.
curado, o trabalho dos salgadores Todas estas tarefas eram de
era tarefa difícil e tinha de ser en- grande importância, pois todos
tregue a bons profissionais. sabiam que o bacalhau seria des-
Perante os armadores, respon- carregado e pesado à chegada,
dia o comandante, a quem com- mas o armador só pagaria o que
petia governar o seu navio, pro- chegasse em boas condições.
curando os melhores pesqueiros Pelo trabalho de conjunto, era
para obter boas capturas, sem atribuída a cada homem uma cer-
descurar nunca, a cura, a conser- ta remuneração, de acordo com
vação e a apresentação do seu o estabelecido por contrato, para
carregamento. Por todas estas cada uma das tarefas exercidas.
razões, um competente e atento Durante as viagens de e para os
chefe de salga era uma ajuda im- pesqueiros, os pescadores eram
prescindível. divididos igualmente pelos três
Igualmente de relevo na companha era o lu- um navio ir para o mar só com os pescadores, quartos, de forma a haver pessoal de leme de
gar do mestre cozinheiro. A sua responsabilida- mas na realidade eram eles que arrancavam vigia e marinheiros auxiliares do oficial de ser-
de na manutenção da harmonia entre os tripu- das águas do mar, o que daria a todos os seus viço. Todos ajudavam nas manobras de içar e
lantes, para conseguir uma regular ambiência honorários. Cada pescador, recebia à chegada arriar panos.
no reduzido espaço dos alojamentos de proa, como vencimento, a parte que lhe cabia e que Foi com gente de mar como esta que resu-
onde se dormia e se tomavam as refeições, era o comandante lhe tinha registado diariamente. midamente acabo de relembrar, que o nosso
fundamental. Durante o tempo da campanha, Os outros elementos da companha, teriam di- «Creoula» e tantos outros, navegaram e fo-
a confecção das refeições, a preparação do reito a uma percentagem, sobre a quantidade ram rentáveis.
pão e o respeito pelos horários de serviço com total da descarga. A todos, com admiração e respeito, cum-
boas ou más condições de tempo, era missão O pessoal da pesca era formado por pesca- primento.
de grande valor. Mas o regular consumo dos dores antigos, «os maduros», profissionais ex- Z
mantimentos, embarcados por seu cálculo pré- perientes e normalmente dedicados aos seus António Marques da Silva
vio para o tempo normal da campanha, não era navios. Outros, mais jovens, alguns também Capitão da M.M.
de menor importância. Em adição às preocu- trabalhadores dedicados, mas que por vezes Antigo Comandante do Creoula
REVISTA DA ARMADA U MAIO 2007 13