Page 265 - Revista da Armada
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costa en estas veynte leguas esta el rio de Naubor y el  a nau onde seguia João de Lisboa, dado o atraso  demãdar a ilha de San Lourenço e pasamos por fora
         rio Segundo y el rio de Johan de Lisbonna» .  à entrada do Índico, efectuou a viagem por fora  della na quall ẽ sayr della pus todo o mês de Setembro
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           Numa época em que não faltariam pilotos  da ilha de S. Lourenço, como de resto era prá-  e isto cõ muito maos tenpos e daly nos deu hũ pouco
         experimentados, não deixou de nos causar al-  tica comum. Mas dificuldades sentidas foram  de bõ vento que pareçeo ao piloto Joã[o] de Lixboa e
         guma estranheza o facto de ainda lhe serem  imensas, perdendo-se todo o mês de Setembro  ao mestre Francisco Affonso e asy aos mareantes da
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         reconhecidos tanto o mérito e a validade dos        Arquivo CTEN António Gonçalves  nao que poderiamos pasar a Indea […]» .
         seus escritos técnicos, como ainda uma certa                            No entanto as coisas voltaram a correr mal
         aura de prestígio, nomeadamente entre os que                          devido a nova falta de vento, tendo morrido
         detinham responsabilidades ao serviço de Cas-                         muita gente e perdendo-se inclusivamente o
         tela na área da navegação, como estes exemplos                        próprio navio:
         bem demonstram.                                                         «[…] e vindo cõ o dito bõ tẽpo caminho da In-
           Um outro elemento que poderá acrescentar                            dia no meo do golffão nos acalmaram os tẽpos e
         alguma plausibilidade à nossa tese, radica no                         me adoeçeo e moreo muita gẽte que escasamente
         facto de nos primeiros anos do segundo quar-                          nã avia quẽ marease a vella nem mais de sos qatro
         tel do século XVI se terem iniciado as aulas do                       marinheiros que gouernasẽ e estes mal sãaos e isto
         Cosmógrafo-mor, com vista a melhorar a forma-                         já na fim d’Oitubro e daly nos tornarã as corentes
         ção teórica dos pilotos. Assim, o passar a escri-                     atras e nos deitarã nas ilhas de curya murya onde
         to daquilo que constituía a sua prática, pode ter                     sorgymos e tomamos aogoa e por na tera nã [h]aver
         constituído o ponto de partida para uma avalia-                       mãtymentos asy pera o remedyo dos doentes como
         ção dos respectivos métodos por parte de teó-                         pera os sãaos […] que daly nõ podia atravesar o gol-
         ricos como Pedro Nunes, no sentido de se po-                          ffão por [h]aver daly a Yndia q[u]atro centas legoas
         derem eliminar os procedimentos errados, que,                         pola gente que asy levava doente sem tomar n[en]
         como sabemos, levavam por vezes à perda dos                           hũs mantymentos […] e tanto que demos na restĩga
         navios. Acrescente-se ainda o facto de apenas                         nos revestia o mar por cima dos castellos e nos qu[e]
         treze anos depois da morte de João de Lisboa,                         brou logo o mastro grande  das grandes pancadas
         ser o próprio D. João de Castro a embarcar num                        que a não daua e vindo eu muito doente de morte e
         dos navios da carreira da Índia (1538), onde,                         asy a mais da gente fomos tirados ẽ tera e deitados
                                                                                         11
         durante a longa viagem, leva a cabo inúmeras                          na praia […]» .
         experiências de que nos dá conta, pela própria                          Depois de todas a peripécias por que pas-
         pena. Na introdução do mais importante dos   Imagem da Armada de Filipe de Castro no Livro das   sou, Filipe de Castro só chegou a Goa a 14 de
         seus três roteiros, menciona mesmo um con-  Armadas, aquela em que pela última vez embarcou   Janeiro de 1526, mas a bordo dum outro navio
         junto de experiências que se propõe realizar,   o piloto João de Lisboa.  e com apenas 100 dos seus homens. Não exis-
         referindo que algumas delas haviam sido suge-  apenas para conseguir montar a latitude norte  tindo qualquer referência nominal às vítimas
         ridas pelo próprio Pedro Nunes:    daquela ilha. Quando finalmente o vento come-  desta viagem, acreditamos que João de Lisboa
           «[…] amanhecendo vimos a Palma, que he huma  çou a soprar de feição, ao experiente piloto João  terá falecido por esta ocasião .
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         das Ilhas das Canareas, e logo fiz prestes a lamina e es-  de Lisboa e ao mestre Francisco Afonso pareceu   De facto, pela consulta do Livro das pessoas
         tormento de sombras, de que o muito excelente prince-  que seria ainda possível chegar à Índia.  que tinham tenças d’el-rei, no período com-
         pe o Iffante dom Luis me fez merce, com grande deseio   Colecção do CALM Roque Martins  preendido entre Maio de 1523 e fins de 1525,
         de verificar duas cousas: a primeira, se nesta Ilha va-               encontram-se diversas referências às tenças atri-
         riauão as agulhas ou não, por ser pratica de muitos pi-               buídas pelo monarca a João de Lisboa.
         lotos que neste lugar e meridiano feria o norte de suas                 À margem da folha 109, respeitante a 1523,
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         agulhas no verdadeiro polo do mundo; e a segunda, se                  surge uma anotação posterior, «f », abreviatura
         era verdadeira e punctual a regra que nos deu o doc-                  de falecido, em frente ao seguinte texto:
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         tor Pero Nunez pera, em toda ora do dia em que fizer                    «It. a Joham de Lisboa patrão de tença…iiij rs» .
         sombra sabermos a leuação do polo […]» . 8                              Já na folha 117, encontra-se o seguinte tí-
           E no decorrer da viagem, não deixa inclusiva-                       tulo:
         mente de tecer críticas a determinados pressu-                          «E estas são as tenças que vagarão do mes de
         postos, algumas das vezes em estreita referência                      maio de b xxiij em que se este livro fez tee fim do
         ao «Tratado da agulha de marear» de João de                           anno de b xxb por falecimento das pessoas abaixo
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         Lisboa, cujos procedimentos, a avaliar pelo teor                      nomeadas […]» .
         das suas palavras, estariam amplamente difundi-                         Mais adiante, na folha 119, pode ler-se, ainda
         dos por toda a comunidade de pilotos coeva.                           dentro da secção cujo título acima transcreve-
           «[…] achandome já da banda do sul, em ambas                         mos, a seguinte anotação:
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         se verificou nordestearem as agulhas cinquo graos  e                    «It. Joham de lisboa patrão de tença xij» .
         1/2 atee 6, fica falsa a openião dos que dizem que no                   Uma evidência que vem comprovar a sua
         meredianos destas ilhas fere a agulha nos verdadeiros                 morte é a nomeação de Fernão de Afonso, no
         pollos do mundo […]» . 9                                              dia 15 de Novembro de 1526, para o cargo que
           Sabemos que em 1525 João de Lisboa volta a                          terá ficado vago, fazendo referência ao seu de-
         embarcar rumo à Índia. Como veremos, embo-                            saparecimento:
         ra tudo indique que esta tenha sido a sua última                        «[…] faço saber que [h]avemdo eu respeito aos se-
         viagem, subsistem no entanto alguns sinais con-                       ruyços que tenho reçebidos de Fernam d’Afonso mes-
         traditórios, em pelo menos uma das fontes.  Capa da única edição do Livro de Marinharia de João   tre da nauegaçam da Imdia como em outras […] e
           Tendo largado de Lisboa no dia 25 de Abril, a   de Lisboa (1903), cuja transcrição foi efectuada por   queremdo-lhe fazer graça e merce tenho por bem e o
         armada de Filipe de Castro foi severamente cas-  Brito Rebelo.        dou daqui em diamte por meu patram asy e pella ma-
         tigada na travessia do Atlântico Sul, antes de do-  «[…] ate açerqa das ilhas de Tristam da Cunha cõ  neira que era João de Lixboa que o dito oficio tinha
         brar o Cabo da Boa Esperança, o que ocorreu a  muitos maos tempos contrairos e ally nos apartamos  e se ffinou com todallas premenencyas prevyllegios e
         22 de Agosto desse mesmo ano. Devido ao mau  hũa noite cõ tenpo sẽ nunqa nos mays toparmos en-  llobradades que a elle dereytamente pertemcem com
         tempo, os navios que até então navegavam em  tam ffiz meu caminho a via do cabo de boa esperãça  ho qual oficio ey por bem que tenha e haja de temça
         conserva acabaram por se desgarrar, sendo que  o quall dobrey a vĩte dous dias d’Agosto e daly viemos  oyto mill reaes em cada hum anno […] que [h]ajam
                                                                                     REVISTA DA ARMADA U AGOSTO 2008  11
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