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150 anos da chegada a Portugal
150 anos da chegada a Portugal
da Rainha Dona Estefânia
da Rainha Dona Estefânia
o passado dia 17 de Maio comple- para Portugal, e este ano – completando-se O atraso económico e social era enorme, e
taram-se 150 anos sobre a data em 150 anos sobre essa data – a cidade organizou tanto mais notório quanto a Europa vivia um
Nque a Rainha Dona Estefânia en- uma especial celebração, deslocando ao nosso progresso efervescente, com novas máquinas,
trou na barra do Tejo, a bordo da corveta país uma delegação de prestígio, que inaugu- novos meios e novas ideias. Ideias que se es-
“Bartolomeu Dias”, escoltada por nume- rou um pequeno busto no Paço das Necessi- palhavam pelo centro do continente à veloci-
rosos navios e embarcações, em ambiente dades, e visitou em romagem diversos lugares dade dos comboios, mas que só chegavam a
de grande festa, como era próprio de um que a Rainha considerou com especial carinho Lisboa nos velhos veleiros do século anterior.
acontecimento desta natureza. Uma ima- ou importância. Um desses lugares foi, aliás, o E o príncipe tinha a noção disso. Soubera-o
gem viva desse ambiente pode ser aprecia- Palácio do Alfeite, na altura Paço Real do Alfei- desde muito novo, quando tomou consciência
da num excelente quadro de João Pedroso, te, restaurado pelo próprio D. Pedro V pouco das suas responsabilidades como futuro rei e
existente no Palácio da Ajuda. No dia se- tempo antes do seu casamento, e de que adian- quando começou a devorar em catadupas os
guinte, na igreja de S. Domingos, confirma- te falaremos com mais pormenor. livros que lhe falavam daquela Europa. Da Re-
va o casamento com D. Pedro V e dava início Dona Estefânia morreu, vítima de difteria, volução Francesa, do Imperador, da Áustria,
a um curtíssimo reinado que, apesar de tudo, pouco mais de um ano depois de ter chega- da Prússia, da Itália, da Inglaterra. Sobretudo
deixou uma indelé- da Inglaterra e do
vel marca na socie- seu liberalismo, do
dade portuguesa, desenvolvimento
quer pelo carácter económico, da ini-
da jovem rainha, ciativa, do regime
quer pelas notáveis político, do peso
obras que lhe estão das tradições, do
associadas. O hos- carácter das pes-
pital pediátrico de soas, de tudo. Em
Lisboa – Hospital Inglaterra tudo o
Dona Estefânia – seduzia e tudo o
apesar de ter sido encantou quando
inaugurado alguns teve oportunida-
anos depois da sua de de a visitar em
morte, pode dizer- 1854. As relações
-se que corporiza que manteve com
um dos seus objec- seu tio Alberto,
tivos humanitários príncipe consorte
mais significativos. casado com a Rai-
A Rainha chocada Chegada a Lisboa da Rainha Dona Estefânia a bordo da corveta “Bartolomeu Dias”. nha Vitória, foram
J. Pedroso – 1859. Palácio Nacional da Ajuda.
com o sofrimento mais cúmplices e
das crianças víti mas de cólera, internadas em do a Lisboa, e o taciturno rei seu marido não próximas do que as que manteve com o seu
S. Jo sé, ofereceu o seu dote para que fosse cons- duraria muito mais tempo, sucumbindo a próprio pai. A vasta correspondência que com
truída uma enfermaria própria, onde fossem uma febre tifóide em 1861. Portugal assistia à ele manteve, antes e depois de subir ao trono,
tratadas separadamente. E foi com este espírito tragédia de um reinado que se tornou mítico, em 1855, demonstra a admiração (nalguns ca-
que o marido mandou construir as instalações não só pela força dramática dos acontecimen- sos veneração) que tem pelo regime britânico
que ainda hoje existem, inauguradas década e tos vividos, como pelas qualidades humanas e, especialmente, pelas singularidades que lhe
meia depois, pelo rei D. Luís. Mas foram mui- e políticas que o soberano teve ocasião de re- introduzira o Príncipe Alberto.
tas mais as obras ligadas à protecção à infância, velar, nos pouco mais de cinco anos que ocu- É importante perceber que a Europa de
à educação e muitos outros dramas sociais de pou o trono. Para isso concorreram também mea dos do século XIX tinha um restrito gru-
Portugal oitocentista que exigiam uma sensi- as circunstâncias da vida nacional na primeira po de famílias que ocupavam quase todos os
bilidade como a da Rainha. metade do século XIX, e é útil revisitá-la nal- tronos nacionais, disputando-se ou aliando-se
Estefânia nasceu em 1837 no castelo de guns dos seus pormenores, para melhor en- conforme as circunstâncias. Mesmo a Revolu-
Krauchenwies, perto de Sigmaringen, no en- tender o ambiente em que viveu o régio casal, ção Francesa e o vendaval Napoleónico não
tão principado governado pela família Ho- e perceber como a sua morte prematura foi la- tinha destruído esse pequeno grupo onde se
henzollern, de que era descendente. Em 1848, mentada pelo povo, que neles depositara as contavam os Habsburgos, Orleães, Bourbons
quando o pai abdicou do governo do princi- esperanças de quem sofre as agruras de uma e Saxe Coburgo. A esta última pertenciam
pado cedendo-o ao rei da Prússia, mudou a crise continuada, como a que o país viveu na D. Fernando II de Portugal, Leopoldo da Bél-
residência para a cidade de Dusseldorf, onde primeira metade do século XIX. gica e o próprio Alberto que actuava com o
viveu a juventude envolta pelo mais peculiar D. Pedro V era o filho primogénito de peso inerente ao Império Britânico num dos
ambiente romântico das florestas do vale do D. Maria II, a rainha herdeira de D. Pedro IV, seus mais áureos períodos. Ele próprio de-
Reno. Naturalmente, recebeu uma educação imperador do Brasil e rei de Portugal num senvolveu e estimulou um estilo de política
esmerada, que lhe permitia dominar quase curto período que se seguiu à revolução e à internacional de influência, que revalorizou o
todos os assuntos da época, mas que, sobretu- guerra civil que terminou em 1834. Quem papel dos monarcas dos regimes constitucio-
do, lhe apurou uma sensibilidade humanística efectivamente reinou na ressaca do período re- nais, conferindo-lhe uma nova importância na
sem paralelo. Ainda hoje a cidade de Dussel- volucionário foi Dª Maria, e suportou todas as política externa feita na base da influência pes-
dorf guarda uma memória viva da princesa, agruras próprias de um regime de tipo novo, soal, à margem dos governos e dos parlamen-
comemorando o aniversário da sua partida num país que estava há décadas em guerra. tos. Estou a falar de reis que se relacionavam
14 AGOSTO 2008 U REVISTA DA ARMADA