Page 270 - Revista da Armada
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mais feliz na vida íntima e familiar. Procedeu para pequenas estadias, com a vantagem de sem um dia de descanso. Teme pela sua saú-
a alguns arranjos e obras na parte do Palácio estar muito perto de Lisboa, num local mais de e, em determinadas alturas, zanga-se com
Real e deleita-se com os passeios na tapada fresco, e onde era possível caçar. Foi, aliás, tanto empenho político. Quase todas as cartas
onde o Rei passa muito tempo à caça. Mafra muito frequentado pelos monarcas seguin- desse ano repetem o desejo obsessivo de que
está à distância certa dos problemas da corte tes, até D. Carlos, de que se dizia que estava a mãe a consiga visitar em Lisboa, mas tem
e da governação: nem tão longe que impeça “nas suas sete quintas” (eram sete as quintas consciência de que isso será muito difícil, por-
qualquer contacto indispensável, nem tão per- do Real Sítio do Alfeite) quando para ali ia à que a Europa vive à beira da guerra.
to que permita o corrupio das audiências e das caça. Era no jardim que, por vezes, se efectua- No princípio de Julho desse ano, o Rei e a
festas. É muito difícil distinguir aquilo que lhe vam pequenos piqueniques para convidados Rainha deslocaram-se a Vendas Novas para
agrada ou desagrada assistir a uns exercí-
por moto próprio e o cios de tiro com uma
que vem na sequên- Foto 1SAR FZ Pereira nova arma, adquiri-
cia dos gostos do Rei, da no contexto de um
com quem procura ter dos múltiplos projec-
um contacto próximo, tos de modernização
de grande solidarieda- que D. Pedro andava
de e companhia. Ela sempre a estudar e a
percebe a solidão de tentar promover. No
Pedro e entende o seu regresso sentiu uma
ponto de vista sobre a dor forte na garganta
mediocridade que o que se prolongou por
rodeia, mas o discurso alguns dias. Fazia 22
do Rei sempre foi par- anos em 15 de Julho
ticularmente destruti- e ainda recebeu as fe-
vo em relação ao am- licitações de algumas
biente social lisboe ta, pessoas mais chega-
sendo difícil dizer se das, mas piorou de
partilharia essa opi- imediato e morreu no
nião caso ela não vies- dia 17, atacada por dif-
se do próprio marido. Palácio do Alfeite. teria. Doença terrível
O que parece claro em toda a correspondência restritos, que desembarcavam numa ponte de que hoje seria tratada sem grande dificuldade,
com a mãe é que a Rainha não gosta muito de cais existente em frente do palácio, antes do na altura vitimava mais de 50% das pessoas
Lisboa e não suporta, especialmente, o calor e aterro que, no século XX, permitiu a constru- que a adquiriam. Atacava, sobretudo, as vias
a aridez de uma cidade que não tem a exube- ção da rotunda, das estruturas da Base Na- respiratórias superiores, com sintomas dolo-
rância dos bosques e parques de Dusseldorf. val e do Arsenal. E Dona Estefânia gostava rosos na garganta e com o desenvolvimen-
E, como o marido, também não lhe agradam particularmente destes locais recatados, com to de pseudo-membranas que dificultavam
as festas e celebrações, que considera aborre- vegetação mais exuberante, onde sentia o Rei a respiração. Para D. Pedro V esta perda foi
cidas e maçadoras. mais descansado e calmo, e onde podia ter pe- tão trágica quanto a vinda de Estefânia tinha
Digamos que a sua vida é feita de pequenos quenos momentos de intimidade feliz, como sido esperançosa e auspiciante. O seu carác-
momentos, quando está em Sintra ou em Ma- relata à mãe em sucessivas cartas. ter taciturno, dado à angústia e depressão,
fra e no Tejo. Adora passear no agravaram-se cada vez mais, com
rio e, apesar de D. Pedro não ser um paliativo no trabalho e estu-
um apaixonado pelos desportos do desmesurados. Apenas a caça
náuticos, a Rainha deleita-se com o distraía, como disse uma vez a
os dias que passa num pequeno Rainha, e foi pela caça que aca-
iate do Infante D. Luís. E, natu- bou por encontrar a morte, pou-
ralmente, um dos seus pequenos cos anos depois. Estando em vila
locais de felicidade é a Quinta do Viçosa, com três dos seus irmãos,
Alfeite, onde o Rei vai caçar pa- beberam água estagnada e cons-
tos, e onde passam períodos cur- purcada de um qualquer poço
tos, lanchando nos jardins com ou charca onde passaram. Pouco
convidados mais íntimos, sem depois de regressarem, morreu o
o peso dos saraus de Lisboa. O Infante D. Fernando, logo segui-
conjunto de quintas e proprieda- do do Rei D. Pedro e do Infante
des que vieram a constituir o Real D. João. D. Luís estava fora, em-
Sítio do Alfeite, pertenceu em barcado na “Bartolomeu Dias”,
tempos remotos a Nuno Álvares de que era comandante, quando
Pereira, mas foi comprada pela recebeu a terrível notícia de que
coroa, integrando a Casa do In- Delegação da cidade de Dusseldorf no Palácio do Alfeite. era Rei de Portugal. Algo com que
fantado, extinta em 1834. No local do palácio Durante o ano de 1859 vai-se sentindo o nunca sonhara e que não desejaria que acon-
sempre ali existiu um edifício com uma ponte progressivo entristecimento e infelicidade tecesse de forma tão trágica. Dos dois infelizes
de cais e acesso, que foi reformulado em 1837, da Rainha, entrecortado apenas pelas visitas soberanos ficou a memória de um povo que
com melhores condições para albergar a Fa- semanais à Imperatriz, viúva de D. Pedro IV, os apreciou muito mais do que eles próprios
mília Real, mas as instalações que hoje conhe- aos pequenos passeios que faz com Pedro e se aperceberam, e o nome de “Estefânia” foi
cemos resultam da transformação mandada aos retiros em locais como o Alfeite e Mafra. honrado por uma das corvetas mistas que veio
fazer por D. Pedro V, em 1857, de acordo com A actividade política do marido aflige-a cada a seguir à “Bartolomeu Dias”.
um desenho do arquitecto Possidónio da Sil- vez mais, dando a ideia de que está mergulha- Z
va. Não é uma construção complexa nem re- do numa teia de gente de mau carácter que o J. Semedo de Matos
quintada, mas tinha as condições necessárias obriga a rever papéis até altas horas da noite, CFR FZ
16 AGOSTO 2008 U REVISTA DA ARMADA