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entre si, de forma directa, tratando-se carinho- um exílio num país distante, que pouco ou nha fosse recebida condignamente. Em 28 de
samente por primos, tios, irmãos, e que conse- nada tem a ver com a Renânia verdejante onde Agosto de 1857, Pedro escreve ao tio Alberto
guiam coisas que as chancelarias podiam levar estava habituada a viver, e admira-a pela for- dizendo-lhe que a Marinha Portuguesa não
anos a resolver. E, por isso mesmo, os contra- ma como aceita essa sua missão. É uma forma tem um navio de guerra em condições para a
tos de casamento tinham uma enorme impor- gongórica de se relacionar com uma prince- viagem que a futura rainha teria de fazer até
tância, porque equilibravam ou desequilibra- sa que ele sabe ter sido educada no mais re- Portugal, e pede-lhe conselho sobre a possibi-
vam algumas famílias em relação a outras, quintado ambiente romântico do século XIX, lidade de adquirir no seu país uma “fragata de
ordenando e reordenando alianças, onde pe- no estreito contacto com artistas da mais fina 1500 toneladas”. O navio em causa foi a “Bar-
savam mais os interesses de alguns patriarcas, craveira. Mas o seu sonho íntimo é o de en- tolomeu Dias”, cuja primeira guarnição em-
como era o caso de Alberto. Por influência de contrar nela a figura erudita, lúcida e sensível barcou para Inglaterra em 25 de Fevereiro de
seu pai, Fernando II, o rei português esteve à que possa ombrear consigo próprio, partilhan- 1858, a tempo do navio ainda fazer a viagem
beira de contrair matrimónio com Carlota, fi- do os pensamentos que só ousava confiden- desejada em Maio desse mesmo ano.
lha de Leopoldo da Bélgica (Saxe Coburgo), ciar ao seu tio Alberto ou, ocasionalmente, ao A Rainha casou por procuração na igreja de
mas ela acabaria por casar com Maximiliano Conde do Lavradio, que considerava uma Santa Hedwige, em Berlim, no dia 29 de Abril
Habsburgo, o malogrado Imperador do Mé- verdadeira excepção dentro do panorama de 1858, regressando a Dusseldorf no dia 2 de
xico fuzilado em 1867. Esta questão ia causan- político e intelectual português. As primeiras Maio e partindo para Lisboa no dia 3. Foi de
do um pequeno incidente diplomático, em cartas de Pedro são as de um homem só que comboio até Ostende, onde embarcou no va-
que Pedro pediu ajuda a Alberto para evitar não sabe bem o que escrever a uma princesa por “Mindelo”, de caminho para Plymouth,
embaraços com Leopoldo, e acabou por de- alemã que vai ser a sua mulher. Quando lhe onde a “Bartolomeu Dias” a aguardava para
sencadear o projecto a trazer a Lisboa. As
de casamento com Es- primeiras impressões
tefânia Hohenzollern, que Estefânia dá de
cuja iniciativa foi cla- Portugal – a sua nova
ramente inglesa, me- pátria, como era enten-
recendo a aprovação dido por uma rainha –
total de Pedro. constam de uma lon-
Os melhores biógra- ga carta que escreve
fos do rei português à mãe, relatando-lhe
afirmam que nunca o em pormenor o pri-
entusiasmou verda- meiro encontro com
deiramente o casamen- Pedro, ainda a bordo,
to, apesar de o aceitar a confirmação do ca-
como dever de quem samento na igreja de
tem de dar continui- S. Domingos, e os dias
dade à dinastia. Eu, que se seguiram. Fala-
contudo, acho que o rei -lhe das dificuldades
português estava de- da viagem e do mar
sagradado do projecto calmo que encontrou
de seu pai, e não que- na costa portuguesa.
ria casar com a prima Avistou Mafra, Sintra,
Carlota, que já conhe- a Pena e o maciço da
cera em Bruxelas, mas Rei D. Pedro V. Rainha Dona Estefânia. Serra que emerge de
aceitou com entusiasmo inusitado o projecto fala de amor, recorre às grandes frases ditas e “forma pitoresca”. Depois a Roca e a entra-
de Estefânia, por variadíssimas razões: porque reditas pelos poetas, num discurso pouco flui- da do Tejo, surgindo no horizonte a cidade
fora ele e não D. Fernando a tratar dele; porque do e demasiado formal. De resto, lamenta-se de Lisboa “que se estende e se eleva nas suas
era o projecto de agrado dos reis britânicos; e da penúria portuguesa, das crises políticas, colinas”. E, depois fala do imenso número de
porque supôs Estefânia, pela idade e pela edu- do parlamento, do governo, da epidemia de navios e embarcações “pavesados e enfeitados
cação, muito mais adequada à sua maneira de febre amarela e da revolta que sente contra al- de flores, cheios de gente que vinha ao seu en-
ser, aos seus sentimentos e, sobretudo, à angús- gumas figuras gradas do governo e do parla- contro”. Recebeu no tombadilho a visita de to-
tia e solidão que o seu cargo lhe determinava. mento, que considera inúteis ou negligentes. das as entidades, da Família Real e, finalmente
Como disse, Pedro olhava a Europa emergente Fala-lhe de que está afogado em deveres e, do próprio Pedro, com quem teve um encon-
com fascínio e angustiava-o o atraso português sem deixar de dizer que é esse o seu destino tro comovente. As cartas da Rainha para a mãe
que atribuía à incúria das pessoas e dos gover- e que o aceita de boa vontade, o que lhe pede são minuciosas sobre a sua vida comum e so-
nantes. O rei tinha certamente alguns amigos, é que o ajude a suportar o que lhe parece in- bre o seu enquadramento na sociedade portu-
de entre a nobreza portuguesa (Conde do La- suportável. Aliás, o sentimento que se tem, guesa. São cartas íntimas, escritas em francês
vradio, Sá da Bandeira, Alexandre Hercula- lendo a vastíssima correspondência de D. Pe- (porque era essa a língua culta da época) onde
no), mas faltavam-lhe os verdadeiros compa- dro para diversas figuras do seu tempo, é a se misturam expressões em alemão, quando
nheiros. Como ele próprio disse, o casamento de que é alguém que não suporta a vida que sente que lhe faltam as palavras para exprimir
trar-lhe-ia a companhia de alguém com quem lhe está destinada. E o projecto de casamento os mais profundos sentimentos. Quase todas
não precisava de ter segredos. E disse-o com com Estefânia foi, para ele, uma lufada de ar elas são a expressão de uma imensa saudade
tamanha convicção que não podemos duvidar fresco na multiplicidade de problemas que o das margens do Reno, da vegetação exube-
dos seus sentimentos. De forma que também afligiam e que lhe impunham uma vida emo- rante, dos parques e da frescura que contras-
não me parece correcto que tenha visto o casa- cionalmente violenta. ta com o calor português. Gostou de Sintra,
mento com Estefânia apenas como um dever a O contrato de casamento foi negociado pelo que lhe fez lembrar o castelo de Sigmaringen
cumprir, sem entusiasmo e sem a chama que Conde do Lavradio e, em finais de Julho, já (onde nasceu), mas não se sente bem com
seria normal num jovem. estavam noivos. O país encarou o projecto a presença do sogro, corroborando, aliás, o
As primeiras cartas que escreve à noiva dão com entusiasmo e preparou-se para a festa. sentimento que o próprio Rei tem em relação
um panorama do que era a sua vida de mo- O parlamento aprovou as verbas a despen- à maneira de estar do pai. Mafra foi o lugar
narca. Exprime-lhe a ideia de que vem para der e preparou-se tudo para que a futura rai- mais aprazível que conheceu e onde se sente
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