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A MARINHA DE D. JOÃO III (37)
Navios espanhóis aparecem outra vez nas Molucas
Navios espanhóis aparecem outra vez nas Molucas
problema da posse das ilhas Molu- desde 1535, homem muito próximo do Impe- sa, tratando de enviar um emissário a indagar
cas, foi razão de um conflito agu- rador e do seu secretário Francisco de los Co- o que se passava. As sucessivas trocas de emis-
O do durante os anos vinte do século bos. No princípio dos anos quarenta associou- sários e notificações denotam o normal diálogo
XVI, marcando a primeira parte do reinado -se com o governador da Guatemala e ambos de surdos que este tipo de situações configura-
de D. João III, mas alcançando uma solução desenvolveram um projecto de exploração do va. A questão é que o tempo contava ali a favor
política em 1529, com a assinatura do acordo que chamaram as “ilhas do Mar do Sul”, e, em dos portugueses, porque os navios castelhanos
de Saragoça. Como tive ocasião de dizer nas Julho de 1541, o próprio Carlos V assinou um tinham grandes dificuldades em abastecer-se
Marinha de D. João III nºs 13 e 14, o proble- despacho que autorizava essas explorações, e, com frequência, se deparavam com popula-
ma tinha a ver com o domínio sobre o mar acrescentando, contudo, a explícita recomen- ções hostis que os flagelavam continuamente.
das Molucas, e Castela tinha uma dificuldade dação de “E porque entre Nos e o Sereníssimo Villalobos, porém, tinha mandado um dos na-
muito grande em fazê-lo. Conseguia navegar Rei de Portugal, nosso muito amado e caríssi- vios tentar regressar à Nova Espanha, e tinha
até aquelas ilhas a partir da Nova Espanha, mo irmão, há certos acordos acerca da demar- esperança de que o sucesso dessa viagem mo-
seguindo para ocidente e cruzando o Pacífi- cação e repartição das Índias e, também, sobre tivasse a vinda de reforços e o estabelecimento
co, mas não encontrara ainda uma forma de as ilhas de Maluco e das especiarias, vos man- dos meios necessários para expulsar os por-
regressar pelo mesmo ca- tugueses. Uma esperança
minho, de forma que os que se gorou nove meses
seus navios se perdiam depois quando soube que
sistematicamente, aca- o navio tinha voltado para
bando podres ou captu- trás, como todos os outros,
rados pelos portugueses. devido às condições clima-
Aparentemente, a solução téricas contrárias. Nessa
de Saragoça, com o pa- altura estava já em Tído-
gamento por Portugal de re, aliado com o velho rei
350 mil ducados, tinha to- inimigo de Ternate e dos
das as condições para ser portugueses, e via nisso o
definitiva e Carlos V não último recurso, de quem
queria continuar a deba- perdeu a maioria das suas
ter o assunto no palco das tripulações, uma parte dos
relações diplomáticas. O navios, e vivendo com
nacio nalismo de portu- uns quantos sobreviven-
gueses e espanhóis tem tes esfomeados e fracos.
retirado alguma lucidez Em 1546, Jorge de Castro
ao debate histórico sobre foi rendido por Jordão de
um assunto cujos dados Freitas que reforçou a pres-
são, apesar de tudo, sim- são, apoiado no reforço de
ples: nem D. João III que- Índico Oriental, Itinerário de Jan Huygen van Linschoten. meios que vieram com ele
ria conflitos com o Imperador, nem o Impe- do que guardeis como está escrito e não toqueis de Malaca. Villalobos não tinha mais esperan-
rador queria conflitos com D. João III. Assim, em coisa que pertença ao Sereníssimo Rei”. E ças – sobretudo porque as relações com o rei
tudo se resolveu com o pagamento de 350 mil no dia 1 de Novembro de 1542, saiu de La Na- local se tinham degradado – mas obteve ainda
ducados, nos termos do acordo de Saragoça: vidad uma armada, comandada por Ruy Lo- uma trégua de oito meses, tempo que os por-
Portugal ficava, portanto, com direito à explo- pez Villalobos, constituída por três naus, um tugueses e castelhanos julgaram ser suficien-
ração do comércio daquelas ilhas, e o assunto galeão, uma galeota e uma fusta, que navega- te para que viessem instruções da Índia e da
poderia considerar-se fechado, até que novos ram para ocidente ao longo do Pacífico. Des- Nova Espanha. Enviou, de novo, um navio
dados pudessem ser exibidos a comprovar a sa viagem existem alguns relatos detalhados, para que tentasse, agora, a rota pelo sul e não
sua localização exacta. sabendo-se que alcançaram Mindanau, clara- pelo norte, como fizera antes, mas o insucesso
O problema deste tipo de tratados é que a mente a oeste das Molucas e dentro do espaço foi o mesmo. Acabou por aceitar as condições
evidência num determinado momento de- português consignado pelo acordo de Sarago- dos portugueses, morrendo pouco depois de
saparece ou inverte-se quando a relação de ça. E não deixa de ser curioso que a ponta sul febres. Para a Índia foram os espanhóis sobre-
forças se altera. E a esperança dos investido- dessa ilha ou as pequenas Sarangani, onde esti- viventes daquela aventura, sobre a qual Car-
res espanhóis, nomeadamente os que conse- veram fundeados muito tempo, seja uma refe- los V emitiu o seguinte despacho: ”não há ne-
guiam alguma influência junto do Imperador rência importante na derrota de Malaca para as nhuma diligência a fazer, não parecendo que
ou dos seus representantes nas Américas, era Molucas, pelo norte de Bornéu. Querendo isto os portugueses tenham qualquer culpa”. Mas
a de que ainda lhes fosse possível ganhar força dizer que não deve excluir-se a possibilidade não sem antes ter dado instruções secretas
nas Molucas e forçar os portugueses a alterar de que soubessem muito bem onde estavam e para que quem recebesse os sobreviventes,
os termos do Tratado, mesmo que isso impli- como ir dali para as Ilhas do Cravo, porque as “nas Índias ou em Castela”, os interrogasse
casse devolver os 350 mil ducados. Essa ideia informações circulavam e chegavam aos ouvi- sobre essas ilhas, “mas dando a entender que
persistiu em Castela e as tentativas de alcan- dos dos pilotos, mesmo que apenas de forma foram repreendidos de forma a agradar ao
çar as ilhas foram-se sucedendo, sempre com vaga ou difusa. Sereníssimo Rei de Portugal”. Assim eram os
o impedimento decisivo de não conseguirem O capitão das Molucas, D. Jorge de Castro, jogos de poder.
sair de lá sem cruzar o Índico. Uma das figu- teve notícias dos navios espanhóis pouco de- Z
ras que sempre acalentou esta esperança foi pois da sua chegada às ilhas de Sarangani (Sa- J. Semedo de Matos
António de Mendonça, Vice-Rei do México rangão), e começou logo a preparar a sua defe- CFR FZ
20 AGOSTO 2008 U REVISTA DA ARMADA