Page 276 - Revista da Armada
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mana, ganhando rápida notoriedade pelo seu Inglaterra, para uma visita a Londres. Contra- poderes seculares, e a queima da sua efígie pe-
extraordinário poder de argumentação. Entre riamente ao que esperava, é friamente recebido los estudantes de Coimbra, após a revogação
a ilustre assistência, marca presença a ex-rainha no Paço. Nos cinco anos em que permanece em do Breve papal que o isentava da condenação
Cristina da Suécia, que se exilara em Roma de- Lisboa não mais voltará a ter oportunidade de por heresia. Os seus adversários continuavam
pois de se converter ao catolicismo e de abdicar voltar à ribalta política, a despeito de algumas a ter uma acentuada influência em Roma, na
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do trono sueco , cerca de vinte anos antes. Tor- tentativas em contrário, como foi o caso da de- Corte e – o que é mais grave – entre alguns sec-
na-se, assim, alvo das atenções da antiga sobe- dicatória ao Monarca do primeiro volume dos tores da População.
rana, que o convida para seu pregador pessoal, seus “Sermões”, aquando da sua primeira pu- Sentindo-se debilitado, retira-se para a Quin-
convite que recusa com receio de desagradar à blicação em Portugal (1679). Consegue, no en- ta do Tanque, onde prepara para a imprensa os
coroa portuguesa. No entanto, passa a frequen- tanto, a aprovação de uma nova lei de protec- seus inúmeros escritos. Prossegue a escrita da
tar assiduamente o seu palácio, onde sua obra profética (textos que designa
convive com nomes sonantes das ciên- por “palácios” em contraponto às mais
cias, artes e letras internacionais. modestas “choupanas”, isto é os ser-
Aproveitando o prestígio granjeado mões), iniciando a redacção de “Clavis
junto da Cúria romana, desenvolve Prophetarum: De Regno Christi in Terris
esforços no sentido de, por caminhos Consumato” (Chave dos Profetas: So-
paralelos, atingir os objectivos que se- bre o Reino de Cristo Consumado na
cretamente se propusera: a absolvi- Terra), a que dedicará os últimos anos
ção da condenação inquisitorial e a da sua vida e que deixará incomple-
defesa dos cristãos-novos. Junto des- ta e inédita. Continua a esperar um
tes procura assegurar financiamentos futuro auspicioso para Portugal e a
para outra ideia sua: a criação de uma cada nascimento ou casamento na
companhia de comércio do Oriente (se Corte renasce a sua esperança numa
recordarmos a sua anterior iniciativa nova revelação.
respeitante à companhia de comércio Deportação dos jesuítas pelos colonos do Maranhão (ilustração publicada no Em Junho de 1683 é chamado a in-
livro de André de Barros, Vida do Apostolico Padre Antonio Vieyra).
do Brasil, torna-se evidente a sua inspi- tervir na defesa do seu irmão Bernar-
ração no modelo holandês). Escreve ao regente ção aos índios do Maranhão, tendo, ainda, sido do – na altura secretário do estado da Baía - e
D. Pedro, mas a conjuntura em Portugal não convocado para participar na Junta de Conse- do sobrinho Gonçalo, implicados, pelos seus
lhe é muito favorável: a sanha persecutória da lheiros de Estado e Ultramar em 1680. inimigos, na morte do novo governador, cujo
Inquisição, reforçada por uma profanação ve- De Roma, a Rainha Cristina envia-lhe um autoritarismo contestavam abertamente. Ape-
rificada na igreja do mosteiro de Odivelas, da convite para ser seu confessor particular, mas sar de enfrentar um ambiente bastante desfa-
qual se acusaram os judeus (originando novas responde com nova recusa. É que, face ao seu vorável, o seu talento oratório, na qualidade
perseguições e ordens de expulsão), não permi- desencanto com a vida pública na Metrópole, de advogado improvisado, acabará por ilibá-
te que a ideia vá por diante. Mergulhado num que lhe agrava os males do corpo e lhe provoca los da acusação.
clima de beatice, medo, preconceito e imobilis- violentos acessos de febre (devidos ao paludis- No ano seguinte registam-se levantamentos
mo, Portugal não parecia muito empenhado mo que contraíra na selva amazónica), come- autonomistas no Maranhão e ressurge a hos-
em defender o império que tão arduamente ça, de novo, a sentir o apelo da acção missio- tilidade contra os jesuítas. Sempre rodeado de
construíra no passado e ignorava as vozes dos nária no Brasil. turbulência, o venerando padre mostra desejos
poucos iluminados que tentavam reagir contra de retomar a actividade missionária. Em 1687,
a decadência económica e civilizacional. REGRESSO À BAÍA apesar de enfraquecido pelas sucessivas san-
Persiste, no entanto, em denegrir a imagem grias a que é sujeito, obtém a nomeação como
da Inquisição portuguesa em Roma, onde o No dia 27 de Janeiro de 1681 António Vieira Visitador-Geral das Missões do Brasil, o que
ambiente era muito mais aberto e tolerante. regressa à sua amada Baía – de onde estivera constitui um reconhecimento pela Companhia
Em 1674 consegue que o Papa de- de Jesus do seu grande prestígio.
crete a suspensão dos poderes secu- Sempre dinâmico, exorta os novos
lares do Santo Ofício em Portugal. missionários e incentiva-os a apren-
Nos sete anos seguintes, antes que der as línguas indígenas – como ele,
esta sinistra organização fizesse, de de resto tinha feito -, promovendo,
novo, valer a sua influência, não se ainda, novas incursões missionárias
registaram autos-de-fé em territó- ao interior da Baía, de que é exem-
rio nacional. plo a campanha dos Quiriris.
O seu triunfo consuma-se a 17 de Mas a sua fragilizada saúde e a
Abril de 1675, altura em que o Papa sua idade avançada não tardam a
lhe concede um Breve louvando a cobrar o seu tributo. Cansado e en-
sua acção e absolvendo-o de todas velhecido, termina o mandato em
as condenações inquisitoriais que 1691 e regressa à Quinta do Tanque.
pesavam sobre ele. Mais ainda: co- Mantém, no entanto, o espírito ac-
loca-o directamente na dependên- tivo e, apesar de estar quase cego,
cia judicial do Santo Ofício da Cúria continua a corresponder-se com
Pontifícia, tornando-o, assim, imu- altas figuras das cenas portuguesa
ne à perseguição dos inquisidores Largo Trindade Coelho e Igreja de S. Roque em Lisboa. e europeia.
portugueses. Gravura de José Artur Leitão Bárcia. Arquivo Histórico da CML. A 1 de Março de 1694 vê vingar
O feliz exílio romano termina abruptamen- ausente cerca de quarenta anos - e aos traba- outra das suas ideias: a criação da Casa da Mo-
te em Maio, quando D. Pedro II ordena o seu lhos de evangelização, desta vez na condição eda do Brasil.
regresso urgente. No caminho hospeda-se no de Superior das Missões no Brasil. Tendo deixado os cargos de responsabili-
palácio do Grão-Duque de Florença e passa por Pouco tempo após a chegada, chegam-lhe de dade, continua a intervir activamente na vida
Génova, Marselha e Bordéus, recusando, ain- Portugal duas notícias que o deixam desgosto- da Companhia e ainda nesse ano interfere na
da (por motivos de pressa ou de cansaço), um so: o retomar dos julgamentos pelo tribunal do eleição de um Procurador pela Congregação
convite de D. Catarina de Bragança, rainha de Santo Ofício, a quem o novo papa devolvera os Provincial, cuja nomeação considera ser uma
22 AGOSTO 2008 U REVISTA DA ARMADA