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ESCOLA        NAVAL
                         ESCOLA        NAVAL



                                         Viagens de Instrução

               ago Coutinho escreveu, no início do sécu-  Satisfeita a primeira preocupação, relativa ao alo-  mecânica e com o velame destruído. Reposta a
               lo XX, nos Anais do Clube Militar Naval:  jamento de todos os cadetes a bordo, já com a bóia  operacionalidade do aparelho propulsor, o veleiro
         G «Se, por agora, não podemos ter bons  nº 2 da barra Sul do porto de Lisboa nos sectores de  foi acompanhado de perto até ao porto da Baleeira.
         navios de guerra, tenhamos só bons navios-esco-  popa, foram ministradas as habituais palestras sobre  Curiosamente, também neste período, a João Roby
         las; porque esses são os essenciais, e tanto que, se  os serviços de bordo, que visaram a familiarização  foi empenhada no apoio de um veleiro com pro-
         a Marinha portuguesa só pudesse ter um navio,  com a organização de bordo e preparação para as  blemas na propulsão, que devidamente auxiliado
         esse deveria ser um navio-escola.  funções específicas a desempenhar futuramente.  regressou a bom porto.
           O material compra-se com dinheiro, mas o pes-  Com o anoitecer, os cadetes integraram os quar-  Com a passagem da primeira espia, ficou con-
         soal não se compra: leva muitos anos de trabalho e  tos, coadjuvando a guarnição e iniciando a primei-  cluída a viagem de instrução, onde o contacto com
         tradição a formar. Comecemos pela sua formação,  ra sensibilização para a vida a bordo. Assumiram  os instrumentos, a vivência a bordo, o cerimonial
         que é afinal começar pelo princípio.»  rotativamente, as funções de adjunto ao Oficial de  marítimo e as missões atribuídas, constituíram uma
           Hoje, como há um século, estas palavras fazem  Quarto, auxiliando na condução do navio, prati-  verdadeira iniciação de mar.
         todo o sentido. Em qualquer actividade humana,  cando navegação, para além de desempenharem   Atingido o principal objectivo – confrontar os
         a formação é fundamental. Ser oficial de Marinha  as habituais funções de vigia, telégrafos e leme.  alunos com os desafios da vida naval – avultam os
         implica possuir um leque alargado de conhecimen-  No dia seguinte,realizou-se um exercício de tiro  ganhos de conhecimentos, novas aprendizagens e
         tos e de valências. Muitas dessas capacidades são  naval, no qual os cadetes puderam efectuar o seu  práticas, experimentadas pelos cadetes do 1º ano
         adquiridas nos bancos da escola, em aulas teóri-  baptismo de fogo com a peça de 40 mm e observar  da Escola Naval, que a bordo destes dois navios
         cas. No entanto, a formação teórica não                                     construíram mais um pilar basilar na sua
         é suficiente, uma vez que as funções de-                                     formação como futuros oficiais. Cumpriu-
         sempenhadas a bordo implicam também                                         -se também a tradição, de à passagem pela
         o desenvolvimento de uma importante                                         ponta de Sagres serem prestadas as honras
         formação prática.                                                           militares previstas no Cerimonial Maríti-
           É dentro deste espírito que anualmen-                                     mo, enquanto era lida uma breve alocução
         te se realizam as viagens de instrução,                                     acerca da mítica «Escola de Sagres» e do
         quando os restantes estudantes têm as                                       seu fundador, o Infante D. Henrique.
         suas férias escolares. Embora ao longo
         do ano lectivo existam actividades des-                                     CURSO «COMANDANTE
         tinadas a proporcionar o contacto com                                       NUNES RIBEIRO» – 2º ANO
         o mar, as viagens de instrução são fun-
         damentais. A sua duração mais alargada                                        Teve início, no passado dia 7 de Junho,
         e o facto de nelas participar a totalidade                                  a Viagem de Instrução do Curso «Coman-
         de cada curso favorecem a integração nas                                    dante Nunes Ribeiro» a bordo da emble-
         actividades de bordo e o fortalecimento                                     mática Sagres um dos momentos mais
         do espírito de corpo, fundamentais para a   NRP “João Roby”.                esperados pelos cadetes que frequentam
         formação militar e naval dos futuros oficiais. Todos  o tiro da peça de 76.2 mm da António Enes. A João  o 2.º ano da Escola Naval. Trata-se geralmente da
         os cadetes da Escola Naval participam nestas via-  Roby regressou, dividindo-se os cadetes pelos dois  viagem mais longa que os cadetes realizam e que
         gens, sendo os respectivos programas adequados  navios. Navegando já os navios em companhia,  tem, entre outros objectivos, permitir um contacto
         ao nível de conhecimento de cada um dos cursos  rea lizaram-se diversos exercícios, a Sul de Sesim-  mais alargado com o mar, com tiradas mais longas
         e às matérias leccionadas durante os respectivos  bra, com helicópteros da Marinha e da Força Aérea,  e com todo o curso reunido num único navio. Por
         anos lectivos.                     tendo sido neles envolvidos alguns cadetes.  outro lado, as características peculiares da barca,
           Ao longo deste artigo, para o qual contribuíram   Nos dias que se seguiram, os navios executa-  permitem uma formação mais completa em ter-
         oficiais e cadetes envolvidos nas várias viagens de  ram acções de fiscalização de pesca, exercícios  mos de «espírito marinheiro», uma vez que ainda
         instrução realizadas este ano, vamos apresentar  de reboque e aproximações para reabastecimen-  são praticados muitos processos tradicionais de na-
         uma breve descrição de cada uma delas.  to. Internamente, os treinos para adestramento das  vegação e manobra.
                                            guarnições estenderam-se às áreas de limitação   À despedida, tinha cada um, em seu peito, um
         CURSO «D. RODRIGO DE SOUSA         de avarias, mecânica, electrotecnia, marinharia e  misto de alegria, orgulho e ansiedade. Era, para a
         COUTINHO» – 1º ANO                 governo e manobra, com séries de combate a in-  maioria, a primeira grande jornada marítima longe
                                            cêndio, alagamentos, de máquinas, de emergência  da família e dos amigos, e apenas com os camaradas
           No período de 28 de Julho a 3 de Agosto, os  eléctrica, avarias no leme, homem ao mar, postos  do Curso e a restante guarnição do navio. Conforme
         cadetes do 1º ano, do curso «D. Rodrigo de Sousa  de abandono e contagem rápida.   o navio se foi afastando do cais e se foram confun-
         Coutinho», embarcaram nas corvetas António Enes   Finalmente os navios atracaram ao quinto dia de  dindo, com a distância,  todos aqueles que se vieram
         e João Roby. Face à indisponibilidade inicial da  viagem no porto de Leixões, único porto pratica-  despedir de quem parte, foi altura de entrar em con-
         João Roby, empenhada numa acção SAR, tornou-  do, com o objectivo de proporcionar aos cadetes  tacto com a realidade da barca onde os cadetes iriam
         -se necessário embarcar, inicialmente, todo o curso  uma visita guiada ao porto comercial sob a égide  passar os quase 2 meses e meio de viagem.
         e oficiais acompanhantes na António Enes.  da administração portuária.   Nesta viagem participaram diversos cadetes es-
           Sabendo-se que os alunos do 1º ano não pos-  De Leixões a força largou com destino a Lisboa,  trangeiros: 1 americano, 1 inglês, 1 espanhol, 2
         suem os conhecimentos e a experiência necessária  mas o empenhamento da António Enes, numa ac-  marroquinos e 1 turco. Todos eles se integraram,
         para aproveitarem viagens mais longas, pretende-  ção de busca e salvamento, prorrogou, por mais  com naturalidade, nas diversas actividades da vida
         -se, numa viagem mais curta e menos exigente na  umas horas, a atracação prevista para a manhã  dos cadetes da Escola Naval. Estas actividades in-
         participação das tarefas de bordo, garantir os essen-  do último dia de viagem. Felizmente, os alunos  cluíam participação nos quartos, em funções de
         ciais contactos com as actividades de um navio a  puderam presenciar uma assistência no mar, bem  adjuntos, e nas fainas, assim como integração das
         navegar, e com o quotidiano de uma guarnição.  sucedida, a um veleiro à deriva, sem propulsão  divisões de serviço, quando atracados. Os cadetes

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