Page 296 - Revista da Armada
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ESCOLA NAVAL
ESCOLA NAVAL
Viagens de Instrução
ago Coutinho escreveu, no início do sécu- Satisfeita a primeira preocupação, relativa ao alo- mecânica e com o velame destruído. Reposta a
lo XX, nos Anais do Clube Militar Naval: jamento de todos os cadetes a bordo, já com a bóia operacionalidade do aparelho propulsor, o veleiro
G «Se, por agora, não podemos ter bons nº 2 da barra Sul do porto de Lisboa nos sectores de foi acompanhado de perto até ao porto da Baleeira.
navios de guerra, tenhamos só bons navios-esco- popa, foram ministradas as habituais palestras sobre Curiosamente, também neste período, a João Roby
las; porque esses são os essenciais, e tanto que, se os serviços de bordo, que visaram a familiarização foi empenhada no apoio de um veleiro com pro-
a Marinha portuguesa só pudesse ter um navio, com a organização de bordo e preparação para as blemas na propulsão, que devidamente auxiliado
esse deveria ser um navio-escola. funções específicas a desempenhar futuramente. regressou a bom porto.
O material compra-se com dinheiro, mas o pes- Com o anoitecer, os cadetes integraram os quar- Com a passagem da primeira espia, ficou con-
soal não se compra: leva muitos anos de trabalho e tos, coadjuvando a guarnição e iniciando a primei- cluída a viagem de instrução, onde o contacto com
tradição a formar. Comecemos pela sua formação, ra sensibilização para a vida a bordo. Assumiram os instrumentos, a vivência a bordo, o cerimonial
que é afinal começar pelo princípio.» rotativamente, as funções de adjunto ao Oficial de marítimo e as missões atribuídas, constituíram uma
Hoje, como há um século, estas palavras fazem Quarto, auxiliando na condução do navio, prati- verdadeira iniciação de mar.
todo o sentido. Em qualquer actividade humana, cando navegação, para além de desempenharem Atingido o principal objectivo – confrontar os
a formação é fundamental. Ser oficial de Marinha as habituais funções de vigia, telégrafos e leme. alunos com os desafios da vida naval – avultam os
implica possuir um leque alargado de conhecimen- No dia seguinte,realizou-se um exercício de tiro ganhos de conhecimentos, novas aprendizagens e
tos e de valências. Muitas dessas capacidades são naval, no qual os cadetes puderam efectuar o seu práticas, experimentadas pelos cadetes do 1º ano
adquiridas nos bancos da escola, em aulas teóri- baptismo de fogo com a peça de 40 mm e observar da Escola Naval, que a bordo destes dois navios
cas. No entanto, a formação teórica não construíram mais um pilar basilar na sua
é suficiente, uma vez que as funções de- formação como futuros oficiais. Cumpriu-
sempenhadas a bordo implicam também -se também a tradição, de à passagem pela
o desenvolvimento de uma importante ponta de Sagres serem prestadas as honras
formação prática. militares previstas no Cerimonial Maríti-
É dentro deste espírito que anualmen- mo, enquanto era lida uma breve alocução
te se realizam as viagens de instrução, acerca da mítica «Escola de Sagres» e do
quando os restantes estudantes têm as seu fundador, o Infante D. Henrique.
suas férias escolares. Embora ao longo
do ano lectivo existam actividades des- CURSO «COMANDANTE
tinadas a proporcionar o contacto com NUNES RIBEIRO» – 2º ANO
o mar, as viagens de instrução são fun-
damentais. A sua duração mais alargada Teve início, no passado dia 7 de Junho,
e o facto de nelas participar a totalidade a Viagem de Instrução do Curso «Coman-
de cada curso favorecem a integração nas dante Nunes Ribeiro» a bordo da emble-
actividades de bordo e o fortalecimento mática Sagres um dos momentos mais
do espírito de corpo, fundamentais para a NRP “João Roby”. esperados pelos cadetes que frequentam
formação militar e naval dos futuros oficiais. Todos o tiro da peça de 76.2 mm da António Enes. A João o 2.º ano da Escola Naval. Trata-se geralmente da
os cadetes da Escola Naval participam nestas via- Roby regressou, dividindo-se os cadetes pelos dois viagem mais longa que os cadetes realizam e que
gens, sendo os respectivos programas adequados navios. Navegando já os navios em companhia, tem, entre outros objectivos, permitir um contacto
ao nível de conhecimento de cada um dos cursos rea lizaram-se diversos exercícios, a Sul de Sesim- mais alargado com o mar, com tiradas mais longas
e às matérias leccionadas durante os respectivos bra, com helicópteros da Marinha e da Força Aérea, e com todo o curso reunido num único navio. Por
anos lectivos. tendo sido neles envolvidos alguns cadetes. outro lado, as características peculiares da barca,
Ao longo deste artigo, para o qual contribuíram Nos dias que se seguiram, os navios executa- permitem uma formação mais completa em ter-
oficiais e cadetes envolvidos nas várias viagens de ram acções de fiscalização de pesca, exercícios mos de «espírito marinheiro», uma vez que ainda
instrução realizadas este ano, vamos apresentar de reboque e aproximações para reabastecimen- são praticados muitos processos tradicionais de na-
uma breve descrição de cada uma delas. to. Internamente, os treinos para adestramento das vegação e manobra.
guarnições estenderam-se às áreas de limitação À despedida, tinha cada um, em seu peito, um
CURSO «D. RODRIGO DE SOUSA de avarias, mecânica, electrotecnia, marinharia e misto de alegria, orgulho e ansiedade. Era, para a
COUTINHO» – 1º ANO governo e manobra, com séries de combate a in- maioria, a primeira grande jornada marítima longe
cêndio, alagamentos, de máquinas, de emergência da família e dos amigos, e apenas com os camaradas
No período de 28 de Julho a 3 de Agosto, os eléctrica, avarias no leme, homem ao mar, postos do Curso e a restante guarnição do navio. Conforme
cadetes do 1º ano, do curso «D. Rodrigo de Sousa de abandono e contagem rápida. o navio se foi afastando do cais e se foram confun-
Coutinho», embarcaram nas corvetas António Enes Finalmente os navios atracaram ao quinto dia de dindo, com a distância, todos aqueles que se vieram
e João Roby. Face à indisponibilidade inicial da viagem no porto de Leixões, único porto pratica- despedir de quem parte, foi altura de entrar em con-
João Roby, empenhada numa acção SAR, tornou- do, com o objectivo de proporcionar aos cadetes tacto com a realidade da barca onde os cadetes iriam
-se necessário embarcar, inicialmente, todo o curso uma visita guiada ao porto comercial sob a égide passar os quase 2 meses e meio de viagem.
e oficiais acompanhantes na António Enes. da administração portuária. Nesta viagem participaram diversos cadetes es-
Sabendo-se que os alunos do 1º ano não pos- De Leixões a força largou com destino a Lisboa, trangeiros: 1 americano, 1 inglês, 1 espanhol, 2
suem os conhecimentos e a experiência necessária mas o empenhamento da António Enes, numa ac- marroquinos e 1 turco. Todos eles se integraram,
para aproveitarem viagens mais longas, pretende- ção de busca e salvamento, prorrogou, por mais com naturalidade, nas diversas actividades da vida
-se, numa viagem mais curta e menos exigente na umas horas, a atracação prevista para a manhã dos cadetes da Escola Naval. Estas actividades in-
participação das tarefas de bordo, garantir os essen- do último dia de viagem. Felizmente, os alunos cluíam participação nos quartos, em funções de
ciais contactos com as actividades de um navio a puderam presenciar uma assistência no mar, bem adjuntos, e nas fainas, assim como integração das
navegar, e com o quotidiano de uma guarnição. sucedida, a um veleiro à deriva, sem propulsão divisões de serviço, quando atracados. Os cadetes
6 SETEMBRO/OUTUBRO 2008 U REVISTA DA ARMADA