Page 134 - Revista da Armada
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ministrados pelas suas sucessivas guarnições  embarcação, um aprazível passatempo da  das. E felizmente para Portugal que tais pontos
         portuguesas e os periódicos tratamentos re-  juventude, como podem julgar os profanos,  de vista não venceram junto das autoridades
         cebidos no Arsenal do Alfeite, têm felizmente  nem uma prática anacrónica, filha de um sau-  brasileiras que, na mesma altura, tiveram de de-
         permitido manter o seu bom estado de saúde,  dosismo doentio, como outros a consideram.  cidir sobre idêntica controvérsia gerada em tor-
         não esquecendo também, justiça seja feita,  Muito mais do que isso, a Vela, para além de  no do seu navio-escola “Guanabara”. Para essa
         os ajustados planeamentos de manutenção,  um desporto saudável e de uma agradável ini-  decisão sabe-se no entanto que pesou bastante
         reparação e modernização que as estruturas  ciação nas lides do mar, é um inestimável e  o facto de a frequência de cada curso da Esco-
         técnicas da Marinha lhe têm oportunamente  insubstituível instrumento de prefeita prepara-  la Naval brasileira ser de cerca de 200 aspiran-
         vindo a dedicar, desde há                                                            tes, o que obrigava a que
         largos anos.                                                                         o seu embarque no navio
           A decisão sobre a via                                                              tivesse de ser desdobrado
         a seguir para substituir a                                                          Foto CAB L Figueiredo  em duas viagens, por falta
         anterior “Sagres”, que na                                                            da necessária capacidade
         altura precisaria de gran-                                                           de alojamento.
         des e extensas reparações,                                                             Relacionado com este
         envolvendo avultados                                                                 momento crucial da vida
         custos face ao estado de                                                             do navio, vem-me sem-
         degradação a que chega-                                                              pre à memória um episó-
         ra e aos trabalhos de recu-                                                          dio passado na viagem ao
         peração e modernização                                                               Brasil de 1988, quando o
         de que necessitaria para                                                             navio estava sob o meu
         continuar a cumprir as                                                               comando, durante a es-
         suas missões, esteve longe                                                           cala que fizemos em Sal-
         de ser pacífica. Para ilus-                                                           vador. Era então Chefe do
         trar este facto, passo a ci-                                                         respectivo Distrito Naval
         tar alguns excertos de um                                                            o Vice-Almirante Ivan da
         artigo publicado à época,                                                            Silveira Serpa, que, como
         no Diário de Notícias de                                                             era habitual, aceitou o
         30 de Março de 1960, da   O Presidente da Comissão Cultural, CALM Rui de Abreu.      convite protocolar para
         autoria do então capitão-tenente Serra Bran-  ção profissional.        o almoço oficial a bordo oferecido às autori-
         dão, na altura distinto professor da Escola Na-  A Vela está na verdadeira essência da arte  dades do porto visitado. Durante o almoço, o
         val, cujo título era precisamente “ A propósito  de navegar…          Almirante fez rasgados e entusiásticos elogios
         da substituição do navio-escola Sagres”. Dizia   … Raros são hoje os (grandes) veleiros que  ao navio e relatou, com visível emoção, memó-
         então esse artigo:                 sulcam as águas dos oceanos. Na sua quase  rias muito vivas de uma viagem que efectuou
           Publicou o Diário de Notícias um interessan-  totalidade são navios-escolas onde os jovens  no “Guanabara” quando era aspirante. Na sua
         te artigo intitulado “A substituição do navio-es-  marinheiros do mundo civilizado iniciam a sua  opinião considerou que tinha sido um erro o
         cola Sagres, escolha entre a vela e a máquina” e  formação, onde se aperfeiçoam e se impreg-  Brasil ter perdido o navio.
         nele se sugere, como solução económica, que  nam daquele espírito que só podem sentir os   Cerca de três anos mais tarde, quis o desti-
         o velho navio de vela, no termo dos seus dias,  que já uma vez ouviram o gemer dos cabos e  no que eu viesse a ser nomeado Adido de De-
         seja substituído nas suas funções por um aviso  o cantar do vento nas enxárcias.  fesa em Brasília, sendo nessa altura Chefe do
         de 1ª classe tipo “Bartolo-                                                          Estado-Maior da Armada
         meu Dias”.                                                                           brasileira o atrás citado
           Nada tendo a objectar                                                              Almirante Ivan da Silveira
         à transformação do aviso                                                            Foto CAB L Figueiredo  Serpa, o qual ainda du-
         em navio-escola, até por                                                             rante a minha comissão
         ser evidente que a prepa-                                                            no Brasil ascendeu a Mi-
         ração dos novos oficiais                                                              nistro da Marinha. Quis
         e marinheiros tem de ser                                                             assim a minha boa estre-
         feita em navios de guerra                                                            la que tivesse tido, graças
         modernamente equipa-                                                                 à “Sagres”, o privilégio de
         dos, a aceitação do de-                                                              um tratamento algo dife-
         saparecimento da vela                                                                renciado, por parte da-
         na fase preliminar da sua                                                            quele distintíssimo Almi-
         formação suscita-nos a                                                               rante, relativamente aos
         publicação das seguintes                                                             meus pares das outras
         considerações.                                                                       nacionalidades, o que não
           Ao aproximar-se uma                                                                deixou de causar algumas
         decisão desta natureza                                                               veladas invejas, embora
         não é possível esquecer                                                              quase sempre esbatidas
         o importante papel que à                                                             pelos laços de camarada-
         Vela cabe na preparação   O Almirante Castanho Paes.                                 gem criados ao longo do
         do novo oficial, tornando-o mais marinheiro,   É o reconhecimento da necessidade da Vela  nosso frequente convívio.
         dando-lhe um perfeito conhecimento do meio  como meio seguro de formação profissional   Aliás, sobre a controvérsia que envolveu a
         em que actua, formando-lhe e desenvolvendo-  que tem levado o mundo atlântico à conserva-  substituição da antiga “Sagres”, o autor da obra
         -lhe qualidades, modificando-lhe a sua manei-  ção dos grandes veleiros, à sua reconstrução, à  em apreço refere-se a esta conturbada encruzi-
         ra de sentir, pensar e querer, adaptando-lhe o  sua substituição ou à sua adaptação.    lhada da vida do navio, com bastante detalhe,
         corpo e moldando-lhe o espírito.     Passado quase meio século sobre a data em  no capítulo intitulado “A venda do Guanaba-
           A Vela não é apenas distracção elegante  que estas palavras foram escritas, só posso co-  ra”. Da descrição dos factos feita pelo autor,
         dos que podem suportar os encargos de uma  mentar que as julgo perfeitamente actualiza-  ressalta bem o empenhamento do Dr. Teotó-

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