Page 169 - Revista da Armada
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cala pelo Funchal, durante alguns dias, a aguar- barca “Sagres” partiu com rumo ao Brasil, com de Novembro de 1937, no Automóvel Club de
dar a chegada do Comandante que, por motivos destino ao porto de Santos, com um “cheirinho” S. Paulo, com a presença das principais figuras
de saúde, não pôde sair com o navio. Assim, até a Rio de Janeiro, com o navio a passar à vista da representativas da Colónia e nela tomou parte a
à Madeira comandou o navio, o oficial imedia- cidade, onde tinha estado na viagem do ano an- nossa actriz Beatriz Costa, que ali estava com a
to, capitão-de-fragata João Pais Batista de Carva- terior. Chegámos no fim da primeira semana de sua Companhia Portuguesa de Revistas, a actu-
lho. Partimos para S. Vicente de Cabo Verde e Novembro. Toda a guarnição do navio foi muito ar com o maior êxito. Desse almoço guardei um
ali, com a “Sagres” fun- exemplar do Cardápio,
deada no Porto Grande com dedicatória da actriz
na cidade do Mindelo, e de outras pessoas, entre
onde durante cerca de elas o comendador Fran-
um mês fizemos, por as- cisco Fortes, e principal
sim dizer, toda a “recru- mentor do convite.
ta”, análoga ou mesmo De Santos partimos
mais completa, comum para Angola, com desti-
a todos os mancebos que no ao Lobito, onde chegá-
vão para a tropa. A este mos, ao fim de mais de 30
propósito o “desembara- dias de viagem, cruzando
ço” nos exercícios físicos o Atlântico Sul fazendo a
a destreza revelada, eram “Sagres”, nessa viagem,
factores que os instrutores a tirada mais longa até aí
ajuizavam. Ali tivemos to- feita ao serviço da nossa
das as fases da instrução, Recepção no Automóvel Club de São Paulo, em 29 NOV 1937. Marinha. Antes havia sido
no mar e em terra. Como veleiro alemão de trans-
exemplo, lembro-me que porte marítimo.
na instrução de remo nun- À saída do Brasil apa-
ca utilizávamos o portaló nhámos uma violentís-
para entrar nos pesados sima tempestade de que
escaleres de 12 remos: - resultou a fractura de uma
descíamos agarrados aos das braçadeiras do guru-
andorinhos, a partir dos pés, dando origem a uma
turcos que suportavam as quebra na velocidade do
embarcações. navio, por não poderem
Por vezes assistiam à ser utilizadas as duas ve-
“manobra”, além dos instrutores também o Co- bem recebida, e os oficiais e cadetes em especial, las que nele se sustentavam.
mandante. Nem todos os cadetes tinham o mes- como foi a grande participação das gentes da Co- Chegados ao Lobito, já em Janeiro de 1938,
mo comportamento nesta forma de agir o que lónia de Santos no jantar oficial que nos ofereceu, ali permanecemos bastantes dias até que fosse
deve ter tido influência na altura de decidir sobre nas vésperas da saída do navio. reparada a avaria do mastro, com o apoio das
a sua aptidão, no fim da viagem. A cidade de S. Paulo, como capital do Estado oficinas das Empresas dos Caminhos de Ferro
Esta situação era repetida sempre que havia que tem o seu nome, e onde vivia, já nessa data, de Benguela. Nessa altura, os cadetes e alguns
instrução de remo e ficou célebre a volta à baía a maior colónia portuguesa, quis mostrar bem o oficiais, a convite da mesma Empresa, instala-
do Lobito em que todos os cadetes tomaram par- regozijo por receber a visita da “Sagres”, e home- dos numa carruagem dos comboios que faziam
te, sem paragem, substituindo-se sempre que o nagear a Marinha Portuguesa, convidando a As- a ligação para o nordeste de Angola, partimos
cansaço o exigia. Esta fase da instrução, consta- para Nova Lisboa .
va segundo sei no relatório do oficial da Escola, No Lobito tivemos também muitas activida-
nomeado para acompanhar o curso na viagem, des ligadas a instrução, mesmo em terra. Porém
nos termos do Regulamento, e que muitos co- o remo foi a actividade que mais tempo ocupou
mentários mereceu, quando apreciado na Escola, a par de ginástica e corridas ministradas pelo ofi-
no fim da viagem a ponto de um dos professores cial da Escola que acompanhava o curso, embo-
mais antigos e considerados lhe chamar o “relató- ra, segundo creio, não fosse especializado em
rio da viagem das galés”. É que além deste relato educação física!..
do remo segundo dizem, porque eu nunca o li, A viagem continuou, com paragem em Luanda
referia também tudo quanto se referia à instrução durante poucos dias e daí para S. Tomé, onde es-
e ao comportamento dos cadetes. Foi uma via- tivemos, também 2 dias com visitas a duas roças.
gem que marcou a nossa memória para sempre Seguiu-se uma escala em Dakar, no Senegal, não
e que ficou ligada às grandes modificações que prevista no plano da viagem, mas por avaria no
se fizeram na Marinha em resultado da nova re- motor do navio, que ali foi reparada em pouco
forma do ensino na Escola Naval. Era necessário tempo. A última escala, da viagem fez-se na visita
que com a nova Escola, tudo fosse diferente do às ilhas Canárias, com permanência no porto de
que anteriormente existiu na que acabava na Rua Las Palmas, na Gran Canária, onde fomos rece-
do Arsenal. Se assim foi, os maus momentos, e bidos com todas as cerimónias próprias de uma
alguns bons, que os 18 cadetes “condestáveis” visita oficial, bem patente no número de entida-
viveram na viagem não poderão ser esquecidos, des oficiais, militares sobretudo, que estavam no
sobretudo quanto aos quatro que foram excluí- cais a aguardar a chegada da “Sagres”.
dos no fim da mesma viagem. O cardápio do almoço com o autógrafo de Beatriz Costa. RA: Nesta viagem era necessário haver apro-
Mas nem tudo foi para esquecer. Nada disso. vação?
Também tivemos bons momentos e gratas recor- sociação, uma representação de oficiais e cade- CALM Pereira de Oliveira: Não lhe sei dizer,
dações de quanto vivemos e, sobretudo, do que tes do navio para passar uns dias em comunhão porquanto não me recordo do que consta do Re-
se passou nos países e territórios visitados. com os portugueses ali residentes. A estadia em gulamento a esse respeito. Porém, como já fui di-
Assim, finda a estadia em Cabo Verde a velha S. Paulo terminou com um almoço, no dia 29 zendo, com referência a tão longa viagem, não
REVISTA DA ARMADA U MAIO 2009 23