Page 167 - Revista da Armada
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Na Escola Naval, no Alfeite, em 1937
           Na Escola Naval, no Alfeite, em 1937

         A                                    RA: Sr. Almirante como é que surge em si o  das cargas dos navios mercantes que fundeavam
              passagem das instalações da Armada para
              o Alfeite começa a visualizar-se depois da  interesse pela Marinha?
                                                                               fora do quadro.
              entrega à Marinha das “Sete Quintas”, o
                                                                                 RA: E assim dirige-se à Escola Naval e ao Al-
                                              CALM Pereira de Oliveira: Nado e criado na
         que veio a acontecer no consulado do Presidente  aldeia de Vale de Azares, bem no coração da Ser-  feite. À sua chegada ao Alfeite, em embarca-
         Sidónio Paes, sendo Ministro da Marinha o Co-  ra da Estrela, no concelho de Celorico da Beira  ção, naquele ano de 1937 será para nós hoje
         mandante Carlos da Maia.           e distrito da Guarda, já lá vão mais de 91 anos e  inimaginável?
           As primeiras construções edificadas no Alfeite,  vindo de modestas famílias de agricultores, o meu   CALM Pereira de Oliveira: A entrega da docu-
         o Corpo de Marinheiros, foram iniciadas a partir  interesse pela Marinha só veio quando já estava  mentação para o concurso foi feita na Secretaria
         do final da Grande Guerra.          a finalizar o curso de Contabilidade no antigo  da Escola Naval, no Alfeite, em princípios de Ju-
           Em 1927 foi lançado o                                                            lho. Para a minha classe havia
         concurso internacional para a                                                      10 ou 12 candidatos, para as
         construção do Arsenal, apro-                                                       quatro vagas abertas e para a
         veitando as indemnizações                                                          classe de Marinha eram muitos
         da guerra por parte da Alema-                                                      mais, para as 14 vagas a con-
         nha, e a construção da Escola                                                      curso. Nesse ano não houve
         Naval começou pouco antes                                                          vagas para a classe de Enge-
         de 1930 .                                                                          nheiros maquinistas navais.
           Diz-se que o Eng.º Duarte                                                         O acesso à Escola Naval era
         Pacheco, Presidente da Câma-                                                       feito pelos barcos cacilheiros
         ra de Lisboa, quando nomea-                                                        ou por barcos de transporte de
         do em acumulação Ministro                                                          pessoal e viaturas, entre o Cais
         das Obras Públicas, foi verifi-                                                     do Sodré e a outra margem.
         car o estado das obras oficiais   A Escola Naval.                                   Para o Alfeite havia carreiras
         que se encontravam em construção. Ao visitar a  Instituto Comercial de Lisboa, em princípios de  de camioneta – a designação autocarro ainda
         Escola Naval deparou-se com os edifícios do in-  1937. Era essa uma das habilitações exigidas para  não era muito usada – até à Cova da Piedade ou
         ternato, refeitório e ginásio quase concluídos e  admissão à Marinha – classe de Administração  até ao Laranjeiro e depois a pé através da mata.
         o escolar a arrancar e teria perguntado aos ar-  Naval. Como tinha classificações no curso que  Indo pela Cova da Piedade entrava-se pelo portão
         quitectos responsáveis se o edifício que estava  me dariam grande possibilidade de ser admitido,  da Romeira, que dava acesso ao pessoal que já
         a nascer era do mesmo tipo dos que já estavam  resolvi concorrer pensando que a entrada na Ma-  trabalhava no Arsenal do Alfeite e noutras activi-
         construídos (construção de tabique), o que lhe foi  rinha poderia aliviar bastante os sacrifícios que  dades ligadas à Marinha, aberto num largo que,
         respondido afirmativamente. Em face da respos-  meus pais tanto faziam para eu estudar.  julgo ainda se chama Margueira. A entrada pelo
         ta, o Ministro mandou suspender a obra e pediu   Da Marinha pouco ou nada sabia, além de que  Laranjeiro fazia-se pelo Portão Verde, aberto no
         aos responsáveis para passarem pelo seu gabine-  era natural da vila de Celorico da Beira o heróico  local da estrada que vindo da Cova da Piedade
         te num prazo relativamente curto. Efectivamente  Comandante Sacadura Cabral que mais tarde me-  era a única via rodoviária para o Sul. Por esse
         assim aconteceu, tendo então os técnicos rece-  receu que lhe erigissem uma estátua, no centro  portão o caminho para a Escola Naval fazia-se a
         bido um novo projecto para o edifício escolar, da  da sede do concelho.  pé, pela entrada que dava acesso ao largo do Pa-
         autoria dos irmãos arquitectos Rebelo de Andra-  Em frente do Terreiro do Paço havia navios de  lácio, hoje o núcleo central do Comando Naval
         de.. A qualidade do edifício foi tal, que passou  guerra presos a grandes bóias vermelhas e entre  e onde já existia uma pequena ponte-cais utili-
         a constituir uma das referências do Modernismo  eles navegavam os cacilheiros das carreiras para  zada por embarcações de apoio ao Arsenal do
         em Portugal. O Ministro face ao estado de aca-  a outra banda – Cacilhas – que partiam do Cais  Alfeite e a outros serviços da Marinha, incluindo
         bamento dos outros edifícios não teve coragem  das Colunas. Tratava-se do que depois aprendi  a Escola Naval. No regresso da nossa viagem de
         de os fazer demolir.               a chamar “O quadro dos navios de guerra”. Lá  adaptação, em fins de Fevereiro de 1938, e já
           A Escola Naval do                                                                   instalados na Escola, era
         Alfeite passou a funcio-                                                              ali que, nos dias de licen-
         nar no ano lectivo de                                                                 ça, atracava uma peque-
         1936-37.                                                                              na embarcação da Escola
           Eram tempos difí-                                                                   que nos trazia até à “Cal-
         ceis, estava-se em plena                                                              deirinha” do velho Arse-
         Guerra Civil de Espa-                                                                 nal. Mas nem sempre foi
         nha, em vésperas da II                                                                assim, sobretudo na últi-
         Guerra Mundial, e o Co-                                                               ma fase do concurso de
         mandante Ortins de Bet-                                                               admissão, fomos nos dois
         tencourt tinha tomado                                                                 rebocadores que a Mari-
         posse como Ministro da                                                                nha possuía – O “Arsenal”
         Marinha em Janeiro de   A bacia do Alfeite.                                           e o “Cordoaria” – que uti-
         1936. Ainda em 1936                                                                   lizavam uma ponte-cais
         sai a nova Reforma da Escola Naval, marcada  vi, nesse tempo, o cruzador “Vasco da Gama”  existente quasi em frente onde hoje é a “Casa da
         pelo reforço da componente militar e técnica e  a “D. Fernando”, o cruzador “5 de Outubro” –  Balança” e que tinha no topo uma grande grua
         o respectivo Regulamento é promulgado só no  antigo iate real “Rainha D. Amélia”, um ou dois  (cábrea). Também me recordo de que nessa al-
         ano seguinte.                      contratorpedeiros, um deles “o Tâmega, e outros  tura, estava em fins de construção na carreira do
           Assim, o curso de entrada de 1937/38 é o pri-  pequenos navios. Do Alfeite nem de ouvir falar  velho Arsenal o aviso “João de Lisboa”
         meiro que se integra nestas condições. A este cur-  me recordo!         Mas, voltando aos acessos à Escola Naval, e
         so pertence o Contra-Almirante AN Carlos Pereira   No rio navegavam dezenas de grandes embar-  partindo do “Portão Verde” pela estrada de aces-
         de Oliveira meu antigo Professor na Escola Naval.  cações à vela – as famosas fragatas do Tejo e ou-  so ao Palácio, havia uma escola primária – a “Es-
         É com ele que vamos conversar.     tras mais pequenas que asseguravam o transporte  cola da D. Arminda”, frequentada por filhos de
                                                                                       REVISTA DA ARMADA U MAIO 2009  21
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