Page 171 - Revista da Armada
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como se deduz de documentação fotográfica Nun’Álvares”, de Oliveira Martins, com uma de- de traz e dela saiu o Chefe do Governo Doutor
antiga, mas não tinha essa informação. A minha dicatória manuscrita e assinada pelo próprio, e Oliveira Salazar. Foi a sua primeira visita à Esco-
memória a esse respeito, não vai muito além do de que do meu transcrevo na íntegra. la e era o próprio Ministro que lhe dava todas as
cais em frente do Palácio e as instalações do Ar- Para o cadete de administração naval – Carlos explicações que ele ia solicitando com a ajuda
senal do Alfeite que tinha entrado em actividade, Pereira de Oliveira: do oficial de serviço. Percorreu todo o edifício
ainda que reduzida. Neste livro encontrará inspiração para a sua das aulas e também parte dos restantes, tendo
No que respeita a edifícios, arruamentos e cais algumas vezes feito referências a determinados
para a Base estavam construídos o edifício com móveis e outros pormenores. Quando visitou,
rampa para o rio, por onde se fazia o movimento no edifício escolar, e o Ministro lhe fez especial
de pequenas embarcações que ficavam, algumas, alusão á enorme mesa oval, feita em raiz de no-
dentro do alpendre anexo ao corpo principal e gueira, altamente trabalhada e polida que ocu-
onde já funcionavam certos serviços adminis- pava grande parte da Sala do Conselho Escolar,
trativos da futura Base. Havia já construído, ou ouvi do Chefe do Governo o seguinte comentá-
em vias disso, um outro edifício, perto do portão rio: “É um belo móvel mas este folheado de no-
principal de acesso à área, que mais tarde serviu gueira daqui a anos vai estar enfolado”. E estava,
para instalar a Direcção do Material de Guerra pois passados anos, quando eu já era professor
(nome antigo do organismo que existia no Minis- da Escola reparei que assim era e recordei-me
tério, junto à Casa da Balança), e ainda outros em da apreciação feita pelo visitante que nesse dia
início para a futura Direcção de Abastecimento, via pela primeira vez.
refeitórios e cozinhas e alojamentos de sargentos Um outro caso houve, no entanto, que ficou
e praças. A messe dos oficiais, construída fora da bem na memória de todos nós.
área da Base, junto ao Palácio, já estaria pronta, Assim, numa vez ou talvez a única, que o Co-
mas não tenho a certeza porque nunca lá fui, an- mandante decidiu dar-nos uma aula sobre como
tes de ser oficial e depois, como fiz vida sempre deve ser a vida a bordo e o cumprimento dos re-
embarcado, o navio era a “minha casa”. gulamentos militares, sentado na cadeira do ins-
Saído da Escola em Outubro de 1939, para a trutor, dizia-nos, com o seu sotaque madeirense:
viagem de guarda-marinha no NRP “Pedro Nu- “Os oficiais devem tratar o pessoal e sobretudo
nes” fazendo o périplo de África, com regresso as praças, com afabilidade e por forma natural”.
pelo Canal do Suez, já com a II Grande Guerra Nessa altura passava em frente da porta da aula
em pleno desenvolvimento, embarquei depois O Cadete Carlos Pereira de Oliveira. uma praça a assobiar e com um “lenço tabaquei-
no NRP “Bartolomeu Dias”, como guarda-ma- ro” ao pescoço. Num ímpeto, levantou-se e da
rinha adjunto do Chefe de Serviço de Abasteci- vida de soldado e de marinheiro da Pátria, tendo porta gritou: “Oh” Marujo – (que veio imediata-
mento durante um ano, com alguns meses em como guia e exemplo as altas virtudes do Santo mente) – e com a mesma voz disse-lhe: “Chamei-
Cabo Verde. Promovido a oficial (sub-tenente) Condestável. -te aqui para te mandar à merda, mais o lenço”!
em 1941, embarquei, já como chefe de serviço Lisboa, 2 de Outubro de 1937. Voltou a sentar-se e com a mesma calma conti-
no NRP “Gonçalo Velho” onde estive cerca de M. Ortins de Bettencourt nuou a aula, dizendo “Os oficiais ....
três anos, com duas comissões em Cabo Verde e Ministro da Marinha. Era assim uma das maneiras de ser do Coman-
uma a Moçambique durante mais de ano e meio. O outro caso refere-se a uma visita feita à Es- dante Gabriel Teixeira. Reacções como esta, ou
Finda a Guerra deixei o NRP “Gonçalo Velho” e cola, num domingo de Março de 1938, anuncia- parecidas, também as tinha, por vezes, quando
embarquei nos NRP’s “Dão” e “Douro” assistia às nossas actividades próprias da
até 1947, passando depois a fazer servi- instrução e na presença dos instrutores.
ço na “NAU DE PEDRA”, até ir para ins- R.A: Senhor Almirante, ficou com
trutor da Escola Naval em 1949. Foto SAJ L Carvalho saudades da Marinha?
Entretanto a Base Naval de Lisboa foi CALM Pereira de Oliveira: Quando
sendo construída no Alfeite e fui assis- se chega para lá dos 91 e se passaram
tindo ao seu crescimento. Mas só fiquei cerca de 50 sempre ao serviço da Mari-
a conhecer o que é hoje a Base, no dia nha, e a natureza nos conservou alguns
5 de Dezembro de 2008 em que, como resquícios de memória, é difícil, ou mes-
antigo professor do curso “D. Lourenço mo impossível, não ter saudades e gratas
de Almeida”, tive a honra e o grato pra- lembranças dos bons momentos e foram
zer de ser convidado a participar nas tantos, que a vida na Armada me propor-
cerimónias comemorativas do cinquen- cionou. Mas também houve situações
tenário da sua entrada na Escola Naval. difíceis, felizmente poucas. Mas dessas
Gostei de ver toda aquela grande área, já nem me lembro.
bem cuidada, que no todo desconhecia. Se fosse possível “voltar cá quando
Entristeceu-me, no entanto, ver um nú- passar para o outro lado” e ainda hou-
mero significativo de navios atracados O CALM Carlos P. Oliveira com o Director da RA no Jardim do Bairro vesse MARINHA, como eu ainda a vivi,
nos molhes, mas já sem jaque nem ban- de S. Miguel, zona onde residem há quase 60 anos. sobretudo nos princípios basilares da sua
deira, com o fim à vista, e sem que outros novos da pelo telefone, depois de almoço, ao oficial de organização, haveria candidato a concorrer”. Po-
ali esperassem, para ocupar o seu lugar. serviço 1TEN Peixoto Correia, sendo adjuntos os rém, para minha grande alegria e satisfação deixa-
RA: Durante o tempo em que frequentou a cadetes Ricou e eu próprio como praticante da rei a Marinha representada na Família pelo gen-
Escola Naval, houve com certeza, casos que po- função. Do Gabinete informaram que de tarde, ro, vice-almirante e pela neta geóloga que, como
dem ser mencionados? por volta das 14,00, visitaria a Escola o Sr. Minis- oficial, usou a “farda com botão de âncora” cerca
CALM Pereira de Oliveira: Há 2 ou 3 casos que tro da Marinha. de cinco anos e agora, como civil, continua a sua
merecem aqui, em meu entender, ficar citados. Como nessa altura a Escola não tinha guar- actividade profissional no Instituto Hidrográfico
O primeiro deu-se no dia da nossa partida para da montada, à hora indicada lá estava à entrada a cuidar dos fundos dos mares.
a viagem – 2 de Outubro de 1937. Antes da lar- principal o pessoal de serviço para a recepção. Z
gada tivemos a visita do Ministro que distribuiu Logo que os dois carros chegaram saiu do pri- Luís Roque Martins
a cada cadete um exemplar do livro “A Vida de meiro o Ministro que logo veio abrir a outra porta CALM EMQ
REVISTA DA ARMADA U MAIO 2009 25