Page 170 - Revista da Armada
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será difícil de admitir o que efectivamente suce- va” nas dispensas de certos exercícios físicos. De- cordo-me que meu Pai, com certo sacrifício, teve
deu. A exclusão de quatro elementos do curso les guardo a sua grata nobreza de carácter confir- de despender, nessa altura, cerca de 10 contos na
deve ter sido baseada no relatório da viagem, ela- mada quando o primeiro foi meu Comandante no moeda de 1937!.. Por cada semestre pagávamos
borado pelo Comando do navio, e nele devem NRP “Dão” e o segundo Comandante da Escola 500$00 de propinas. Além do alojamento e ali-
constar os motivos que levaram à proposta que Naval, quando ali fui professor. mentação não tínhamos qualquer remuneração.
deu origem à decisão do Ministro. RA: A Reforma trouxe alterações também nos Isso tinham os aspirantes que ainda encontrei na
No que respeita a relatórios, apenas sei do uniformes dos alunos? Escola, a frequentar o último ano do curso.
comentário, a que já referi, de um lustre e antigo CALM Pereira de Oliveira: Sobre alterações Na viagem de adaptação foi-nos abonado um
professor da Escola que chamou “Relatório da nos uniformes dos alunos as maiores modifica- subsídio de embarque diário, julgo que estabele-
viagem das Galés” ao que havia apreciado. ções resultaram da criação, para uso em serviço cido já em novos moldes, mas não seria o que na
Sem conhecermos os fundamentos da exclu- escolar dos cadetes, das fardas de marinheiro – viagem anterior tinham tido os cadetes do curso
são, nunca os camaradas que ficaram puderam blusão e calça azul em fazenda de lã, farda bran- do “Infante D. Henrique”, que teriam beneficia-
esquecer aqueles que consideravam do de legislação anterior que abrangia
iguais a todos e cujas relações de ami- os aspirantes.
zade criada nessa fase da juventude com Na Escola quando regressámos da
a esperança do provável início de uma viagem, em fins de Fevereiro de 1938,
nova vida voluntária e de quasi todos e encontrámos o último curso de aspi-
desconhecida. rantes idos da velha existente na Rua
Passados que foram mais de 71 anos, do Arsenal, usando, como uniforme de
dos quatro do Curso que ainda teimam serviço uma farda de cotim cinzento e
em viver, ainda há quem tenha ânimo e bivaque azul. Fomos recebidos por for-
alguma força de memória para lembrar ma que não é fácil esquecer, tal o espí-
e escrever o que foi e como foi a sua en- rito de camaradagem que entre todos se
trada na MARINHA. estabeleceu.
Os quatro “excluídos”, logo nesse ano É claro que, já nessa altura, havia cer-
iniciaram novas vidas. Assim, o Francis- ta “praxe” aos mancebos, nos primeiros
co Lemos da Silveira e o Alberto Poli- tempos. Eram, porém, práticas que não
carpo Manso, ingressaram na Escola do Recepção em Santos. afectavam o ambiente já criado e mui-
Exército, atingindo o posto de coronel nas respec- ca com blusa e calça branca, de modelos iguais to menos que ferisse a dignidade de cada um. O
tivas Armas. O Azeredo Vasconcelos, filho de um aos das praças e alcache. O boné redondo pas- mais doloroso acto da “praxe” é que os mance-
oficial aviador naval, desaparecido em acidente sou a panamá branco. Como distintivo passou a bos, para serem libertos, tinham que pagar um
de aviação no Canal da Mancha, durante a 1ª haver a âncora dourada nas mangas dos blusões. jantar a todos os outros, e em restaurante de ca-
Guerra Mundial, tirou o curso da Escola Náutica As fardas de passeio mantiveram-se conforme o tegoria! No nosso curso, o repasto foi “só” no res-
e seguiu a carreira de oficial da Marinha Mercan- modelo que anteriormente usavam os aspirantes taurante “Tavares Rico”, da Rua da Misericórdia!
te, sobretudo na Companhia Colonial de Navega- mas com o distintivo da âncora dourada no bra- Para quem não tinha qualquer vencimento ... era
ção, onde comandou os maiores paquetes, ten- ço direito da farda azul e nas platinas da farda boa “praxe”! Mas a camaradagem e ânimo sub-
do acabado a carreira como Comandante Geral branca. Tínhamos boné azul e boné branco, bo- sistira para sempre. Houve, no entanto, um fac-
da Frota da Empresa. O Jorge Cândido de Sena, tas pretas e sapatos brancos. to que nunca me esqueceu na vida na Marinha.
filho de um oficial Comandante da Companhia Além do que se chamava fardamento, a lista Todos, nessa altura, nos começámos a tratar por
Nacional de Navegação, era o mais classificado que nos era entregue para constituir o que nós “tu”, menos com o chefe do internato, que nem
e também o mais novo de todos os admitidos, chamávamos o “enxoval” continha tudo quanto de “você” me lembro de ouvir tratar à gente do
sendo portanto considerado o chefe do Curso. era necessário levar na viagem de adaptação. Co- meu curso, dada a sua maneira de ser!.
Licenciou-se em engenharia civil pela Faculdade meçava pela “malona” que obedecia a modelo RA: Com a passagem da Escola Naval para o
do Porto, exercendo a profissão por algum tempo. mais ou menos uniforme quanto a feitura e medi- Alfeite desaparece a figura do “Lente”?
Porém foi no campo das Letras que ficou para a das, além da roupa interior – nada do uso como CALM Pereira de Oliveira: Eu julgo que a figura
história do país como uma das maiores e mais traje civil – a espada, estojo de barbear, escovas de lente, com os seus direitos e regalias existen-
brilhantes figuras da sua geração, como tes na Antiga Escola Naval caiu com a
escritor e poeta. passagem da Escola para o Alfeite dan-
Ainda, a propósito da viagem, não do lugar aos professores nomeados por
quero deixar de recordar alguns oficiais concurso e por tempo limitado.
da “Sagres” que, deixando de lado certas Lembro-me ainda dos professores
normas regulamentares, puseram, acima que vieram da antiga Escola como os
de tudo as suas qualidades de militares, Comandantes Fontoura da Costa, Silva
de homens justos, para tornarem a nos- Júnior, Oliveira Pinto, Filipe de Castela,
sa vida a bordo menos dura. Foi assim Quelhas Lima, Eng.º Castro e outros.
que o imediato, capitão-de-fragata João Para o meu curso foi contratado o
Pais Baptista Carvalho, mandara balde- primeiro civil, o professor universitário
ar o tombadilho todas as manhãs, para Rodrigues Cavalheiro, para leccionar
que a ginástica matinal, dada pelo ofi- História Marítima, disciplina criada pelo
cial acompanhante do curso, fosse mais novo Regulamento.
rápida; que o primeiro tenente Morgado RA: O Sr. Almirante assiste por as-
Belo, instrutor de armamento, na sala de Os cadetes no refeitório da Escola Naval. sim dizer ao nascimento da Base Na-
aula do navio se “esquecia” de acordar os que, de dentes, de fato, de unhas, pente, e sei lá que val de Lisboa?
na última fila, descansavam a cabeça em cima mais! Tudo do melhor quanto a duração. Ainda CALM Pereira de Oliveira: Quanto ao nasci-
do panamá e que, várias vezes, vestiu um fato de hoje, parece impossível mas é uma realidade, mento da Base Naval de Lisboa pouco ou nada
macaco para incentivar e acompanhar alguns de anda a ser usada pela empregada de minha casa me recordo, mesmo depois da entrada na Escola
nós menos afoitos a subir aos mastros e participar uma escova de fato muito eficiente! Mas o mais vindo da viagem da “Sagres” além do que tinha
nas vergas, na manobra das velas; que o primeiro doloroso deste capítulo é que era tudo comprado visto quando tratava da admissão. Diz-me que,
tenente médico Carlos Figueira Rêgo que “ajuda- pela família sem qualquer ajuda do Estado! Re- nessa altura, já havia navios fundeados na baía,
24 MAIO 2009 U REVISTA DA ARMADA