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AOS CADETES DA ESCOLA NAVAL                                                                   5




                     Resignação e Obediência
                     Resignação e Obediência


               aros cadetes, neste artigo falo-vos  também não deve ser confundida com   A vontade para obedecer é essencial à
               da resignação e da obediência,  a humildade ou com a modéstia. A hu-  vida militar, porque as leis e os regula-
         Cduas virtudes estruturantes do  mildade é uma qualidade nobre daque-  mentos, por mais restritivos que sejam,
         carácter e da vontade de todo o militar.  les que não têm vaidade ou arrogância,  por si só pouco permitem, quando se re-
         A resignação consiste na aceitação da  e adoptam uma conduta parcimoniosa e  quer que os militares desempenhem as
         adversidade com elevação e sem hesita-  simples, que confere dignidade. Porém,  suas funções em circunstâncias diversas,
         ções. Traduz o estoicismo, é essencial ao  a modéstia é uma característica daque-  imprevistas, desconhecidas e exigentes,
         sucesso e à ordem, e obriga a dispor de  les que têm ânimo fraco. Por isso, nada  muitas vezes em estados de grande ten-
         um carácter inabalável. A obediência ci-  possui de honroso ou dignificante, visto  são e cansaço, e sujeitos a correr riscos sé-
         fra-se na observância rigorosa das ordens  traduzir-se no desapreço por si mesmo,  rios de vida. Na realidade, a vontade dos
         e das instruções. Exprime a autoridade, é  na ausência de amor-próprio e no avil-  militares para obedecer no cumprimento
         indispensável à disciplina e à hierarquia,  tamento da personalidade, aspectos que  dos seus deveres tem de ser inquebran-
         e implica possuir uma vontade inque-  minimizam a criatura humana.    tável, porque só dessa forma, na paz ou
         brantável.                                                                                na guerra, con-
            A resignação                                                                           sistentemente
         só é possível a                                                                           e em todas as
         quem dispõe                                                                               circunstâncias,
         de um carácter                                                                            cada um reali-
         inabalável e, por                                                                         zará ou cessará
         isso, consegue                                                                            qualquer servi-
         aceitar de for-                                                                           ço para o qual
         ma voluntária                                                                             tiver sido com-
         ou convencio-                                                                             petentemente
         nal, mas sem-                                                                             nomeado ou in-
         pre com grande                                                                            timado, e cum-
         firmeza de âni-                                                                            prirá as ordens
         mo, a angústia                                                                            e instruções le-
         resultante das                                                                            gítimas dos seus
         adversidades                                                                              superiores hie-
         do quotidiano,                                                                            rárquicos.
         suportando-as                                                                               Caros cadetes
         sem nunca de-                                                                             notem, porém,
         sistir e adop-                                                                            que a obediên-
         tando quer uma                                                                            cia não resulta
         atitude de per-                                                                           do livre arbítrio
         manente busca                                                                             daquele que co-
         do sucesso, que permite melhores reali-  A obediência só é possível a quem  manda. Está balizada pelos limites da lei
         zações futuras, quer um comportamento  dispõe de uma vontade inquebrantá-  e dos regulamentos militares, e decorre da
         consistentemente ordeiro, que preserva  vel e, por isso, consegue aceitar de for-  disciplina e da hierarquia entre os vários
         a tranquilidade institucional.     ma voluntária ou convencional a auto-  escalões, onde o comandante de cada ní-
            Quando a resignação está associada a  ridade dos seus superiores hierárquicos  vel emite as suas ordens e instruções no
         um erro próprio, resulta da assunção cla-  legítimos, adoptando uma atitude de  contexto de determinações superiores le-
         ra do ónus da culpa. Quando esse erro é  permanente disciplina e subordinação,  gítimas. Também não deve ser confundida
         provocado por outrem e não nos pode-  que viabiliza o cumprimento comple-  com a passividade amorfa, que se traduz
         mos opor às suas consequências, exige  to e frontal das ordens e instruções re-  na submissão plena às ordens e instruções
         grande coragem, por desencadear um  lacionadas com o serviço. Por meio da  recebidas, postas em prática sem raciocí-
         sentimento de frustração difícil de su-  disciplina e da hierarquia, o exercício  nio ou discussão. A obediência está ligada
         portar. No entanto, o respeito à Marinha  do comando é dotado de um poder,  à dignidade e ao respeito do subordinado,
         impõe-nos que, nas circunstâncias des-  competência ou jurisdição, que o tor-  bem como à sua iniciativa para contribuir
         critas, sejamos capazes de conter as pala-  na respeitável e leva os subordinados a  de forma leal e pronta para a tomada de
         vras, evitando lamentações, e de refrear  cumprir as ordens e instruções. Nestas  decisões e para a realização de acções de-
         os actos, impedindo reacções.      circunstancias, a obediência não é uma  terminadas pelo superior hierárquico no
           Caros cadetes, como é óbvio, as ofensas  consequência da coacção moral decor-  âmbito do serviço. Desta forma, nada tem
         à honra e à dignidade de cada um de vós  rente do temor de um castigo, mas da  de vergonhoso ou aviltante. É natural e
         não são susceptíveis de merecer resigna-  consciência dos deveres militares de dis-  evita a anarquia e a insubordinação, dois
         ção. Se ocorrerem, a vossa inacção e silên-  ciplina e de subordinação relativamente  males que, quando ocorrem, anulam a dis-
         cio significarão menoridade de carácter,  a uma autoridade superior legítima, em  ciplina e a hierarquia, os pilares básicos da
         condição típica daqueles que praticam a  situações na órbita das suas atribuições,  instituição militar.
         conivência acomodatícia, que nada tem a  desde que das ordens e instruções emi-                       Z
         ver com o respeito reflectido e consciente  tidas não resultem infracções às leis e     António Silva Ribeiro
         à Marinha. Para além disso, a resignação  aos regulamentos.                                        CALM

         14  AGOSTO 2009 U REVISTA DA ARMADA
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