Page 10 - Revista da Armada
P. 10
Navio-Escola “Sagres”
Volta ao Mundo 2010
2ª PARTE
Lisboa, dezanove de Janeiro de dois mil edições especiais de ”Vinho Torna-Viagem” prir as tradições navais. Na passagem do para-
e dez. O Infante, aconchegado pelos ou “Vinho da Roda” como lhe chamam na lelo que marca os zero graus, o navio transfor-
Jerónimos, contempla a partida da Madeira. Continuámos em direcção às Ca- ma-se. Cortou-se a fita do equador, invadiu-se
bela Barca. Aquele que outrora, impulsio- nárias, registando-se com euforia, a chegada a escuridão atlântica, com potentes apitos da
nou Portugal para o mundo, concede agora do vento e a primeira Faina Geral de Mastros. sereia, entoaram-se cânticos. O navio recebeu
a sua bênção, para mais uma a corte do Rei Neptuno, que do
epopeia nacional. seu trono submarino, todos ob-
Nos próximos trezentos e servou e a todos (os marinhei-
quarenta dias a “Sagres”, indu- ros) julgou. No tribunal perfila-
bitável símbolo da Marinha vam o próprio Neptuno, o Alto
Portuguesa e sobretudo da Clero, o Estado-Maior, a Ninfa,
Nação, sulcará os três maiores o Diabo e a Guarda de Honra.
oceanos do planeta, visitando A guarnição foi sentenciada,
mais de vinte portos dispersos condenada e multada. Uma
nos cinco continentes. Não coima estimada em caixas de
retornará, pois pela terceira néctar com o nome da barca
vez na sua história zarpa com e garrafas do melhor malte de
a missão de circum-navegar bordo. Com a conversão das
o Globo, o que lhe permitirá multas da guarnição foi servido
reencontrar Lisboa, sem a ne- um jantar convívio, em despe-
cessidade de “voltar atrás”. dida à Corte que albergámos
O dia amanheceu soalhei- por três dias. Foi perpetuada a
ro e a vistosa largada, impul- O Embaixador de Portugal e o Comandante da “Sagres” na recepção dada no Recife. cultura naval! Após a passagem
sionada pelo pano latino e complementada Finalmente... a Barca mostra a sua superfície do Equador, um período razoável de navega-
pelo cumprimento sonoro da sereia, deve- vélica e ostentou orgulhosa a Cruz de Cristo. ção à vela, manobrando de forma a evitar os
rá antes de mais relembrar, por um lado, o Cessou o ruído metálico da máquina e ape- perigosos aguaceiros da zona de convergên-
esforço hercúleo de uma instituição, e em nas ao vento foi permitido cantar. cia inter-tropical. Devido a estas manobras,
particular desta guarnição, que durante três A jornada prosseguiu e finalmente houve acabámos por não passar nos penedos de São
meses, foi incansável, na tarefa de aprontar o tempo para reabilitar outra tradição antiga e Pedro e São Paulo, que adivinham a chegada
navio, para tão nobre missão. Por outro lado, quem sabe única. Com o arquipélago de Cabo da Costa Brasileira.
recordar a árdua demanda, dos que no cais Verde nas proximidades, foi realizada a primei- Dia sete de Fevereiro, ao vigésimo dia de
de Alcântara, viram partir os seus. Nesta por- raTaça de Futebol Convés do ano de dois mil e viagem, atracamos no Porto de Recife. Tra-
tuguesa arte do saudosismo é difícil definir dez, a adesão pronta de várias equipas, permi- ta-se de uma cidade de origem Portuguesa,
quem recebeu a missão mais complicada, se tiu jogos entusiasmantes, com muitos especta- onde a mescla cultural é uma constante. A
a guarnição que enfrentará o rigor do mar, dores nas enxárcias e cobertura televisiva. Com influência europeia, transportada por portu-
se as famílias que aguardarão gueses e holandeses, contrasta
o regresso em terra. com a influência ameríndia e
Assim se iniciou a primei- africana. Porém naquela altura
ra tirada, uma das maiores da do ano era sem dúvida o bem
viagem, que pretende cruzar brasileiro Carnaval que impera-
o Atlântico. Durante quase três va, transformando a já colorida
semanas, navegámos até al- cidade numa palete de berran-
cançar o continente sul-ame- tes tons. A habitual sequên-
ricano. No início, o tempo foi cia protocolar prosseguiu com
essencialmente repartido, pela normalidade, havendo lugar a
conclusão do processo de pre- cumprimentos protocolares, à
paração do navio. Muitas ho- visita do Embaixador e à recep-
ras de sol, suor e sangue fo- ção a bordo. Durante cinco dias
ram diariamente consumidas os serviços matinais, de limpe-
na imagem do navio. Após três za e embelezamento da Barca,
dias, vislumbrámos as brumas com fito na abertura do navio
do arquipélago da Madeira, a visitas, prosseguiram a par
uma vez fundeados no Fun- do descanso e das actividades
chal, recebemos as entidades programadas pela Comissão de
e os jornalistas locais. Por fim Cidade do Recife. Bem Estar – uma visita a Olin-
embarcou uma pequena barrica de Vinho da alguma ansiedade dos que realizam a primei- da e Porto Galinhas. Durante a nossa revigo-
Madeira, que foi alojada entre os quatro to- ra missão, abandonámos as últimas conexões rante estadia, realçamos a comemoração do
néis de Moscatel de Setúbal; juntos irão par- com o território africano, para iniciar a viagem dia da Unidade, a oito de Fevereiro de 1962,
tilhar as adversidades do mar: o sal da mare- transatlântica propriamente dita. o então “Guanabara” cessa a sua missão en-
sia, o vento, o frio, o calor, o sol, o balanço… No dia dois de Fevereiro, pelas vinte e duas quanto navio brasileiro e abraça a missão de
e vão poder cumprir um processo antigo de horas e vinte sete minutos, hora de bordo, projectar Portugal pelo mundo. A “Sagres III”
envelhecimento, originando no regresso, houve mais uma oportunidade de fazer cum- avança paulatinamente para as bodas de ouro,
10 ABRIL 2010 U REVISTA DA ARMADA