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Comunicações para lá da linha de vista
(BLOS – BEYOND LINE OF SIGHT) TSF ou outros postos radiotelegráficos abertos público móvel marítimo em Portugal de 1913
ao serviço, as radiocomunicações navais ini- a 1920, data da sua desactivação. Seriam então
Serve esta breve introdução para realçar a ciadas no dia 11 de Dezembro, só prossegui- 14:40 do dia 16 de Fevereiro de 1910 quando
importância dada às comunicações sem ram e se concretizaram em moldes definitivos o Marinheiro Timoneiro-Sinaleiro nº 1763 Ma-
fio para lá da linha de vista nos primór- e regulares, a partir do dia 16 de Fevereiro de nuel Fernandes Correia recebeu e registou no
dios do século XX, possibilitando encurtar respectivo livro a primeira transmissão ofi-
significativamente o tempo necessário para a cial, originada no Posto Radiotelegráfico de
passagem de informação, transpondo-a para Vale de Zebro, que dizia:
a realidade do século XXI, tendo presente a “Queira fazer o obséquio de me mandar
relevância da informação no contexto do dizer se ahi em Lisboa está a chover”.
mundo da tecnologia avançada, podendo- Embora não se possa garantir que o teor
-se consubstanciar este último século como da mensagem seja de carácter operacional,
o século das comunicações. ela é relevante por constituir o arranque ofi-
SÉCULO XX cial do Posto Radiotelegráfico do Arsenal
da Marinha.
No dia 11 de Dezembro de 1909, cerca Este posto, pioneiro na Marinha, foi o em-
das 15:30 horas, o cruzador “S.Gabriel” lar- brião e precursor da extraordinária expansão
gou de Lisboa para uma viagem de circum- das comunicações navais que em 1974 atin-
-navegação e poucas horas depois, já a nave- giram o auge em termos de infra-estruturas e
gar, estabeleceu comunicações por telegrafia dispersão geográfica. Existiam à data 27 Es-
sem fios (TSF) com o posto radiotelegráfico tações Radionavais e 99 Postos Radionavais,
deVale de Zebro. distribuídos pelo Continente,Açores, Madei-
Em termos operacionais e de serviço as ra e Ultramar. Entende-se que as datas de 11
mensagens navais trocadas naquele dia, de Dezembro de 1909 e de 16 de Fevereiro
foram as primeiras que na Armada e quiçá de 1910, cujo centenário se completou, são
em Portugal, utilizaram a via radiotelegráfi- Escola Prática de Torpedos e Electricidade – Vale de Zebro. complementares e simbolizam o advento
ca. Anteriormente, em 25 de Maio de 1902 das radiocomunicações navais1.
a Marinha já havia realizado algumas expe- SÉCULO XXI
riências neste tipo de comunicações entre o
cruzador “D. Carlos” e Cascais. Apesar des- O final do século XX viu, em termos de
tes ensaios, considera-se que a actividade guerra naval, a simbiose dos velhos couraça-
desenvolvida em 11 de Dezembro de 1909 dos movidos a vapor com os modernos mís-
foi operacionalmente pioneira. seis de cruzeiro, substitutos reais da artilharia
O jornal O Século do dia 15 de Dezembro de longo alcance. Operando num teatro de
dava notícia do acontecimento: guerra em que o inimigo não dominava nem
O posto de telegrafia sem fios montado a Cruzador S. Gabriel. o espaço aéreo nem o marítimo, qualquer
bordo do cruzador “S. Gabriel” esteve em embarcação podia transportar lançadores de
comunicação, durante as primeiras horas mísseis e fazê-los disparar.
da viagem do cruzador, com o posto da Es- Hoje, um combate naval entre navios mo-
cola de Mecânicos, em Vale de Zebro. Fo- dernos é uma espécie de suicídio mútuo sem
ram pois essas as primeiras notícias da lon- que algum dos contendores veja o outro. Os
ga viagem que o cruzador iniciou. No mar sensores, integrados num sistema de comba-
havia muito balanço, seguindo o navio sem te com ligação a meios aéreos ou navais co-
novidade.Tendo faltado tempo para efectu- locados a grande distância, deverão detectar
arem a sintonização,entre os dois postos,por a presença de elementos hostis e contribuir
o posto do cruzador ter sido montado nos para a solução de fogo que permitirá o lan-
últimos dias da estada do navio em Lisboa, çamento de mísseis. O pessoal, em ambiente
os resultados obtidos podem considerar-se de tensão e envergando o respectivo equipa-
muito lisonjeiros. mento de protecção individual, guarnece o
Ainda a propósito da utilização e das pos- CO (Centro de Operações) confiante que o
sibilidades da aparelhagem radiotelegráfica seu sistema de defesa tecnicamente sofistica-
montada no “S. Gabriel”, demonstrada du- do possa ser suficiente para anular qualquer
rante a viagem, o Comandante do navio, ameaça em aproximação.
capitão-de-fragata António Aloíso Jervis de As realizações da técnica e ciência são,
Atouguia Ferreira Pinto Basto, escreveu no sem dúvida, importantes, pelo que se enten-
seu relatório: Posto radiotelegráfico do Arsenal da Marinha. de que o homem destruidor do Século XX
Este aparelho (telegrafia sem fios) tem um não tem futuro no Século XXI, sendo subs-
alcance garantido de 400 Kms. Comunicamos 1910. Esta data ficará para sempre associada tituído por gerações de cidadãos mais capazes
muitas vezes a maiores distâncias, sendo uma às comunicações navais por ter sido neste dia de preservarem tanto o ambiente natural como
delas 1300 Kms. que se inaugurou o Posto Radiotelegráfico do do meio humano2. No âmbito marítimo-naval,
Com o afastamento do “S. Gabriel” dos al- Arsenal da Marinha. Instalado no canto Sudo- a importância da informação não recaí exclu-
cances radiotelegráficos do posto de Vale de este da Casa da Balança do edifício do Minis- sivamente na componente operacional militar
Zebro, o qual havia sido instalado apenas para tério da Marinha, actualmente Instalações Cen- mas antes é alargada a todos os interesses na-
fins de instrução, e dado que não existiam ao trais da Marinha, constituiu-se como o primeiro cionais que se relacionam com o mar, onde se
tempo outros navios portugueses equipados de Posto Radiotelegráfico que assegurou o serviço destaca a vigilância do mar territorial, seguran-
18 ABRIL 2010 U REVISTA DA ARMADA