Page 23 - Revista da Armada
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CFR Bessa Pacheco

A evolução da demarcação da Linha Internacional de Data (—), entre 1900 e 1995.

minuíram para ele na razão de quatro minutos       Linha, razão pela qual a diferença em tempo é               4 Embora não seja facilmente perceptível, a Teoria
por cada grau que percorrera naquela direc-                                                                 da Relatividade Geral de Albert Einstein (1879-1955)
ção.Ora,na circunferência terrestre contam-se      24 horas. E é no decorrer das suas observações           é inequívoca na relação que estabelece entre espaço
trezentos e sessenta graus, e estes trezentos e                                                             e tempo, facto que não invalida a afirmação de que o
sessenta graus,multiplicados por quatro minu-      sobre a triste situação em que Roberto se encon-         tempo é uma construção da mente humana. O próprio
tos, dão exactamente vinte e quatro horas, isto                                                             calendário constitui, a exemplo de um número cres-
é, o dia inconscientemente ganho. Por outras       tra, que Umberto Eco, com a fértil imaginação            cente de outras criações nas mais variadas áreas, uma
palavras, enquanto Phileas Fogg, caminhando                                                                 matematização da realidade, sendo parte integrante
para o oriente, vira o Sol passar oitenta vezes    que se lhe reconhece, discorre sobre um outro            daquilo que é a evolução do Homem.
no meridiano [do lugar] os seus colegas que
tinham ficado em Londres só o viram passar          paradoxo, quase metafísico, pelo menos numa                 5 O Meridiano de Greenwich, origem das longitu-
setenta e nove vezes»12.                                                                                    des, tal como o meridiano dos 180 graus, constituem
                                                   primeira leitura, o qual, diga-se em abono da            as linhas de separação entre os hemisférios oriental
  No entanto, foi Umberto Eco quem explo-                                                                   e ocidental.
rou, de forma magistral, o paradoxo relacio-       verdade, não resiste a uma análise mais séria:
nado com a Linha Internacional de Data, no                                                                     6 Em Portugal continental a Hora Legal de Inverno é
livro A Ilha do Dia Antes13. Nesta sua obra, cuja  «[…] a Ilha que ele via diante de si não era             a do fuso Z (0), mas a Hora Legal de Verão é a do fuso
acção se desenrola em 1643, o jovem Rober-                                                                  A (+1). Como muitos certamente se recordam, entre
to della Griva encontra-se a bordo do navio        a Ilha de hoje, mas sim a de ontem. Para lá              1993 e 1995, com intuito de estarmos na mesma hora
“Daphne”, encalhado a escassas centenas de                                                                  da maior parte dos países da União Europeia, Portugal
metros de uma ilha em pleno oceano Pacífi-          do meridiano era ainda o dia da véspera! Po-             teve como Horas Legais de Inverno e Verão, respectiva-
co, nas proximidades daquele que ele admite                                                                 mente, as horas dos fusos A (+1) e B (+2). Felizmente
ser o meridiano dos 180 graus, isto é, a Linha     dia esperar ver agora naquela praia, onde era            prevaleceu o bom senso, pelo que se regressou à prá-
Internacional de Data.                                                                                      tica anteriormente em vigor.
                                                   ainda ontem, uma pessoa que descera para a
  «Mas o grande miraculo é que não há mi-                                                                      7 Para se saber qual a hora em Greenwich em fun-
lagre! Tudo já era previsto ab initio! Se o Sol    praia hoje?»15.                                          ção do fuso em que nos encontramos, usa-se a fórmu-
vinte e quatro horas emprega para dar a volta                                                               la Hmg = HFuso + Fuso, podendo o fuso ser positivo
da Terra, começa a ocidente do centésimo oc-       Resulta claro, que a Linha Internacional de              (leste) ou negativo (oeste). Por seu turno, o número do
togésimo meridiano um novo dia, e a oriente                                                                 fuso corresponde ao arredondamento, para o número
temos ainda o dia antes. Meia-noite de sexta-      Data mais não é do que uma linha imaginária e            inteiro mais próximo, do resultado da fórmula F = λ /
feira aqui na nau é meia-noite de quinta-feira                                                              15, em que λ é a longitude do lugar.
da Ilha. Tu não sabes que cousa aos marinhei-      convencional, que separa dois dias consecutivos
ros de Magalhães aconteceu quando hão                                                                          8 Dependendo do sentido em que se viaja, assim
acabado a sua volta do mundo, como conta           do calendário. Se esta for cruzada navegando             este meridiano é 180 graus Este ou 180 Oeste.
Pedro Mártir? Que tornaram e pensavam que
fosse um dia antes et era ao invés um dia de-      de oeste para leste, retira-se um dia (24 horas),           9 Nalguns países, como são os casos da Índia, Irão
pois, e eles criam que Deus havia punido eles                                                               ou Venezuela, a Hora Legal é fraccionada em relação
roubando-lhes um dia, porque não haviam o          mantendo-se a hora do fuso M (+12). No entan-            a UTC. Desta forma diferem dos demais não apenas
jejum da Sexta-Feira Santa observado. Afinal                                                                 em horas inteiras, mas também em fracções de meia-
era muito natural: haviam para poente viaja-       to, quando se navega em sentido contrário, de            hora (e.g. +4,5 ou -3,5).
do. Se da Amérika para a Ásia viajas, perdes
um dia, se no sentido contário viajas, ganhas      leste para oeste, soma-se um dia (24 horas), sem            10 Visconde de Lagoa, Fernão de Magalhães (a sua
um dia: eis qual o motivo que a “Daphne” há                                                                 vida e a sua viagem), livro II, Lisboa, Seara Nova, 1938,
de facto a via da Ásia, e vós estúpidos a via da   se alterar a hora do fuso anterior,Y (-12).              pp. 209-211. O sublinhado é nosso.
Amérika. Tu és agora um dia mais velho que
eu! Não te faz rir?»14.                            Relembramos que neste contexto, os aviões                   11 Antonio de Herrera, Historia General de los He-
                                                                                                            chos Castellanos en las Islas i Tierra Firme del Mar Oce-
  Importa aqui relevar o facto do navio e a ilha,  supersónicos16, como era o caso do Concorde,             ano, Década Terceira, Madrid, 1601, p. 140.
apesar de tão próximos, estarem separados, em
tempo, por um dia, encontrando-se Roberto pri-     trouxeram igualmente um novo paradoxo. Uma                  12 Júlio Verne, A Volta ao Mundo em 80 Dias, Lis-
sioneiro da situação pelo simples facto de não                                                              boa, Círculo de Leitores, p. 243.
saber nadar, não podendo, por isso, alcançar a     vez que a sua velocidade era superior à veloci-
ilha. Pelos seus cálculos, o navio está encalhado                                                              13 Embora também tenha sido identificado por geó-
a oeste do meridiano dos 180 graus, enquanto       dade de rotação da Terra, nas viagens para oci-          grafos árabes do século XIII, uma das primeiras refe-
a ilha se encontra ligeiramente a leste daquela                                                             rências sobre este paradoxo foi feita pelo matemático
                                                   dente, por exemplo, da Europa para os Estados            francês Nicolau Oresme (c.1323-1382), tendo sido ele,
                                                                                                            também, quem pela primeira utilizou um gráfico, em
                                                   Unidos, os passageiros chegavam numa hora                que os eixos representam, respectivamente, o tempo
                                                                                                            decorrido e a velocidade de um móvel.
                                                   anterior àquela em que haviam partido. Como
                                                                                                               14 Umberto Eco, op. cit., p. 247.
                                                   resultado, o dia da viagem tinha, para eles, mais           15 Idem, op. cit., p. 312. Apesar do apreço que Um-
                                                                                                            berto Eco nos merece, não deixa de constituir um ana-
                                                   de 24 horas, verificando-se situação inversa na           cronismo a referência ao Meridiano de Data por uma
                                                                                                            personagem de meados do século XVII.
                                                   viagem de regresso.                          Z              16 O Concorde tinha uma velocidade de cruzeiro
                                                                                                            de 2,04 Ma, que se situa entre 2.346 e 2.652 Km/h. O
                                                                    António Manuel Gonçalves                Mach (Ma) é uma unidade de velocidade que tem a
                                                                                                            propagação do som como referência, sendo que 1 Ma
                                                                                                     CTEN   equivale a 1.224 Km/h ou 340 m/s, isto é, a velocidade
                                                                                                            com que o som se propaga no ar. O nome é uma home-
                                                                        am.sailing@hotmail.com              nagem ao físico austríaco Ernst Mach (1838-1916), que
                                                                                                            em 1877 definiu a velocidade necessária para que um
                                                      Agradecemos ao CTEN Mata Gaspar que nos aler-         corpo pudesse ultrapassar a velocidade do som.
                                                   tou para o facto de que, aquando da assinatura do
                                                   Tratado da Antárctida, os sete países reivindicadores                REVISTA DA ARMADA U ABRIL 2010 23
                                                   não abdicaram das suas pretensões territoriais, contra-
                                                   riamente ao que havíamos escrito no artigo dedicado
                                                   aos Círculos Polares, além de serem já 48 o número
                                                   de Estados signatários.

                                                   Notas:
                                                      1 Umberto Eco, A Ilha do Dia Antes, Lisboa, Difel,

                                                   2002, p. 248.
                                                      2 Pode também aparecer como Linha Internacio-

                                                   nal de Mudança de Data ou, simplesmente, Linha
                                                   de Data.

                                                      3 Etimologicamente radica no latim horologium,
                                                   que por sua vez deriva do grego ho¯ rológion, que era
                                                   o quadrante solar, graduado, em que se lia a hora, isto
                                                   é, o relógio de sol.
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