Page 15 - Revista da Armada
P. 15
flagelo terrestre, que dispersasse energias da tomarospassos(osacessos)dailha,obrigando de apoio aos portugueses que queriam viver
cadeia já montada para comprar pimenta em os portugueses a recuar para a cidade, depois na Índia.
Cochim e trazê-la anualmente para Lisboa, as- para a fortaleza e, finalmente, para a armada, Houve também quem se lembrasse de 1508
sustava muita gente.Albuquerque teve, neste aguentando-se em franca penúria sem pode- e 1509, quando os rumes surgiram do norte, e
assunto, a intuição de um cabo-de-guerra com rem zarpar. Só em meados de Agosto logra- da vantagem que teria sido ter uma base mais
o sentido da oportunidade, decidindo- perto de Diu e do Guzerate, com melhor
-se por Goa, mesmo não sendo essa a acesso às vias de Ormuz e do Mar Verme-
opinião maioritária dos seus conselhei- lho. Aliás esta situação evidente, ajustada
ros. Evidentemente que surgiram argu- ao que era o maior temor dos portugue-
mentos de peso, a justificar esta inflexão ses da Índia (um temor que se manteria
para um objectivo analisado e rejeitado até à segunda metade do século), acabou
pelo conselho, e o mais forte de todos é por criar as condições para nova inves-
a de que era ali, em Goa, que os rumes tida sobre Goa, agora com um desfecho
estavam a recompor a sua armada, trans- favorável e definitivo.
formando-se numa ameaça muito mais
directa ao poder português, do que a
possibilidade de uma expedição vinda o “Feito de Goa” no dia
de Suez, pelo Mar Vermelho, em direc- de S.ta catarina
ção ao Índico.Aparentemente foi Timoja Logo após a saída da barra do Man-
que trouxe essa informação – aliás falsa dovi, quando pretendia reunir toda a
–, em que uns acreditariam e outros não. esquadra junto deAngediva, encontrou
Mas eu creio que era aquilo que Albu- aArmada de Diogo Mendes de Vascon-
querque queria, não me custando acei- celos acabada de chegar da Europa com
tar que tenha anuído na divulgação de instruções para se dirigir a Malaca. Sou-
um alarme falso, que justificasse a deci- bera, aliás, em Moçambique que a frota
são que já tomara, mas que tinha receio de Diogo Lopes de Sequeira, que tentara
de impor aos seus capitães contra a sua montar ali uma feitoria no ano anterior,
vontade. Em 1510 o poder do governa- retirara precipitadamente da cidade, dei-
dor da Índia estava maculado por um xando presos cerca de 40 portugueses.
conjunto de incidentes que aconselha- A primeira ideia de Albuquerque foi a
vam prudência em duas vertentes: pru- de tentar obter a colaboração do capitão
dência a lidar com o seu pessoal, não to- para nova investida sobre Goa, mas as
mando decisões que fossem claramente suas ordens eram para seguir para o Ex-
contra a vontade comum; prudência nos Goa - Fortaleza da Aguada. tremo Oriente e não parecia fácil demo-
empreendimentosdeguerraparanãocomeçar ram ter vento para sair a barra, abandonando vê-lo. Mais uma vez viriam a terreiro os argu-
o governo com vitórias dúbias ou com prová- a posição sem grandes baixas nem perdas de mentos da presença dos rumes, desta vez com
veis derrotas, que seriam aproveitadas contra navios, mas também sem glória.Asúbita força uma carta de Malik Ayaz que revelava a emi-
ele e somadas aos incidentes de Ormuz ou à reveladapeloHidalcãofezcrescerasvozesque nência da sua concentração, precisamente na
postura que tivera durante a guerra contra se tinham oposto à operação, com o argumen- barra de Goa. Era evidente a estratégia do go-
os rumes. O Albuquerque forte, vitorioso em to da incerteza do sucesso e do desperdício de vernador, baseada num receio verosímil que
Goa, Malaca e Ormuz, ainda estava por cons- meios que representava, mas houve também convencia e amedrontava todos os portugue-
truir e sabia que tinha muitos ses. Os rumes tinham chegado
inimigos poderosos, como se a Chaul, dois anos antes, e te-
veio a verificar mesmo depois riam vindo para sul, se não fos-
dessa senda de vitórias. se a resistência de D. Lourenço
Goa tinha uma população deAlmeida, a traição de Malik
hindu agrícola e pacata que Ayaz e a vitória de D. Francis-
prometia não oferecer resis- co de Almeida. Nada poderia
tência aos portugueses, e os ser visto com mais lógica do
próprios mouros da terra não que transferir uma parte do
se sentiam com energia para poder naval português para
resistir. O governador decidira uma base mais a norte, acres-
que manteria todas as estrutu- centando o argumento de que
ras administrativas já existen- ela tinha condições para o fazer
tes, prometeu cobrar apenas crescer mais facilmente do que
um terço dos impostos do que em Cochim. E este raciocínio
lhe levava o Sultão, e a 17 de era ampliado na sua evidência
Março de 1510, desembarcou pelo rumor (certo ou fabricado)
sem resistência no cais de uma de que era ali que os próprios
cidade órfã. O problema é que rumes queriam concentrar a
esse status não era definitivo A Armada de Diogo Vasconcellos, destinada a Malaca, mas que ficou na Índia e sua força naval, beneficiando
e – como sempre acontece na esteve na conquista de Goa. eles de uma posição inexpug-
Índia – depois de Maio vêm as Livro das Armadas. nável, e em franca vantagem
chuvas torrenciais, as barras fecham, os apoios quem se apercebesse das suas vantagens, não táctica sobre todo o sul.
vindos do mar são impossíveis, e o Hidalcão só pelos cavalos e outros rendimentos, como A10deOutubroogovernadorreuniuocon-
(como era designado Adil Schâh, o filho do pela grandeza das duas barras, da capacida- selho em Cochim e colocou a todos a questão
sultão falecido) sabia que era essa a altura de de defesa da ilha, da possibilidade de criar de ir de novo a Goa, empenhando ou não a
própria para atacar a lusa gente, que não teria um estaleiro onde já existiam numerosos ofi- armada que acabara de chegar de Lisboa, e
grandes meios para lhe resistir. Começou por ciais da profissão e de uma estrutura melhor que deveria regressar carregada de especiaria
Revista da aRmada • JULHo 2010 15